Por: Amanda Oliveira | Jacqueline Maria da Silva
Edição: Sarah Fernandes
Foto: Léu Britto
Publicado em 14.11.2025 | 16:22 | Alterado em 17.11.2025| 16:42
Tutores avaliam que atendimento para animais domésticos ainda não é uma realidade quebradas; custos são elevados e rede pública é escassa
Tempo de leitura: 6 min(s)Nas periferias, o amor pelos animais de estimação não é uma novidade. Difícil encontrar uma casa onde não viva ao menos um pet, que cada vez mais são tratados como membros da família. Recebem cuidado, carinho e enchem seu lar de carinho e alegria. Mas e quando esses companheirinhos adoecem?
Em geral, os preços dos tratamentos são elevados e pesam no bolso de quem tem que fazer malabarismo para deixar as contas da casa em dia. Na outra ponta, o atendimento veterinário público e gratuito ainda é escasso e distante das quebradas da Grande São Paulo. Um levantamento da Agência Mural revela que apenas oito dos 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo têm hospitais veterinários gratuitos.
Em 2019, a Caroline Silva Campos, 32, do Jardim Santa Bárbara em São Mateus, zona leste da capital paulista, passou apuros com seu cachorro, Bolota, urinando sangue. Ela foi parar na emergência de um hospital veterinário particular no Tatuapé, zona leste da capital paulista. “Fizemos alguns exames e foi necessário fazer a castração, que postergamos há algum tempo. ”, comenta a jovem que trabalha com prevenção de fraudes.
Hospitais veterinários possuem estrutura para procedimentos mais complexos como cirurgias e internação @Léu Britto
Hospital veterinário público da Casa Verde, zona norte de São Paullo. Um dos quatro da capital paulista @Léu Britto
São Paulo é a cidade da Grande São Paulo com mais hospitais veterinários públicos, mas nenhum em periferias @Léu Britto
"Poderíamos tratar diversas patologias que se diagnosticadas precocemente aumentam as chances de cura, como câncer”, detalha a veterinária Cintia. @Léu Britto
“O médico veterinário tem uma importância muito grande por uma questão de saúde pública. Quando ele cuida do animal doméstico, está cuidando do seu tutor e evitando a transmissão de doenças”, afirma a veterinária Cíntia Regina de Freitas @Léu Britto
Coincidentemente, no mesmo distrito da capital existe um dos quatro hospitais veterinários públicos da cidade. Os demais também ficam em regiões não periféricas: Casa Verde, zona Norte, Butantã, zona oeste, e Jurubatuba, na zona sul. “Nosso deslocamento é fácil porque temos carro, se não tivesse não sei como seria”, reforça Caroline.
Mas há cenários ainda mais críticos, como em Guarulhos, na Grande São Paulo. A prefeitura paralisou, em julho de 2025, o funcionamento de seus dois hospitais veterinários públicos. Pedimos uma nota, justificando a medida e até o fechamento da reportagem, não recebemos.
Nas redes sociais, o prefeito da cidade, Lucas Sanches (PL), justificou o fechamento a irregularidades no contrato firmado pela gestão anterior, mas não especificou quais seriam. No vídeo, ele promete novas unidades 24 horas gratuitas em breve, sem informar prazo. Apenas com a promessa, a cidade passou a integrar o grupo dos 21 municípios da Região Metropolitana sem esse tipo de equipamento público para animais domésticos.
A falta desse tipo de assistência pode ser decisiva em situações como a da estudante veterinária Thais Oliveira, 25, moradora do Cabuçu, em Guarulhos. Sua cadela Izy foi atropelada na porta de casa, em 2022. Ela conseguiu socorro com uma veterinário próximo a sua residência, mas acredita que a estrutura do local não era compatível com um serviço de urgência e emergência. “A profissional atendia em uma casa de ração e não havia nenhum suporte para exames, foram até outro local para realizá-los”, lembra.
São mais de 60 mil veterinários atuantes no estado de São Paulo, segundo o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP). Thaís e Caroline entendem a importância de um acompanhamento com esse profissional, porque temem qualquer imprevisto que afete a saúde de seus pets.
Só que elas se queixam das questões que impactam na falta de acesso a esse tipo de assistência, como a distância, transporte e valores de consultas. “Dificilmente um atendimento sai por menos de R$200,00”, acrescenta Caroline.
“São vidas que importam, parte da família, mas se o assunto é saúde e bem estar [os animais domésticos] são negligenciados. Quando adoecem, muitos acabam morrendo sem que consigam atendimento digno”, reforça Thaís
As questões sociais esbarram na falta de acesso gratuito à prevenção, diagnóstico e tratamento para animais. Os mais pobres enfrentam uma rede pública escassa e muitas vezes precisam escolher entre pagar consultas, vacinas e exames ou comprometer o orçamento familiar.
“O médico veterinário tem uma importância muito grande por uma questão de saúde pública. Quando ele cuida do animal doméstico, está cuidando do seu tutor e evitando a transmissão de doenças”, afirma a veterinária Cíntia Regina de Freitas
Com a experiência de atuar como profissional autônoma na periferia do Cabuçu, Guarulhos, a veterinária Cintia observa que muitas patologias estão relacionadas à precarização da infraestrutura urbana, como a falta de saneamento básico. Não raro, pacientes de quatro patas chegam com sarna, dermatites, leptospiros , parvovirose e cinomose, doenças virais que afetam o sistema respiratório, neurológico e gastrointestinal.
“Encontramos mais casos nas periferias do que em animais de famílias que vivem em áreas nobres da cidade. Isso porque esses tutores têm melhores condições de vida e pouco contato com situações de transmissão dessas doenças. Além disso, como a pessoa que recebe um salário mínimo, por exemplo, vai tirar o seu sustento para ajudar os pequenos?”, questiona a médica.

“Dificilmente um atendimento sai por menos de R$200,00”, reclama Caroline, aliviada com a recuperação de Bolota @Arquivo pessoal
O centro de controle de zoonoses é um dos pilares da saúde pública, de humanos e animais, de competência municipal e regulamentado pelas leis de cada cidade. O órgão público, ligado à Vigilância em Saúde, foi criado para cuidar dos aspectos preventivos da saúde animal de cada território, desde vacinação e castração dos pet até controle de epidemias.
Um levantamento da Agência Mural identificou ao menos um centro de controle de zoonoses em cada uma das 39 cidades da Grande São Paulo. No entanto, eles oferecem um cuidado primário na prevenção. Quando falamos sobre atendimentos mais complexos, como consultas, exames e cirurgias, o total de equipamentos de atendimento animal caí drasticamente.
São 21 cidades sem nenhum serviço público de saúde para animais domésticos que não seja o controle de zoonoses. Em contrapartida, Santo André, São Caetano e Ferraz de Vasconcelos são cidades mais estruturadas, com UBS ou clínica municipal, além de hospital veterinário público. Isso representaria um “embrião” de um fluxo básico para acompanhamento e atendimento de urgência e emergência.
Segundo a veterinária Cíntia esse fato evidencia lacuna na rede assistencial e a fragmentação no fluxo de atendimento, que pode sobrecarregar um serviço que não foi implantado com aquela finalidade.
“Além das zoonoses, deveria ter UBS, UPAS , clínicas e hospitais públicos para ajudar na castração de animais e no controle de doenças. Também poderíamos tratar diversas patologias que, se diagnosticadas precocemente, aumentam as chances de cura, como câncer”, detalha a especialista. “Em contrapartida, algumas que se não averiguadas ficam mais difíceis de serem tratadas, podem ser transmitidas para os tutores e ser fatais para os pequenos animais domésticos” pontua.
Carla Maria Figueiredo de Carvalho, coordenadora técnica e médica-veterinária do Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP), reconhece a necessidade de ações para bem estar de animais domésticos, sobretudo para a população mais pobre.
“O acesso destes animais ao serviço médico-veterinário assegura a saúde, promove o bem-estar, evita o abandono em vias públicas e reduz a disseminação de doenças, principalmente as de caráter zoonótico .“Além disso, estimula a posse responsável, permite que famílias de baixa renda deem assistência ao seu animal e preserva a saúde pública”, pontua Carla
Em cidades onde não há hospitais veterinários, existem outros serviços públicos de saúde @Léu Britto
Santana de Parnaíba é um dos 6 municípios da Grande São Paulo com UBS animal @Léu Britto
No entanto, são 21 cidades sem nenhum serviço público de saúde para animais domésticos que não seja o controle de zoonoses @Léu Britto
O acesso destes animais ao serviço médico-veterinário assegura a saúde, promove o bem-estar, evita o abandono em vias públicas e reduz a disseminação de doenças", pontua Carla Maria Figueiredo de Carvalho, do CRMV-SP @Léu Britto
São vidas que importam, parte da família, mas se o assunto é saúde e bem estar são negligenciados". desabafa a Tutora Thaís Oliveira @Léu Britto
A ideia de um SUS animal não é nova no estado de São Paulo. Desde 2019, tramita na Assembléia Legislativa o Projeto de Lei Estadual n° 200, que propõe a instituição do Sistema Único Animal do Estado de São Paulo (SUSASP), que teve proposições CRMV-SP. Mas Carla, representante do órgão, faz ressalvas sobre o modelo.
Para a especialista, a implementação deste sistema na saúde animal não necessariamente será feita uma analogia integral do SUS ‘humano” para o SUS “animal’. Isso porque, são necessárias estratégias para sua consolidação, com um plano alinhado às legislações já existentes. Além disso, diversos fatores precisam ser considerado, dentre eles as espécie animal a serem atendidas, análise da política pública e estrutura física e financeira para implementação e manutenção do sistema de saúde.
“Deve-se ter cuidado ao correlacionar diretamente o SUS humano para o animal, pois existem vários pontos muito complexos que precisam ser considerados como que demandam uma gestão política, financeira e de estrutura física e de recursos humanos, que devem ser levados em conta quanto a peculiaridade do contexto da medicina veterinária”.
Enquanto isso não ocorre, Thaís sonha em ter um bom atendimento para seus bichinhos. “Com uma rede de unidades básicas, consultórios e hospitais públicos, eu me sentiria muito mais tranquila sabendo que poderia ‘socorrer’ meus animais sem precisar me preocupar com os custos envolvidos. É angustiante perceber que a vida deles depende de despesas que, muitas vezes, não consigo arcar”, desabafa.
É vinculado ao Sistema Único de Saúde e geralmente fica localizado nas Unidades de Vigilância em Saúde das cidades. Esse serviço atua na prevenção e controle de zoonoses, acidentes causados por animais venenosos ou peçonhentos. Sobre castração de cães e gatos, é feita em situações excepcionais, por exemplo, campanhas, com objetivo de controlar a propagação de doenças de relevância para saúde pública.
Oferecem consulta clínica básica e procedimentos ambulatoriais e de vacinação de animais. Entende-se por procedimentos ambulatoriais intervenções de baixa complexidade, como curativos, aplicação de medicação, suturas superficiais de pele, coleta de exames, e hidratação, por exemplo. Nestes serviços não podem ser feitas cirurgias, anestesia geral ou internação
OBS: A lei trata ambulatórios como uma dependência que existe dentro de outro serviço, como comércio, centro de pesquisa, entre outros, e que atende apenas animais próprios e não de terceiros, como clientes. Durante as pesquisas nas prefeituras, a denominação ambulatório veterinário animal descreve a definição de consultórios ou clínicas.
Realizam consultas (de emergência ou não), tratamentos clínico-ambulatoriais, podendo ou não realizar cirurgia (de emergência ou não) e internação. Podem ter também laboratório clínico e de diagnóstico por imagem. Todos os serviços precisam da supervisão técnica e presença de médico- veterinário. O setor cirúrgico e de internação pode ou não estar disponível durante 24 horas por dia, mas precisa ser especificado pelo serviço.
Fazem consulta (de emergência ou não), tratamentos clínico-ambulatoriais, exames diagnósticos, cirurgias (de emergência ou não) e internações, com atendimento ao público obrigatoriamente em período integral (24 horas), sempre sob a responsabilidade técnica, supervisão e a presença permanente de médico-veterinário.
Fonte das informações: Com base em entrevista com coordenadora do CRMV-SP e conforme previsto pela Resolução 1275/2019 do Conselho Federal de Medicina Veterinária.
Jornalista, pós-graduada em comunicação e marketing e autora do livro reportagem: Liberdade Roubada- O drama de pessoas que foram presas injustamente. Causas sociais, direito de igualdade/equidade a motivaram a fazer jornalismo.
Jornalista, vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
Se você quer saber como republicar nosso conteúdo, seja ele texto, foto, arte, vídeo, áudio, no seu meio, escreva pra gente.
Envie uma mensagem para [email protected]