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Agência de Jornalismo das periferias

Magno Borges/Agência Mural

Por: Victória Ramos

Notícia

Publicado em 29.07.2025 | 15:25 | Alterado em 29.07.2025 | 15:25

Tempo de leitura: 4 min(s)

A estudante Lívia Bergstron, 18, começou a procurar estágio, mas esbarra em uma barreira enfrentada por muitos alunos que vivem na zona leste de São Paulo: a distância. Moradora do Itaim Paulista, ela está no primeiro semestre de publicidade e propaganda em uma universidade particular e tem sido difícil encontrar oportunidades.

Ela calcula que já enviou cerca de sete currículos para vagas alinhadas ao curso e ao nível de experiência. Apenas um resultou em entrevista.

“Grande parte dos estágios que encontro fica a 40 minutos ou até mais de uma hora da minha casa”, conta.

Lívia estuda à noite e enfrenta rotinas cansativas para conciliar os estudos com possíveis oportunidades de trabalho. Ao retornar para casa sozinha, já chegou a esperar mais de uma hora por transporte no ponto.

Muitas vezes, nem chega a se inscrever em vagas mais distantes. “Para não ficar remoendo a dificuldade de chegar e voltar, prefiro deixar para lá.”

Livia tem buscado vagas em diferentes regiões de São Paulo @Arquivo Pessoal

O Itaim Paulista, último distrito da zona leste de São Paulo, está a cerca de 28 km do centro da capital.

Com mais de 300 mil habitantes, o bairro enfrenta escassez de grandes empresas e polos comerciais. Segundo o Mapa da Desigualdade 2025, a região conta com 1,06 vaga para cada 10 moradores em idade ativa – na Barra Funda, por exemplo, esse índice é de 70 vagas.

O trajeto pode levar mais de uma hora e meia de transporte público, o que impacta diretamente o acesso dos jovens da região a estágios e empregos formais – também segundo o Mapa da Desigualdade, o distrito é o quarto em que os moradores gastam mais tempo no transporte público.

Mesmo com os obstáculos, Lívia continua atenta às oportunidades, ciente de que muitas das vagas com melhores salários costumam estar em regiões como a zona sul ou o centro da cidade, onde há maior concentração de empresas e centros comerciais.

Ela procura vagas com horários compatíveis com a rotina noturna, preferencialmente no período da manhã ou da tarde. “Fiz uma entrevista para um estágio das 10h às 17h, mas não daria tempo de chegar na aula, e eu ia ficar exausta”, explica.

CURSOS COM MAIS ACESSO

Os cursos com maior acesso ao estágio são administração (16,8%), direito (7,3%) e comunicação (6,2%). Estudantes dessas áreas, geralmente de instituições privadas em capitais do Sudeste e Sul, contam com melhor estrutura, acesso à internet e redes de contato, fatores que reforçam as desigualdades entre quem estuda no centro e quem vem da periferia.

A distância como barreira invisível

Segundo a Abres (Associação Brasileira de Estágios), apenas 8,38% dos estudantes do ensino superior conseguem estágio, número que cai para 5,5% entre os que atendem aos critérios legais.

A disparidade se acentua nas periferias. Dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontam que os 10% mais ricos da capital têm quase 10 vezes mais chances de trabalhar perto de casa do que os 40% mais pobres.

Bianca Marques, 29, formada em ciências contábeis e moradora da Vila Itaim desde a infância, enfrentou diversas barreiras para conquistar uma vaga de estágio durante a graduação.

Bianca cita que os desafios para quem começa e vive no bairro são antigos @Arquivo Pessoal

Ela lembra que chegou a ser aprovada em processos seletivos, mas acabou descartada na etapa final por conta da distância da residência. “Passei em provas e entrevistas, mas disseram que a empresa procurava alguém que morasse mais perto. Um recrutador chegou a me dizer que o tempo de deslocamento poderia atrapalhar a rotina da vaga”, conta.

Em outra oportunidade, foi selecionada para um estágio em contabilidade, mas teria que sair de casa por volta das 4h da manhã para chegar ao centro no horário exigido. “Eu ia sozinha, no escuro, com medo. Desisti porque não tinha segurança, nem apoio”, relembra.

Segundo Bianca, a dificuldade em conseguir um estágio próximo de casa afetava diretamente a autoestima dela. “Era desanimador. Quando cheguei no sexto semestre, muitos colegas já estavam empregados na área, e eu continuava tentando”, afirma. “Comecei a me sentir insuficiente, como se o problema fosse comigo.”

Ela também relata frustração com a falta de apoio da universidade na busca por oportunidades. Para Bianca, a instituição deveria funcionar como uma ponte entre os alunos e o mercado de trabalho. “Esperava que a faculdade fosse uma chave de acesso, que encaminhasse os estudantes ou ajudasse de alguma forma. Mas nunca vi esse tipo de apoio acontecer de verdade”, diz.

Para ela, mudar esse cenário passa por transformar a forma como os jovens periféricos são vistos, especialmente por recrutadores e pelas instituições que oferecem vagas. “É preciso parar de julgar o estudante pelo lugar onde mora. Oportunidade deveria ser baseada na capacidade, não no CEP”, defende.

Hoje, Bianca exibe com orgulho a carteira profissional registrada no Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo.

Depois de muitas tentativas, conseguiu o primeiro estágio apenas no último ano da faculdade. Apesar da demora e dos obstáculos, incentiva outros jovens das periferias a não desistirem. “Mesmo que pareça difícil e que não vá conseguir, é importante permanecer firme, porque a vitória vem para quem persiste.”

Soluções

No caso de Lívia, ela reconhece o esforço da universidade em divulgar oportunidades e oferecer algumas vagas internas. Mas acredita que o suporte ainda é insuficiente diante da realidade dos alunos das periferias.

“Oferecer auxílio-transporte, incentivar o modelo híbrido ou remoto e flexibilizar os horários ajudaria muito. Do jeito que está, é como se só quem mora perto pudesse aproveitar as boas vagas.”

Gerente administrativa e de Recursos Humanos da Sing Comunicação, Daniella Relva confirma que a localização do candidato, mesmo quando não mencionada diretamente, ainda é um critério de corte em muitos processos seletivos.

‘No modelo 100% presencial, a distância ainda pesa. Muitos anúncios pedem que o candidato more na zona norte, por exemplo’

Ela reconhece avanços com o modelo híbrido e destaca iniciativas de inclusão promovidas por empresas em parceria com associações e projetos sociais que atuam em bairros periféricos.

Ainda assim, pontua que os desafios permanecem. “Muitos jovens da periferia ajudam financeiramente em casa. A bolsa de estágio nem sempre cobre o transporte. Eles acabam optando por bicos fora da área.”

Para Daniella, o estágio precisa ser repensado como parte de uma política pública mais ampla. Ela defende mais investimentos em transporte, educação e programas de incentivo à contratação.

A especialista cita como exemplo o programa “Bolsa Estágio do Ensino Médio”, que oferece uma ajuda de custo mensal para estudantes da rede pública que atuam como estagiários em órgãos estaduais. “É um começo. Mas ainda falta investimento estrutural para garantir que o lugar de moradia não defina o futuro profissional de ninguém”, aponta.

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Victória Ramos

Jornalista e correspondente da Mural. Repórter da periferia e autora do livro-reportagem "Parte de Mim". Ama ler livros e aprecia sua solitude

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