Por: Artur Ferreira | Jacqueline Maria da Silva
Edição: Vagner de Alencar
Arte: Magno Borges
Publicado em 10.06.2025 | 17:57 | Alterado em 11.06.2025| 11:59
Comuns e de tratamento exclusivamente cirúrgico, as hérnias afetam principalmente a população de baixa renda, que enfrenta demora no SUS e falta de informação.
Tempo de leitura: 4 min(s)Em um dia você segue a rotina normalmente, no outro, nota uma protuberância estranha no abdômen. Pode ser hérnia da parede abdominal — condição mais comum do que se imagina.
Segundo a Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal, 25% da população brasileira será acometida por algum tipo da doença. Só em 2024, ela foi responsável por cerca de 3% dos afastamentos temporários no país, conforme dados da Previdência Social.
Nas periferias, o impacto é ainda mais profundo, como mostra a história da jornalista Rafaela Monteiro, 25. Moradora do Jardim da Conquista, no extremo leste de São Paulo, ela descobriu a hérnia aos três anos.
“Como não tínhamos condições de pagar pela cirurgia, minha mãe ficou uma madrugada na fila do Hospital da Criança, na Mooca, para conseguir passar no médico. Foram meses até conseguirmos a cirurgia”, relata.
O QUE É
A hérnia abdominal ocorre quando um órgão se desloca por um orifício na parede da barriga, deformando o abdômen. Também pode ser chamada de hérnia do aparelho digestivo ou hérnia gastrointestinal.
Na zona sul da capital, Iracema Campolongo, 55, de Parelheiros, viveu uma peregrinação após desenvolver uma hérnia incisional após cirurgia para retirada de mioma, em 2022. “Um mês depois da operação, comecei a sentir minha barriga inchar. Fui ao hospital e descobri que era hérnia”, lembra.
Ela passou por hospitais em São Paulo e em Itapecerica da Serra, sem conseguir tratamento adequado, após crises de dor, sangramento, feridas abertas e inflamação.
“Minha barriga caiu sobre a coxa. Não conseguia ir ao mercado ou fazer docinhos que ajudavam a pagar a faculdade da minha filha. Tive depressão”
Diante da falta de perspectiva, usou economias para consultar um especialista, que a operou por meio de uma ação social em 2023. “Eu não teria conseguido sozinha”, diz.
O medo de se endividar também é o que trava a busca por tratamento de Elias Jacinto de Oliveira, 54, agente funerário do Cabuçu, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Após arcar com a histerectomia da esposa na rede privada, ele adiou o próprio cuidado com a hérnia umbilical, diagnosticada em 2016.
Em maio, tentou marcar consulta com médico da família na UBS da região, mas sem sucesso. “Me mandam usar o aplicativo, mas ele não funciona. Volto lá e me dizem para esperar.”
“Há 15 anos realizamos mutirões de cirurgias, mas são ações pontuais e não resolvem tudo”, afirma Gustavo Soares, presidente da Sociedade Brasileira de Hérnia e Parede Abdominal (SBH). Segundo ele, há de fato demora na rede pública.
Paulo Henrique Fogaça de Barros, cirurgião do aparelho digestivo, explica que o problema está na baixa prioridade do procedimento.
“Pacientes com hérnia concorrem com vagas de quem tem câncer, o que dificulta o tratamento, porque ele não é ‘visto’. Só que os afastamentos por conta da doença são bem altos”
Segundo a Previdência Social, em 2024, foram concedidos mais de 103 mil benefícios por incapacidade temporária por hérnias no Brasil, quase 3% do total.
Embora a hérnia abdominal atinja pessoas de todas as classes sociais, especialistas afirmam que os mais pobres são os mais prejudicados, justamente por dependerem exclusivamente do SUS para a cirurgia. “Por ser um defeito anatômico, ele é eminentemente cirúrgico. Não há outra forma de tratamento”, afirma o cirurgião Paulo Barros.
A reportagem solicitou informações sobre a fila de espera para cirurgias de hérnia às três esferas de governo.
A Secretaria Estadual da Saúde informou que o processo é descentralizado — cada unidade básica de saúde é responsável por gerir a fila dos pacientes que atende.
A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo não forneceu dados. O Ministério da Saúde não respondeu até a publicação desta reportagem.
O QUE É A HÉRNIA ABDOMINAL?
É o deslocamento de parte de um órgão por um orifício na parede da barriga, alterando o formato do abdome.
QUAIS SÃO OS TIPOS?
Podem ser:
Epigástrica (acima do umbigo)
Umbilical (no umbigo)
Inguinal (na virilha)
Dividem-se em primárias (genéticas) e secundárias (por trauma ou cirurgia).
CAUSAS
A principal causa é genética, com fraqueza nos tendões da parede abdominal. Fatores como obesidade, idade, tabagismo e sobrecarga podem acelerar o aparecimento. Já as secundárias surgem por acidentes ou cirurgias, como cesáreas ou bariátricas.
QUANDO DEVO FICAR ATENTO E COMO PREVENIR?
Observar mudanças na barriga, como caroços ao se movimentar. A prevenção envolve atenção aos sinais e diagnóstico precoce.
POSSO MORRER POR HÉRNIA?
É raro, mas possível em casos de estrangulamento ou necrose do órgão afetado. Por isso, o acompanhamento médico e exames regulares são fundamentais.
Especialistas ressaltam que o melhor caminho para evitar complicações é o diagnóstico precoce. Fatores genéticos estão entre os principais causadores, o que torna essencial estar atento a sinais como dor ou inchaço no abdômen e virilha, além de manter uma rotina de exames e consultas médicas.
No entanto, para quem vive nas quebradas, o acesso à informação e o tempo para cuidar da saúde nem sempre são prioridade. Foi o caso do cineasta Daniel Fagundes, 39, morador do Jardim Ibirapuera, na zona sul da capital paulista.
“Senti meu umbigo estufado, mas como muitos homens da periferia, com trabalho, família, mil demandas, a gente acaba se colocando em último lugar”
Diagnosticado em 2021 com hérnia umbilical, ele só operou dois anos depois, por meio do convênio da esposa. “Tenho um trabalho fixo três dias na semana, os outros dois eu complemento fazendo freelance. Como eu fiquei parado, eu perdi esse recurso”.
O medo de se afastar do trabalho também afeta Elias Jacinto, de Guarulhos. Servidor público, ele diz que chegou a avisar o chefe sobre a hérnia, mas não foi encaminhado ao médico do trabalho. “Quando você comenta isso para um chefe que ele tem conhecimento sobre o agravante, ele mesmo deveria tomar a decisão”, relata. Ele teve que tirar licença-prêmio por conta própria para cuidar da saúde.
Esse receio é comum, segundo o cirurgião Paulo Barros, que atuou na Santa Casa de São Paulo. Ele explica que muitos pacientes adiam o tratamento ao saber que o período de recuperação pode chegar a 90 dias. Além disso, o SUS ainda realiza majoritariamente cirurgias abertas, mais invasivas e com recuperação mais lenta. Quanto mais tempo se leva até a cirurgia, maior o risco de complicações e de afastamentos mais longos.
Para Gustavo Soares, da SBH, é fundamental que o serviço público incorpore tecnologias menos invasivas, que aceleram o pós-operatório e reduzem as chances de recidiva. Ele também defende descentralizar o acesso às cirurgias, ampliando a atuação de municípios, organizações sociais e o setor privado.
Entre as medidas em discussão, está o Projeto de Lei 3524/ 2024, que propõe a criação do Dia Nacional da Conscientização da Parede Abdominal. A proposta, segundo a entidade, pode contribuir para ações preventivas e para ampliar os investimentos em políticas públicas voltadas à doença. O texto ainda tramita na Câmara dos Deputados, antes de seguir ao Senado e à sanção presidencial.
Procure a (UBS) Unidade Básica de Saúde da sua região e agenda uma consulta médica. O médico poderá solicitar exames iniciais, como ultrassom, para avaliar o caso.
Se houver indicação cirúrgica, o paciente será encaminhado para um serviço de Atenção Especializada.
A partir daí, seu nome poderá ser inserido no Sistema de Regulação de Vagas, que organiza o agendamento conforme critérios clínicos e de ordem de entrada.
Todo o processo passa, primeiro, pela avaliação na rede básica.
Em caso de demora nas etapas destes atendimentos, é possível registrar uma reclamação nas ouvidorias municipais, estaduais ou pelo Disque Saúde do SUS: 136.
As informações são da Secretaria Municipal e Estadual de Saúde de São Paulo e do site do Ministério da Saúde
Jornalista e redator. Atuou nas redações do Observatório do Terceiro Setor e Rádio CBN. Adora livros, cinema, podcasts e debater sobre política internacional. Palmeirense. Correspondente do Jardim São Luís desde 2022.
Jornalista, vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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