Gabriela Vasques/Agência Mural
Por: Gabriela Vasques
Edição: Paulo Talarico
Publicado em 23.09.2024 | 11:57 | Alterado em 24.09.2024| 19:21
Déficit habitacional em São Paulo é de 369 mil, conheça as reivindicações de moradores de ocupações e quais as propostas dos candidatos a prefeitura da cidade para diminuir esse número
Tempo de leitura: 6 min(s)Desde 2021, Luiza Gabriela Vieira de Souza, 23, mora com o marido e o filho na ocupação Jorge Hereda, na zona leste de São Paulo. Eles ficaram desempregados na pandemia de Covid-19 e por isso não tinham onde morar. “O único recurso que a gente tinha era a ocupação, se não a gente ia ter que morar na rua”, conta Luiza, mãe de um menino de dois anos e está grávida de seis meses.
O início da vida ali foi difícil pela falta de água e de luz, mas hoje ela se sente confortável e afirma estar em uma grande família junto aos outros moradores. Uma das dificuldades para ela, é que ainda precisa usar o endereço antigo para acessar o posto de saúde e precisa andar até lá.
“Tenho medo porque a gente não tem pra onde ir, e não é só eu, é todo mundo”, relata a Luiza sobre o medo de ser despejada.
Ela acredita que junto com os outros moradores podem sim conseguir mudanças, inclusive, por meio do voto que darão nos próximos dias nas eleições 2024.
“A gente gostaria de ajuda na verdade, né? Não tem como a gente melhorar sem o governo, se a gente não tiver a terra ganha”, afirma a jovem.
Luiza é um dos exemplos de jovens crescidos nas periferias de São Paulo e que se encontram com dificuldades para garantir a moradia. O déficit habitacional da capital atualmente é de 369 mil moradias, que vai desde pessoas que se cadastraram para buscar uma casa própria até quem hoje vive em alguma das 371 ocupações da cidade, segundo monitoramento atual da Secretaria Municipal de Habitação. Nelas, vivem 63 mil famílias.
Nesta reportagem sobre as juventudes e a política, a Mural mostra o que jovens esperam quanto ao direito da moradia.
Quando se fala na falta de moradias, não é apenas a construção de uma casa ou apartamento novo. A coordenadora do programa de cidades e desenvolvimento urbano da fundação Tide Setubal, Fabiana Tock, explica que uma moradia digna depende do acesso a diversos serviços próximos de casa.
“A infraestrutura urbana tem influenciado, e ela pode melhorar a qualidade de vida dos moradores das periferias e a gente sabe que tem um déficit enorme de infraestrutura urbana nas periferias”, afirma Fabiana.
“A gente precisa pensar no imóvel, junto com o entorno dele, com as pessoas que vivem naquela região, por essas pessoas também vão construir a ocupação”.
O QUE É O DEFICIT
O número do déficit habitacional é de 369 mil na cidade de São Paulo e engloba moradias novas, reabilitadas ou que necessitam ser viabilizadas. Isso significa que além da necessidade de casas novas, o déficit habitacional também conta habitações que estão precárias e precisam ser reformadas.
Segundo Fabiana, mesmo que um cidadão tenha uma casa, se a mesma estiver com alguma falta de infraestrutura significativa ou esteja em um local inapropriado para viver também é calculado dentro do déficit habitacional.
Existem duas formas de olhar para o déficit habitacional, uma delas é o déficit quantitativo, que é por novas unidades habitacionais; e o déficit qualitativo que é por casas que podem ser reformas. “Você não precisa ter uma nova unidade para aquela família, ela pode ser adaptada”, afirma.
Para Fabiana, a cidade de São Paulo tem um cenário favorável em dinheiro público para diminuir o número do déficit habitacional. “Hoje, a gente tem uma condição muito mais favorável do que há muitos anos e em muitas outras prefeituras, mas esse não é cenário brasileiro, normalmente as prefeituras são deficitárias”.
No entanto, o tema tem ficado em segundo plano nas eleições deste ano, em meio a troca de ataques entre os candidatos a prefeito. [Veja abaixo quais propostas foram apresentadas].
Também morador da ocupação Jorge Hereda, Marcelo Lima Felix, 24, diz não acreditar que os governos estejam olhando para a questão habitacional na cidade. “Falam que vai mudar, mas não mudam, ninguém faz nada”, afirma Marcelo, que está desempregado e sempre morou em comunidades na cidade de São Paulo.
A coordenadora explica que em alguns casos, os programas habitacionais que existem hoje podem deixar de atender as pessoas, em estado mais vulnerável, que estão sem moradia.
“Posso ter produzido uma unidade habitacional, e muitas vezes isso acontece, para o estudante da FAAP (faculdade de elite na cidade de São Paulo) que ganha R$ 3.000, mas é um estudante da FAAP e tem todo apoio”.
Assim ela questiona quem os programas habitacionais estão atendendo. “É um pouco essa problematização que a gente precisa fazer, porque quanto de recurso a gente está investindo, nesses programas de habitação de interesse social e para quem ele realmente está indo”, afirmou Fabiana.
HIS 1, destinado a famílias com renda familiar mensal média de no máximo 3 salários mínimos, equivalente a R$ 4.236,00
HIS 2, destinado a famílias com renda familiar mensal média de no máximo 6 salários mínimos, que são R$ 8.472,00
A renda familiar é composta com os ganhos de todos os membros da família e há dificuldade em identificar quem são os beneficiados com as atuais políticas, bem como onde estão sendo implantadas essas unidades. “A gente não consegue hoje na cidade saber quantas unidades foram produzidas em um ou em outro HIS, e a gente não consegue monitorar de fato para quem foi vendido”, diz.
Priscila dos Santos, 34, já viveu em muitos lugares na cidade de São Paulo desde que chegou em 2012, quando ainda tinha 22 anos. Ela veio de Rondônia, após a morte da mãe, viver com a família em uma favela em Osasco, na Grande São Paulo. Chegou com apenas R$ 200 no bolso.
Como o objetivo era estudar, foi morar irregularmente no Conjunto Residencial da USP, conhecido como CRUSP, onde estudou para o vestibular e teve o primeiro contato com a luta por moradia. Depois, viveu no ABC, onde também se formou em Planejamento Territorial.
Priscila se mudou diversas vezes, morou em um cortiço no bairro da Mooca, na zona leste, onde sofreu com alagamentos, se mudou para uma vila próxima à favela do Tamanduateí, na zona sul, em seguida foi morar no bairro da Saúde (zona sul) e hoje está no Glicério (centro).
Com essa vivência e também a partir da criação de consciência de que há mais pessoas vivendo em situações piores, Priscila passou a fazer parte do MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas).
Além da moradia, o movimento pensa em toda a estrutura dos bairros. “A gente fala de acesso aos equipamentos perto de casa, poder usar outros tipos de transporte, você ter acesso a saúde no seu bairro, a lazer no seu bairro.”
A ativista também aponta dificuldades que o MLB tem em conseguir apoio do governo para as famílias que estão dentro de ocupações.
‘No Minha Casa, Minha Vida Entidades, que é para essas famílias de ocupações, o dinheiro é mínimo. Quando é por meio da iniciativa privada, o indivíduo que vai pagar e se endividar’
Priscila do Santos, integrante do MLB
O “Minha Casa, Minha Vida Entidades” concede financiamento subsidiado a famílias organizadas por meio de entidades privadas sem fins lucrativos, como o MLB, e a ideia é que atinja famílias com renda bruta familiar mensal de até R$ 2.640,00. Priscila afirma que os programas têm mais investimento quando destinados à iniciativa privada.
Fios e caixa d_água improvisada na ocupação @Gabriela Vasques/Agência Mural
Madeiras utilizadas para construção de casas @Gabriela Vasques/Agência Mural
Moradores relatam que caminhões descartam lixo dentro do terreno @Gabriela Vasques/Agência Mural
Menino empinando pipa na ocupação na zona leste da capital @Gabriela Vasques/Agência Mural
O MLB existe há 25 anos e nasceu em Pernambuco. Hoje está presente em diversos lugares do Brasil, com tamanhos diferentes em cada estado, com força maior no Nordeste e em Minas Gerais.
Na capital paulista contam com duas ocupações e outras três na Grande São Paulo. Priscila conta que em duas ocupações, uma em Diadema e outra em Mauá, conseguiram recentemente casas para as famílias.
“Se você esperar, vai arquivar, vai vir outro problema, então a gente tá sempre ali. Passou a data, a gente marcou uma data e não veio, a gente vai para frente da prefeitura. E é assim que a gente vai fazendo luta, porque a gente sabe que é na luta que se constrói”, ressalta.
A ocupação Jorge Hereda fica no Parque Savoy City, bairro que pertence ao distrito de Cidade Líder, na zona leste de São Paulo. A ocupação foi formada em 2021 e abriga hoje cerca de mil famílias, dentre as quais algumas formadas por imigrantes da Bolívia, Haiti e Venezuela.
O espaço está em processo de regularização, mas a Savoy Construtora e Imobiliária reivindica a propriedade do terreno, que estava sem uso há pelo menos 20 anos e inclusive servindo como local para a criminalidade no bairro, o que foi destacado pelos moradores. Procurada, a Savoy não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O coordenador José Luiz de Souza, 58, conta que a maioria das pessoas que chegam pedindo moradia são mulheres.
É o caso de Eliana Teixeira da Silva, 38, moradora da ocupação. Ela lembra de como eles trouxeram vida para a região. “Espero que a lei seja seguida porque é uma terra, que em vinte anos serviu de cemitério clandestino, desmanche do carro e as pessoas não podiam ter segurança de passar pela redondeza. Acho que tem que servir como moradia”.
Eliana tem dois filhos. Uma delas é a adolescente Taila Teixeira, 17, estudante do ensino médio. Taila é uma pessoa com deficiência visual e a mãe teve dificuldade de matriculá-la na escola pela falta de um endereço formal. Hoje, depois de muita luta, ela conseguiu que Taila frequente a escola.
A jovem de 17 anos espera que haja mudanças no bairro após as eleições. “Espero que realmente que surja uma melhoria, para todo mundo aqui, para todas as famílias”.
A Agência Mural reuniu as principais propostas de cada candidato à prefeitura de São Paulo sobre o tema da habitação.
Altino tem diversas propostas para habitação, entre elas:
O apresentador Datena trouxe três pontos para a habitação em São Paulo: Levar moradias e empregos mais perto de onde as pessoas precisam, serão os “Territórios do Emprego”; Aumentar a construção de unidades habitacionais de interesse social; E atenção a favelas com urbanização e regularização fundiária, e apoio à reforma de habitações precárias existentes.
O deputado federal Guilherme Boulos traz quatro pontos em seu plano de governo para a habitação:
João Pimenta mostra algumas ideias e propostas no seu plano de governo:
Marina Helena apresenta duas propostas para a habitação:
Pablo trouxe alguns pontos no seu programa ligado à moradia:
O atual prefeito Ricardo Nunes, que concorre à reeleição, tem cinco propostas para a habitação:
O candidato Ricardo Senese traz algumas propostas:
A deputada federal Tabata Amaral fez algumas propostas para moradia em seu plano de governo:
Jornalista formada pela PUC-SP e assistente de produção na TV Cultura. Interessada por diferentes formas de fazer jornalismo, como, jornalismo em quadrinhos. Ama fotografia e gosta de conhecer diferentes pontos da cidade. Correspondente do Parque do Carmo desde 2022.
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