Por Tamiris Gomes | 09.03.2021
Reportagem: Ana Beatriz Felicio, Gisele Alexandre e Raquel Porto | Colaborou: Lucas Veloso | Artes: Magno Borges
Edição: Paulo Talarico e Tamiris Gomes
Publicado em 09.03.2021 | 14:20 | Alterado em 10.03.2021| 15:03
Apesar do decreto da fase vermelha no Estado de São Paulo, as escolas municipais e estaduais continuam abertas. Parte dos professores aderiram à greve e aqueles que estão trabalhando seguem com medo da contaminação. Dificuldade em cumprir os protocolos sanitários e falta de estrutura foram alguns dos problemas narrados pelos profissionais ouvidos pela Agência Mural.
Tempo de leitura: 9 min(s)Desde a última terça-feira (2), após quase um ano longe da sala de aula, a professora do ensino infantil, C.A., 54, está retomando a rotina já conhecida de sair de casa diariamente e encarar o caminho até a escola onde trabalha na periferia da zona norte de São Paulo.
Contudo, apesar da saudade dos alunos, ela é contra o retorno neste momento, no qual o Brasil enfrenta a pior fase da pandemia do coronavírus. O medo de contaminação pela Covid-19 é alto, ainda mais porque a professora está lecionando em uma sala mista, com crianças de zero a 4 anos.
“Está muito ruim. Uso máscaras aqui e também aquelas viseiras [face shield], mas é difícil por conta do calor e ainda não podemos ligar o ventilador”, afirma. “Seguir o protocolo é complicado, não podemos obrigar uma criança a manter a máscara”.
O receio de contrair a doença é compartilhado com outros professores das redes municipal da capital e estadual ouvidos pela Agência Mural. Na semana em que C.A. voltou para sala de aula, o país batia novos recordes na média móvel de mortes.
Até o dia 4 de março, eram 261.188 óbitos. Na Grande São Paulo, são 32 mil vítimas e os leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) estão com apenas 20% da capacidade disponível.
Em toda rede estadual e municipal as aulas presenciais retornaram, de forma opcional, respectivamente nos dias 8 e 15 de fevereiro, respeitando um rodízio de até 35% de alunos por sala de aula, com um modelo híbrido de ensino.
Para tentar frear o avanço de novos casos de Covid-19 e não esgotar a capacidade dos hospitais, na última terça-feira (2), o governo de São Paulo anunciou que a partir do sábado (6) todo o estado entraria novamente na fase vermelha – a mais restritiva do Plano São Paulo. Porém, as escolas continuariam abertas.
De acordo com o secretário da Educação, Rossieli Soares, a ideia é que apenas os estudantes que “realmente precisem” frequentem as aulas presenciais nos próximos 15 dias de fase vermelha no estado.
“A família que tem condição de manter o ensino a distância, mantenha. Mas para aquele aluno que precisa, é fundamental que a escola permaneça aberta”, declarou.
Para o secretário, tanto a escola como as famílias irão decidir quem são os alunos que “realmente precisam” frequentar as aulas.
Os critérios são: alunos com necessidade de alimentação escolar, com dificuldade de acesso à tecnologia, defasagem de aprendizados, com saúde mental em risco ou cujos pais ou responsáveis trabalhem em serviços essenciais.
De acordo com a pasta, a expectativa é que na próxima quinzena ocorra uma queda de 80% na frequência de alunos na escola e 60% na de funcionários. Em fevereiro, 2,5 milhões de estudantes frequentaram fisicamente os colégios da rede municipal, além de 165 mil funcionários.
Além disso, as escolas fornecerão refeições para todos os estudantes que precisarem, mesmo para aqueles que não estiverem assistindo às aulas presencialmente em um determinado dia por conta do limite máximo de alunos permitido no rodízio.
Para muitos educadores, porém, essas medidas não ajudam a evitar os riscos para educadores e alunos.
Contrário às aulas presenciais mesmo antes do anúncio, o Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) contabiliza que até o dia 8 de março havia 2.150 casos de contaminação de pessoas que trabalham presencialmente em 981 escolas da rede estadual de ensino.
Na rede municipal, até a mesma data, de acordo com dados coletados pelos comandos regionais de greves e Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), eram 572 casos suspeitos ou confirmados de profissionais.
Na cidade de Cotia, na região sudoeste da Grande São Paulo, um professor morreu por complicações causadas pela Covid-19. Rodrigo Andrade tinha 39 anos e era coordenador na escola Odair Pacheco Pedroso. A perda foi divulgada pela Apeoesp da cidade no dia 2.
Desde segunda-feira (8) ao menos dez cidades da região metropolitana, incluindo Cotia, decidiram fechar as escolas públicas das redes estadual e municipal, além da rede privada, segundo o G1. São elas: Ribeirão Pires, Guararema, Diadema, Suzano, Poá, Caieiras, Mauá, Francisco Morato e Mogi das Cruzes.
“Ficamos surpreendidos com a posição equivocada, descabida e até criminosa do Governo Estadual, que diante de tantas mortes e da ida para fase vermelha, manteve as escolas abertas, colocando em risco a vida de funcionários, professores e alunos”, avalia o professor da rede estadual e membro do Sindicato, Severino Honorato, que leciona na zona sul.
Segundo a Apeoesp, a greve busca chamar a atenção para a situação nas escolas e mobilizar os educadores para que não se dirijam presencialmente às unidades, trabalhando apenas pelo ensino remoto.
Porém, a paralisação não foi amplamente acatada e a maioria dos profissionais da educação segue trabalhando nas escolas.
C.A. diz que há medo por parte dos educadores e muita pressão para que ninguém fique em casa.
“Neste momento não tem como eu ir lutar e correr o risco de ficar com a minha geladeira vazia. Os professores ficam com medo e muitos estão endividados e precisando pagar as contas em casa, o que é meu caso.”
Já na zona leste, o professor do ensino fundamental da rede municipal R.B. faz parte do comando da mobilização. De acordo com ele, a circulação do vírus nas escolas está maior do que o que vem sendo noticiado.
“Estamos sem controle nenhum. A gente tem relatos de crianças que estão com suspeita [de Covid-19] ou cujos familiares estão contaminados e continuam indo para as escolas, infelizmente. A gente sabe de escolas que deveriam ter sido fechadas e não foram”.
R.B. critica o movimento pelo retorno às aulas presenciais, que começou ainda em 2020, encabeçado, principalmente, pelas escolas particulares. Para ele, o argumento de que as escolas estão abertas para atender os alunos mais vulneráveis serve a interesses econômicos.
“Estão jogando isso dizendo que se preocupam com a gente. Mas como se preocupam agora se nunca ligaram antes que a gente passava fome?”, afirma.
“No período em que o governador fez o anúncio de que as escolas permaneceriam abertas, estava rolando propaganda sobre o retorno às aulas na televisão. Mas está muito distante da realidade”, ressalta.
Ele completa que o controle sobre os estudantes é praticamente inviável. “Não tem protocolo, o negócio é assim: as crianças tiram a máscara na rua e colocam na hora de entrar para a escola. Há uma campanha de negacionismo”.
No último sábado (6), professores da rede particular da cidade de São Paulo também aprovaram uma greve a partir do dia 11 de março, caso as atividades presenciais não sejam suspensas. Uma nova assembleia virtual está prevista para ser realizada no dia 11, às 19h.
O Sinpro (Sindicato dos Professores de São Paulo) condiciona o retorno ao trabalho presencial à testagem de toda comunidade escolar, a divulgação imediata pelas escolas no caso de contaminação por Covid-19 e ao fornecimento de máscaras mais seguras contra a Covid-19.
Além dos riscos durante as aulas, o fato de que os profissionais da educação não estão entre os grupos prioritários da vacinação também tem sido questionado pelos educadores.
O sindicato lançou um abaixo assinado. Além da paralisação do trabalho presencial, o manifesto pede que sejam vacinados os profissionais da educação. Até o dia 5 de março, o documento já contava com 3.860 assinaturas.
Na última quarta-feira (3), o Ministro da Educação do Brasil, Milton Ribeiro, enviou um ofício à Casa Civil solicitando a inclusão dos estudantes, professores e funcionários da educação como grupo prioritário. De acordo com o Ministério da Educação, a sugestão foi aceita.
Porém, no Plano Nacional de Imunização, divulgado pelo Ministério da Saúde no dia 29 de janeiro, os trabalhadores da educação do ensino básico já estavam contemplados. Mas ainda não há uma data definida para o início da imunização deste grupo.
Além da falta de vacina, a falta de estrutura das escolas, bem como de funcionários necessários para a limpeza de toda uma unidade escolar, são outros obstáculos tanto na rede estadual quanto municipal.
As diretrizes sanitárias foram elaboradas pela SME (Secretaria Municipal de Educação) e pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, e estão disponíveis respectivamente no protocolo Volta às Aulas e FAQ Volta às Aulas 2021.
A minuta aponta que as escolas são as responsáveis pela ventilação do ambiente, revisão de torneiras e dispositivos de sabonete. Também cabe a limpeza e desinfecção dos espaços e objetos como maçanetas, interruptores, puxadores de portas e janelas, sanitários, torneiras, pontos de descarga, fechaduras, botões de elevador e corrimões.
W.A., 42, professor do ensino fundamental da rede municipal da zona leste, explica que alguns dos protocolos não são aplicáveis.
“Alguns protocolos são eficientes, outros impraticáveis em ambiente escolar. A maioria das escolas não têm funcionários e espaço físico adequado para seguir os protocolos de segurança.”
A situação de algumas escolas é precária. Nos anos 1980, alguns espaços foram construídos e adaptados para serem transformados em escolas e grande parte nunca passou por reformas.
Há janelas quebradas ou que não abrem, caixas d’água danificadas, além de problemas de fornecimento de água em algumas regiões, que são impeditivos para garantir a ventilação e higienização local.
“Não há equipe de limpeza nem EPIs adequados para garantir a limpeza e segurança conforme disposto no protocolo. Além disso, eles deveriam receber equipamentos de proteção individual de melhor qualidade”, afirma W.A.
Para o membro do sindicato Severino Honorato, o governo não adotou todas as medidas necessárias para garantir os protocolos para a proteção das pessoas que estejam nas escolas.
“Não foram contratados funcionários de limpeza. Aliás, cortou parte delas [da equipe de limpeza] e não tem quem limpe. Nós temos escolas na rede estadual que têm uma funcionária por período para limpar 15, 18 salas”, afirma.
No Roda Vida do dia 8 de fevereiro, o secretário de educação do estado respondeu que caso alguma escola tivesse dificuldade, cada unidade deveria se adaptar a partir de sua realidade.
“No caso dos contratos de limpeza, a maioria é terceirizado e o contrato não é por número de postos, é pela limpeza executada no metro quadrado”, disse. “Neste momento tem que ter a limpeza, tem que ter o protocolo e se eu não consigo garantir para aquele número de alunos, que eu adapte dentro do projeto e não voltar de qualquer jeito.”
Na prefeitura, até o momento, a única providência tomada quanto ao quadro de funcionários é a contratação de cerca de 5.000 mães de alunos por um período de seis meses.
Estas começaram a trabalhar dia 1º de março com carga horária de 24 horas semanais e mais seis para realização de um curso de capacitação.
As mães são responsáveis em aferir a temperatura dos estudantes na entrada da escola, fiscalizar o cumprimento de medidas de distanciamento, uso de máscara e álcool em gel, além da higienização dos equipamentos de uso coletivo.
Principalmente nas periferias, outra dificuldade levantada pelos professores em relação à volta às aulas vem sendo a questão da tecnologia e falta de acesso à internet.
“A gente sabe que as famílias têm o direito à educação, então tem que fazer chegar os equipamentos e formas de comunicação, de forma que as famílias não sejam ainda mais prejudicadas”, disse R.S., supervisora de uma Diretoria de Ensino da zona sul.
De acordo com estudo divulgado em dezembro do ano passado pela Fundação Seade em parceria com o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, 88% dos estudantes das redes pública e privada foram classificados como usuários da internet no estado de São Paulo. Outros 10% dos estudantes (cerca de 126 mil) disseram que já utilizaram a internet em algum momento, mas não acessaram nos três meses antes do levantamento.
O estudo mostrou também que o celular é o principal meio de conexão entre os estudantes, sendo o único dispositivo usado para 11% dos alunos do estado (cerca de 116 mil). Desse total, 13% são alunos da rede pública (cerca de 115 mil) e apenas 1% são alunos das escolas privadas.
Buscando reduzir essa desigualdade, a Prefeitura de São Paulo anunciou, em agosto de 2020, a compra de 465 mil tablets com chip para acesso gratuito à internet, que seriam distribuídos para os alunos da rede municipal. Porém, quase sete meses após o anúncio, os equipamentos ainda não chegaram às escolas.
De acordo com o assistente de direção e professor da rede municipal, J.B., além de não cumprir com a entrega dos tablets, uma promessa feita durante o período da campanha eleitoral, a Prefeitura de São Paulo implementou a plataforma de estudo Google Classroom sem ouvir as necessidades dos educadores e alunos.
Para o professor, a ferramenta escolhida pelo governo é difícil de ser acessada, principalmente para os estudantes que não têm familiaridade com as plataformas digitais, o que distanciou ainda mais o acesso dos alunos.
“Nas escolas em que trabalho, tivemos um índice de acesso baixíssimo, menos de 10% na plataforma do Google Classroom. Nós trabalhamos também, por conta própria, com WhatsApp e Facebook, além da entrega das apostilas e material impresso, o que possibilitou um acesso maior dos alunos às atividades”, conta.
A Secretária Municipal da Educação diz que os 465 mil tablets serão entregues até o final de abril. A Prefeitura de São Paulo afirma que em 2020 investiu R$ 1,7 bilhão para garantir que as medidas de segurança e sanitárias fossem cumpridas em todas as escolas da rede. Em 2021, o investimento previsto é de R$ 1 bilhão para dar continuidade ao trabalho.
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Editora-assistente da Agência Mural. Fã de cinema, poesia e barulho de mar. Cofundadora e correspondente de Poá desde 2011
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