Por Paulo Talarico | 03.11.2020
Reportagem: Lucas Rodrigues | Artes: Magno Borges
Edição: Paulo Talarico
Publicado em 03.11.2020 | 19:05 | Alterado em 11.11.2020| 18:49
Mulheres relatam falta de recursos para disputar eleição municipal nas periferias de São Paulo. Situação se repete, mesmo com legislação que determina envio de verbas públicas. Em 2016, diferença entre recursos encaminhados variou 60 vezes no PSC
Tempo de leitura: 6 min(s)As eleições municipais deste ano registraram um número recorde de candidaturas femininas para o cargo de vereador na capital paulista. Ao todo, são 656 candidatas de acordo com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Apesar do crescimento desde as eleições municipais de 2012 e dos avanços na legislação eleitoral, as mulheres ainda enfrentam dificuldades para realizarem campanhas mais competitivas.
“Fazer campanha sem recursos financeiros e sem uma ‘fama’ no campo político é bastante desafiador”, conta a socióloga e doula Camila Aguiar, 40. Moradora da Brasilândia, zona norte de São Paulo, ela é estreante na política e disputa um cargo na Câmara Municipal pelo PCdoB.
Outro obstáculo é o tratamento desigual em relação a candidatos homens. Camila afirma que, apesar de estar em um partido com mais mulheres em cargos de liderança, precisa marcar posição para conseguir reconhecimento e reduzir as desigualdades.
“A mulher preta e periférica não alcançou esse reconhecimento no campo do debate político se comparado ao apoio oferecido aos homens, ainda que pretos e periféricos”, relata. Em sua estreia, ela deve receber R$ 10 mil para promover sua campanha.
Em Perus, na zona noroeste da capital, a funcionária pública aposentada Sandra Camillo, 57, também vai estrear nesta eleição. Ela trabalhou por vários anos como assessora e coordenadora parlamentar e sabe como funciona a política.
Apesar das desigualdades, promete lutar para ser tratada da mesma forma que os demais. “Vou sempre fazer o melhor para prevalecer a minha capacidade”.
Sandra saiu candidata pelo PSDB e, a um mês da eleição, não tinha recebido verba alguma, apenas material de campanha. Sem dinheiro para investir na divulgação nas redes sociais, ela conta com o apoio dos amigos para impulsionar as publicações.
Com 30 candidatas, o PSDB é o partido com mais mulheres na capital. Entretanto, percentualmente, o número é menor do que na eleição passada: 41% do número total de aspirantes da legenda.
O aumento da presença feminina na eleição não veio por acaso ou por vontade exclusiva das legendas. Foi necessário mudar a lei.
A Emenda Constitucional 97, sancionada em 2017, proibiu, a partir de 2020, a celebração de coligações nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.
Assim, a partir desse ano, a cota de 30% de candidaturas femininas deverá ser cumprida pelos partidos individualmente e não mais pelas coligações.
Um dos principais impactos dessa mudança na legislação é o fomento à participação feminina na política. Entretanto, como observa a pesquisadora Hannah Maruci, mestra em Ciência Política pela USP (Universidade de São Paulo) e integrante do GEPÔ (Grupo de Estudos de Gênero e Política), o mínimo acabou virando o número máximo.
“Sempre que falamos em incentivo à participação política de mulheres pelos partidos, vemos o movimento do mínimo transformado em teto. Ao invés de podermos focar no aumento, ir além dos 30%, precisamos gastar tempo e energia para garantir que o mínimo seja cumprido”, avalia.
Neste ano, o número de candidaturas femininas teve um pequeno crescimento em relação às eleições municipais de 2016. Apesar do aumento, o número ainda é bem próximo da cota mínima.
A ativista Nadir Sampaio, 55, disputará a eleição pela quarta vez neste ano. Desde 2012 ela tenta um cargo na Câmara Municipal paulistana. “Um dos primeiros obstáculos é o fato da política ser dominada por homens. Outro é não ter recursos e o terceiro é falta de visibilidade no horário político”, conta.
Filiada ao PT desde 2010, ela conta que não tem o apoio do partido em suas campanhas. As eleições de 2018, explica, são um exemplo. “Eles me deram apenas R$ 5.000. Você imagina uma cidade como São Paulo, né? Eu acabei não saindo da capital”, relata ela, que disputou o cargo de deputada estadual.
De acordo com dados disponíveis no site do TSE, a campanha de Nadir teve um custo de aproximadamente R$ 7.000 reais nas eleições de 2018.
Para a candidata, a diferença entre homens e mulheres existe em todos os partidos e beneficia apenas determinados grupos. “Tem alguns grupos que são privilegiados”.
Em 2016, o PSC (Partido Social Cristão) tinha oito candidatos a vereador na capital. Desses, apenas uma era mulher: Patrícia Regina Alonso.
Única representante feminina do PSC naquele ano, ela recebeu cerca de R$ 7.000 do partido e terminou a eleição como suplente. Gilberto Nascimento Silva Júnior, seu colega de legenda, recebeu R$ 480 mil para a campanha, enquanto para Amauri da Silva foram R$ 60 mil. Ambos conseguiram uma cadeira na Câmara.
No PSB, também em 2016, a candidata Patrícia Ferreira teve gastos de aproximadamente R$ 280 com a campanha e também não venceu a disputa. Masataka Ota, seu colega de partido, recebeu R$ 100 mil e ganhou a eleição.
Patrícia afirma que, assim como ela, outros candidatos, inclusive masculinos, também não receberam apoio. Ela aponta que o problema está relacionado às lideranças partidárias que investem nas candidaturas com mais chances de eleição. “Eles — os que são cotados para serem eleitos — recebem todo o apoio financeiro, moral e midiático”, conta.
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A falta de recursos financeiros é um dos principais problemas enfrentados por muitas candidatas para tornarem suas campanhas mais competitivas.
Um julgamento em 2018 no STF (Supremo Tribunal Federal) buscou resolver o problema. Em março daquele ano, a Corte estabeleceu que os partidos deveriam investir 30% do fundo partidário em candidaturas femininas.
Apesar da norma, que passou a valer já nas eleições daquele ano, o problema continuou. Isso porque a decisão do tribunal não estabeleceu uma divisão proporcional dos recursos entre as candidatas femininas.
Assim, apesar de serem obrigados a investirem 30% dos recursos em candidaturas femininas, os partidos acabam direcionando os recursos para aquelas que têm mais chances de vencer.
Além disso, um outro problema ganhou força: as chamadas candidaturas-laranja. O termo é usado para definir aqueles que assumem uma função ou responsabilidade no papel, mas não a exercem na prática.
Ou seja, os partidos registram uma candidata, mas que não tem a intenção de concorrer de fato. Assim, as candidaturas-laranja podem ser usadas tanto para cumprir as cotas mínimas quanto para desviarem recursos públicos — quando recebem uma verba maior, mas não fazem campanha e têm poucos votos.
Para Hannah Maruci, a preferência por alguns candidatos, geralmente homens, está relacionada a problemas estruturais. Essas escolhas reproduzem os mesmos padrões em que quem está no poder recebe o maior apoio para continuar no comando.
“A ‘racionalidade partidária’ considera que um candidato que já foi eleito tem maiores chances de se reeleger e, assim, opta por investir nessas candidaturas que são consideradas mais ‘garantidas’ e reproduzem o estado desigual das coisas”, explica.
Para a especialista, os partidos não têm interesse em incentivar a participação das mulheres na política. Neste sentido, a cota mínima de 30% das vagas é um avanço, mas, sozinha, não resolverá o problema. “Não basta simplesmente preencher 30% das candidaturas com mulheres, é preciso investir, formar, construir a candidata”.
Nadir relata que não recebeu apoio institucional do partido, tampouco passou por um programa de preparação. “Estou fazendo a minha campanha praticamente sozinha desde 2012”.
Segundo Hannah, para cumprir as cotas de gênero, muitas vezes, os partidos convencem mulheres a se candidatarem e, depois de formada a chapa, não dão qualquer suporte, financiamento ou orientação a essas candidatas. “Elas ficam completamente à deriva”.
Foi a falta de apoio a candidaturas femininas que levou Hannah a criar, juntamente com outras pesquisadoras, o projeto ‘Tenda das Candidatas’. A iniciativa oferece formação política para mulheres por meio de videoaulas e selecionou dez candidatas de diversas regiões do Brasil.
Camila Aguiar faz parte do projeto e afirma que a iniciativa a ajudou muito. Ela usou o que aprendeu na formação para lutar por mais recursos para a campanha.
Apesar de a lei determinar os repasses para as candidaturas femininas, ela lembra que a divisão só acontece mediante critérios definidos pelos diretórios dos partidos. “É preciso demonstrar que sabemos os critérios da legislação”, afirma. “É preciso que tanto os partidos como a sociedade civil passem a normalizar nossa presença nestes espaços”, finaliza.
A Agência Mural procurou os diretórios municipais do PT, PSDB, PSB, PSC e PCdoB, todos citados na reportagem, mas apenas a legenda petista se manifestou.
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Mulheres do PT afirma que o partido “está oferecendo suporte jurídico, contábil e de comunicação, inclusive material gráfico e de redes para todas as candidaturas que solicitaram”.
Questionada se o partido privilegia algumas candidaturas em detrimento de outras, a secretaria diz que trata-se de ‘tática partidária’, que é definida pela direção.
“Em uma chapa com 75 nomes há diferença na organização, estruturação e capacidade de mobilização das candidaturas. A formação da nossa chapa não começou na véspera das eleições, mas desde que o pleito de 2016 foi encerrado. Assim, de lá pra cá, cada candidatura acumulou força e capilaridade para estar melhor posicionada”, justifica.
Por fim, atendendo a “legislação eleitoral e os critérios estabelecidos pelo Diretório Nacional” o partido afirma que fez a distribuição de recursos para as candidaturas na “proporção de mulheres e homens na chapa”.
Entretanto, questionado sobre o valor a ser destinado para as candidaturas, a legenda não soube dizer sequer a previsão de recursos. “As discussões de arrecadação e investimento em campanhas ainda não foram finalizadas e só será possível um balanço mais acertado na prestação de contas final”.
* Esse conteúdo foi produzido com apoio do programa de bolsas de reportagem da Énois Laboratório de Jornalismo.
Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.
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