Na casa de Mônica Bitencourt, 42, a rotina foi ainda mais intensa nos últimos meses. Para dar conta de tudo, ela precisa acordar bem cedo. “Tenho que estar de pé às 4h30 da manhã para cuidar da casa, lavar roupa, fazer almoço e preparar o café dos meus filhos”, conta.
Às 7h30, depois de tudo pronto, ela sai para divulgar a campanha dela para o cargo de vereadora. Retorna às 11h para alimentar a equipe, composta por ela, a mãe, o filho mais velho e a filha pequena, que leva consigo porque não tem com quem deixar. Depois do almoço, os trabalhos recomeçam e só param no final do dia.
Mônica mora no Jardim Pantanal, extremo da zona leste da capital e decidiu este ano entrar na política. Ela é candidata pelo Cidadania ao cargo de vereadora – junto com ela, outras 32 candidatas donas de casa disputam a eleição na capital neste domingo (15), segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
No Conjunto Promorar Rio Claro, na zona norte da capital, Maria Cícera dos Santos, 53, acorda um pouco mais tarde, às 8h. Mas, o dia a dia também foi corrido. Enquanto prepara o café, responde as mensagens dos eleitores no WhatsApp. Depois do café, vai pra rua panfletar. “Só paro lá para meia-noite, uma hora da manhã”, diz ela, que saiu candidata pelo partido Avante
“Quando a dona de casa entra na política, ela já sabe que vai ter que fazer mil e uma coisas, como sempre”, conta Lenir Maria de Oliveira, 53, candidata pelo PSC. Ela mora no bairro Vila do Sol, extremo da zona sul e teve de conciliar as atividades de casa com as de campanha.
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Nazaré Batista Braga (PSB), 42, moradora do Cambuci, centro de São Paulo, lembra que, além da rotina pesada, as mulheres precisaram lidar ainda com o preconceito. “Muito mais difícil para a mulher, dona de casa, concorrer a um cargo público porque ela é mãe, já vem com aquele preconceito: ‘E seus filhos? E seu marido? O que vão dizer?'”.
PANDEMIA
Outra questão que marcou a campanha delas foi a pandemia de Covid-19. Glauce Kelly dos Santos Adão Lima, 53, por exemplo, decidiu focar a campanha, basicamente, nas mídias digitais devido ao surto do novo coronavírus. “Resolvi focar nas redes sociais por causa da doença”, conta.
Moradora do Jaçanã, zona norte da capital, ela disputa um cargo na Câmara Municipal pelo PDT e acredita que sua campanha foi prejudicada pela pandemia.
Além do receio de estar nas ruas, explica, muitas pessoas não queriam pegar os santinhos. “A gente percebe uma resistência das pessoas para pegarem o material. Porque elas também correm o risco de pegar o material de uma pessoa que está contaminada”.
Se não pegam o material das candidatas, tampouco abrem as casas para falar de política com elas. “É raro alguém nos deixar entrar para falar de política”, conta Maria Cícera.
Além disso, o receio de sair às ruas e contaminar os familiares também estavam entre os receios de tentar levar a campanha para a rua nos últimos dias.
Por outro lado, a falta de verba acabou obrigando as mulheres a se exporem ao vírus em busca de votos. “Não existe outro meio pra gente fazer campanha porque não temos dinheiro para pagar uma equipe para fazer o trabalho. Então, temos que sair nós mesmos para fazer a campanha”, desabafa Mônica.
A falta de recursos foi o problema mais citado pelas candidatas como empecilho para a produção de campanhas competitivas. Praticamente todas elas receberam alguma verba pública. Entretanto, o valor foi considerado baixo.
“Não é suficiente”, afirma Mônica sobre os R$ 2.000 recebidos. Ela conta que, se tivesse recebido mais dinheiro, teria contratado uma equipe para ajudar na divulgação.
“Quanto mais divulgação, mais votos a gente consegue”, diz Maria das Dores, que recebeu R$ 15 mil. Ela é líder comunitária do Itaim Paulista e atua em defesa dos animais. Neste ano, decidiu sair candidata pelo PV.
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De todas, a situação de Maria Cícera é a pior. Ela já tinha escolhido a equipe que trabalharia em sua campanha e aguardava apenas a liberação de verba para pagar os trabalhadores.
Entretanto, como não recebeu nenhuma verba, acabou perdendo a equipe que foi trabalhar para outros candidatos.
O atraso na liberação foi outro problema. Márcia recebeu R$ 5 mil e conta que o dinheiro só estava disponível na segunda quinzena de outubro. Sem dinheiro, ela não conseguiu contratar uma equipe para divulgar sua candidatura. “A campanha foi liberada no final de setembro. Então, ficou um mês, praticamente, perdido”, desabafa.
Para a doutora, professora de Direito da FGV Rio e Procuradora Regional da República Silvana Batini, o atraso nos repasses além de prejudicial às candidaturas pode ser também uma fraude à lei.
Ela afirma que os partidos, muitas vezes, sabotam algumas campanhas. “Seja porque ele coloca esse dinheiro só no final e não dá tempo ou seja porque ele repassa um dinheiro abaixo do devido”.
Quanto ao valor dos repasses, a procuradora explica que, apesar de o STF ter determinado que 30% dos recursos devem ir para candidaturas femininas, os partidos têm autonomia interna para decidir em quais candidatas investir.
“É preciso reconhecer que os partidos políticos precisam ter uma autonomia pra fazer a reflexão interna sobre as suas conveniências, as candidaturas que são mais viáveis e em quais vão investir, desde que respeitem a quantia mínima para candidaturas femininas”, reflete.
Para ela, é necessário que as mulheres ocupem mais espaços de poder dentro dos partidos para mudar esta situação. “Partidos políticos são espaços ainda muito masculinos, muito oligarquizados e isso, na hora da repartição dos fundos, fica muito evidente”, finaliza.
As mulheres, todavia, ainda possuem um longo caminho a percorrer para ocupar os espaços de poder. “O homem tem mais oportunidades, tem mais portas abertas. Para a mulher é mais difícil. Nós podemos estar onde quisermos, mas para chegar lá é muita luta”, finaliza Maria Cícera.