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Agência de Jornalismo das periferias

Por Jessica Bernardo | 12.11.2020

Reportagem: Lucas Veloso

Edição: Paulo Talarico

Publicado em 12.11.2020 | 19:39 | Alterado em 24.11.2021| 11:12

RESUMO

Candidatos das periferias disputam eleição com a expectativa de aumentar a diversidade nas Câmaras dos Vereadores. No entanto, disputa tem sido marcada por agressões e ameaças

Tempo de leitura: 7 min(s)
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Em 2012, a cidade de Carapicuíba, na Grande Grande São Paulo, elegeu Andréia Verão (PHS) para Câmara. Travesti, ela trabalhava como gari na cidade e foi a terceira mais votada no município. No entanto, a atuação dela foi marcada pelo preconceito.

Além de ser chamada de ‘senhor’ pelos colegas, em uma sessão da Câmara, um vereador exigiu que ela lesse um requerimento na íntegra – o que não é feito por nenhum parlamentar.

“Se aproveitaram da figura emblemática que era super conhecida na cidade por trabalhar no caminhão da coleta, vendo que ela tinha pouca instrução, a usaram apenas como puxadora de votos”, avalia Vanderlei Fernandes, 33, candidato na disputa deste ano. Andréia renunciaria ao mandato pouco tempo depois.

O caso é apenas um dos exemplos das dificuldades que candidaturas LGBTQIA+ enfrentam para chegar ao legislativo e, depois, para permanecer.

Nesta eleição, Vanderlei busca levar mais diversidade ao legislativo carapicuibano assim como vários candidatos pelas periferias da Grande São Paulo e do Brasil.

De acordo com pesquisa da Aliança Nacional LGBTI+, as eleições municipais deste ano contam com, ao menos, 336 candidaturas de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e demais identidades não hegemônicas.

Do total de candidaturas, 56% são de gays, 12.2% de lésbicas, 12.2% de mulheres trans, 5.1% de bissexuais masculinos, e o restante das demais identidades de gênero e orientações sexuais.

No Brasil, o partido com mais candidaturas é o PDT, com 21.2%, seguido pelo PSOL com 12.8%, PT com 11.9% PCdoB com 9.9%, PSB com 9.3%, Rede com 5.8%, PSDB com 5.1%, PV com 3.8%, Cidadania com 3.5%, DEM com 2.9%, Solidariedade com 2.6%, PTB com 2.2%, MDB e PSD com 1.9%, PMB com 1.3%, PL, Podemos e PP com 1% cada e Pros, Patriota e PMN com 0,3% cada.

A Agência Mural conversou com alguns candidatos. Em comum, a dificuldade de disputar uma eleição sob preconceitos e, muitas vezes, sob ataques e ameaças, além da resistência do debate sobre pautas no legislativo.

DIVERSIDADE RIQUÍSSIMA

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Vanderlei disputa a eleição em Carapicuíba, na Grande SP @Divulgação

Nascido no Jardim Nova Carapicuíba, Vanderlei também viveu no Parque Flórida, no Jardim Ana Estela e em um barraco de madeira na favela do Murão, onde seus pais foram morar depois que não conseguiram pagar uma dívida. Além da causa LGBTQIA+, ele cita que outros motivos o levaram a buscar uma vaga na Câmara.

“Desde que perdi minha casa numa enchente em 2007, percebi que eu tinha que lutar por alguma causa, mas não tinha qualquer entendimento ou pretenção política”, resume.

Então ele começou a militar em causas sociais por direito a moradia e por tarifa zero no transporte público. Em 2014, foi convidado a ser candidato a deputado estadual. Com 1.384 votos não foi eleito, mas seguiu com atuação política. Nas eleições de 2016. também tentou a prefeitura, mas sem sucesso. Para ele, o motivo foi a ausência de uma estrutura financeira partidária para alcançar a população.

“A diversidade riquíssima que temos em nosso país precisa se fazer representada em todas as esferas e com certeza dentro dos espaços de poder, com participação efetiva nas decisões que impactam diretamente na vida da população”, defende.

Nas eleições anteriores, sentiu um preconceito maior, vindo de grupos da própria comunidade gay, pelo fato de ter estado no partido da ex-senadora Marina Silva, alinhada com a comunidade evangélica.

Neste ano, como candidato do PROS (Partido Republicano da Ordem Social), afirma que diretamente não sofreu ataques homofóbicos, mas percebeu pessoas que deixaram de apoiá-lo por conta da orientação sexual. “Acho uma pena, porque perdem a oportunidade de conhecer os projetos inovadores que venho apresentando ao longo do tempo”.

Para ele, é importante que a defesa das políticas públicas atinjam toda a população, apesar das diferenças de identidade. “Para além da nossa pauta, precisamos demonstrar ao eleitor a capacidade de pensar o modelo econômico de desenvolvimento, apresentar projetos que garantam o direitos de todos”, resume.

ATAQUES TRANSFÓBICOS

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Carolina Iara relata preconceito durante campanha @Divulgação

A assistente de políticas públicas Carolina Iara Ramos de Oliveira, 27, está na disputa das eleições municipais deste ano em São Paulo. Moradora de Itaquera, na zona leste da cidade, a candidata também é uma pessoa intersexo.

O termo usado para descrever dezenas de condições em que bebês nascem com genitália ou órgãos reprodutores que não se encaixam inteiramente na definição típica de masculino ou feminino. No caso de Carolina, ela nasceu com os dois.

A candidata se aproximou da política partidária entre 2015 e 2019, quando se aproximou do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade). Por ali, se envolveu num grupo em que teve formação socialista e começou a assumir tarefas militantes, além de entender também a estrutura político-partidária.

Anos depois, nas eleições deste ano, ela é uma cocandidata a vereadora pela Bancada Feminista do partido. A chapa é formada pela advogada criminalista Paula Nunes, pela professora de história da rede municipal Silvia Ferraro, a militante Dafne Sena e a tradutora Natália Chaves.

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Carolina Iara disputa a Câmara dentro de uma candidatura coletiva @Divulgação

É a primeira vez que Carolina concorre a um cargo público. Apesar de não ter experiência como candidata, ela relata algo que já conhece bem: o preconceito das pessoas. “A principal dificuldade tem sido os ataques transfóbicos que recebo. Tenho de destacar o ataque que tivemos numa live (transmissão ao vivo na rede social), em que muitos homens xingavam e faziam ameaças”, cita.

Para tentar driblar, ela diz que a companhia de outras mulheres, inclusive a eleitoral, ajuda a enfrentar o desafios da campanha. O objetivo da candidata é ocupar uma cadeira na Câmara dos Vereadores, espaço onde falta diversidade, segundo as informações do próprio órgão.

“Acredito que é importante à cidade de São Paulo ter a primeira pessoa intersexo a ocupar um cargo legislativo no país. Isso nunca ocorreu”, pontua a candidata.

Para ela, ter vereadores ligados a programas políticos voltados para pautas populares, com foco nos negros, indígenas e LGBTQIA+ contribui para que outras políticas públicas sejam pensadas para quem não acessa todos os direitos básicos.

‘ME SENTI SUBREPRESENTADA’

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Patricia Zanella disputa primeira eleição para Câmara Municipal @Divulgação

Com 24 anos, Patricia Silva Zanella, é uma das candidatas da Rede Sustentabilidade a uma cadeira na Câmara dos Vereadores. Negra, bissexual e moradora da Vila Rosa, na periferia da zona norte, ela diz que a falta de diversidade motivou a candidatura.

“Decidi me tornar candidata quando eu vi que não tinham candidatos jovens e mulheres. Me senti subrepresentada e não encontrava alguém que fizesse sentido aderir à campanha. Pensei que poderia ser eu a voz em defesa das pessoas”, afirma.

A pauta da diversidade tem sido pautada pelos candidatos nestas eleições. Os números confirmam a preocupação. Mulheres negras, como Patricia, só ocuparam a cadeira por duas vezes desde 1560, quando a Casa foi fundada. A primeira foi Theodosina Rosário Ribeiro (MDB), que entrou em 1969 e ficou até 1971. A segunda foi Claudete Alves da Silva Souza (PT), vereadora entre 2003 e 2008.

Para a candidata, quando o assunto é diversidade, a cidade de São Paulo só apresenta tristes cenários para a comunidade LGBTQIA+. “Dos nossos vereadores, a maioria é milionária e branca. A diversidade é bem baixa quando vamos olhar para pessoas fora do ‘perfil padrão’”, relata.

Patricia diz que a população precisa eleger e dar condições para que pessoas LGBTQIA+ ocupem espaços de poder, como o de um parlamentar.

Formada em relações internacionais e com mestrado em direito, a candidata se diz comprometida com pautas ambientais, um dos diferenciais do partido, como a defesa dos animais e da natureza. Isso ajudaria a evitar casos de violência em um país onde é perigoso ser LGBTQIA+.

MORTES

Segundo a pesquisa ‘Assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019’, produzida pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), em parceria com o IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação), o estado de São Paulo soma o maior índice de mortes motivadas por transfobia no país.

No estado de São Paulo foram 21 assassinatos, o Ceará vem na 2ª posição com 19 casos, Bahia e Minas Gerais em 3º e 4º, respectivamente, com 17 assassinatos cada e em 5º vemos Rio de Janeiro com 9 casos. Em 2019, 124 pessoas transexuais foram assassinadas no país.

‘OCUPAR SEU ESPAÇO’

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Eduardo Campos é candidato na Vila Ré @Divulgação

O professor universitário Eduardo Campos, 46, também está na disputa eleitoral neste ano. Morador da Vila Ré, na zona leste de São Paulo, ele diz que o cenário político do país o levou à disputa.

Gay socialmente assumido desde os 18 anos de idade, Eduardo afirma que, entre os maiores desafios na campanha, está a percepção de que a comunidade não apoia os pares, além das tradições sociais que, segundo ele, “rejeita a maioria dos projetos prioritários apresentados por candidatos LGBTQIA+”.

Eduardo também cita insultos como ser chamado de ‘bichona’ ou ‘boneca’ na tentativa de ofendê-lo. “A Câmara de vereadores de São Paulo não representa a diversidade. Nenhuma diversidade. Com raras exceções, o que temos são políticos que representam pensamentos elitistas e desumanizados”.

Geralmente, pede que a população use o voto para colocar na câmara vereadores com ‘história de luta’. “Pessoas do povo, de gente como a gente. A periferia precisa ocupar seu espaço no poder institucional. Sou um dos poucos candidatos a trazer uma pauta indígena”, completa.

VOTO COM ORGULHO

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Toni Reis faz parte da Associação Nacional LGBTI e sofreu ameaças @Divulgação

A opinião de Vanderlei concorda com a do presidente organização Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, 56. Ele diz que os candidatos da comunidade devem se centrar em propostas que atinjam toda a população, em temas como educação e saúde. “É importante diversidade de ideologia no campo político”.

Neste ano, a Aliança lançou um selo com o objetivo de visibilizar as candidaturas LGBTQIA+ e o enfrentamento da discriminação contra a comunidade nas cidades brasileiras. “Nossa estratégia é atuar para ampliar a visibilidade política de LGBTQIA+ e de nossa agenda”, disse o presidente.

A plataforma ‘Voto com Orgulho’ também foi criada para mostrar biografias e informações de candidaturas no país.

Toni diz que no país, a comunidade LGBTQIA+ não está presente nos parlamentos brasileiros, independentemente da esfera de poder. Segundo o presidente, a maior dificuldade é que há pouca representação dentro dos próprios partidos entre aqueles que fazem parte do grupo de decisões das legendas.

Dentre os 33 partidos cadastrados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Toni só lembra de quatro em que há, ao menos, um membro LGBTQIA+. Cita PT, PDT, PSD e Cidadania.

Durante a produção desta reportagem, a equipe da Agência Mural teve dificuldades para encontrar nomes de candidatos fora do espectro político da esquerda. Para Toni, isso confirma que a maioria dos candidatos encontra espaço nos partidos progressistas, mas diz que é importante a diversidade de ideologias também.

“Temos 80% das nossas candidaturas na esquerda, pela própria tradição de abraçar a causa, mas também temos nomes na direita e entre os liberais, como PSL, PSC e PRB”, exemplifica. “Considero importante candidatura em todo panorama ideológico, porque a comunidade não é só econômica. Queremos cidadania, que inclui todas as classes, além das pessoas que não votam na esquerda”.

Toni também diz que os candidatos LGBTQIA+ vêm sofrendo ataques na campanha eleitoral. Com base em fundamentos religiosos e nazistas, pessoas atacaram candidatos em vários estados, como Ceará, Paraná, inclusive São Paulo.

O próprio Toni recebeu ameaças de morte em seu celular, apesar de não ter se candidatado. Para evitar danos maiores, enviou, no mês passado, um ofício ao Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos com solicitação de inclusão no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas.

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Jessica Bernardo

Jornalista, cria de uma família de cearenses. Apaixonada por São Paulo, bolos e banhos de mar. Correspondente do Grajaú desde 2017.

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