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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Ana Beatriz Alves | Egberto Santana | Isabela Alves | Kethilyn Mieza | Paulo Talarico

Arte: Magno Borges

Edição: Paulo Talarico

Publicado em 08.03.2024 | 7:06 | Alterado em 08.03.2024| 10:55

RESUMO

Em 2020, 22 cidades da Grande São Paulo não elegeram nenhuma vereadora ou tiveram apenas uma cadeira ocupada por uma mulher. Eleitas na última eleição falam de como isso impacta as políticas públicas e como veem o cenário para a disputa de 2024

Tempo de leitura: 10 min(s)
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A cidade de São Paulo viveu um movimento histórico na eleição de 2020. Em 72 anos, a capital paulista elegeu apenas seis vereadoras negras – quatro delas conquistaram o mandato nessa votação, o que aumentou a presença de vozes das periferias no parlamento.

No entanto, essa vitória ainda está bem abaixo da representação da população. De cada 10 vereadores, há duas mulheres eleitas. Quando se leva em consideração toda a Grande São Paulo, essa quantidade cai para 1 uma vereadora e 9 homens em cada um dos parlamentos.

Dez cidades não tiveram mulheres eleitas e outras 12 possuem apenas uma cadeira ocupada por uma parlamentar. Quando se leva em conta o cargo de prefeitas, então, a situação é ainda mais delicada – apenas 3 de 39 cidades têm mulheres ocupando o cargo, e a tendência é que a situação se mantenha.

É nesse cenário que as mulheres começam o ano de 2024, quando haverá eleições municipais para definir quem serão os novos ocupantes das prefeituras e Câmaras. E por que não, novas ocupantes?

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Magno Borges/Agência Mural

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Nesta reportagem especial, no Dia das Mulheres, a Agência Mural ouviu vereadoras, líderes comunitárias e especialistas sobre por que é tão difícil para mulheres, em especial as das periferias, entrarem no jogo político oficial. E também sobre quais foram as trajetórias daquelas que atualmente estão no legislativo.

Movimento de mudança

Antiga moradora do Grajaú, na zona sul de São Paulo, Luana Alves, 30, é educadora popular e trabalhadora da saúde. Foi eleita com 37.550 votos e levou ao mandato pautas que já faziam parte da vida pessoal dela.

“Entendo que faço parte de um movimento histórico de mudança de mundo. As coisas não mudam de uma geração para a outra. Existem acúmulos de processos para romper com o sistema”, conta a vereadora Luana.

“Ter um mandato de luta pode fortalecer movimentos mais amplos, do que o governo e o parlamento, e trazer a mudança estrutural. Isso me dá perspectiva.”

Luana Alves, vereadora de São Paulo

A entrada na política foi motivada pelo que vivia em casa. A mãe dela atuava como assistente social e o pai foi preso durante o regime da ditadura militar. Posteriormente, ambos se aliaram a partidos políticos de esquerda, como o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e atuaram nas organizações de base.

“Presenciar essas lutas me educaram positivamente”, afirma. Aos 19, ela se filiou ao PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) e no ano seguinte se tornou estudante da USP (Universidade de São Paulo).

Luana Alves foi eleita em 2020 em um momento que São Paulo teve quatro vereadoras negras entrando no parlamento @Divulgação

Dentro da academia, se uniu há vários coletivos de movimento negro e estudantis em prol das cotas raciais para alunos pretos, pardos e indígenas. Após muita luta dos movimentos sociais ao longo dos anos, a aprovação da lei foi feita em 2018, sendo que a USP foi uma das últimas a adotar essa política.

Luana vê o legislativo como um lugar que ainda é “muito machista” e que com parte do legislativo que defende os interesses da classe dominante.

“Sei os limites desse espaço e que as coisas não se resolvem só ali. As grandes mudanças históricas que a humanidade fez sempre foram em movimentos grandes, de massa. Temos de nos organizar em coletividade para não nos sentirmos sozinhas na batalha”, aponta.

Em São Paulo, foram eleitas 13 vereadoras em 2020, cerca de 23% das 55 cadeiras @Magno Borges/Agência Mural

A vereadora Elaine Mineiro, 40, do mandato coletivo Quilombo Periférico também foi eleita em 2020, com 22.742 votos.

A educadora e militante dos movimentos de cultura nas periferias revela que a primeira relação com a política se deu no movimento negro e com a mãe, que atuava na igreja católica do bairro onde cresceu, Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo. Esse movimento lhe passou o entendimento do que é ser negro desde criança.

“A igreja foi o primeiro lugar onde ouvi falar das pautas raciais e em determinado momento, se cruzou com a história de alguns partidos e grupos políticos, como a Uneafro Brasil”, relembra.

Elaine e o mandato coletivo do Quilombo Periférico receberam 22 mil votos em 2020 @Richard Lourenço/Câmara de São Paulo

Ao ser coordenadora de um dos núcleos da instituição no Jardim Pantanal, que promove educação popular e antirracista, ela presenciou a organização do movimento negro em prol de mais candidaturas negras no parlamento.

‘Tanto o movimento negro quanto o de periferia, fazia a discussão do ‘nada mais sobre nós sem nós’ e que iríamos colocar o pé na porta das estruturas, sejam elas quais forem, para colocar representantes negros e periféricos nesses espaços’

Elaine do Quilombo Periférico, vereadora em São Paulo

Em 2019, a pauta do movimento negro foi a auto-representação política. Posteriormente, a Coalizão Negra Por Direitos – entidade que reúne mais de 200 organizações de movimento negro brasileiro, lançou a campanha do Quilombo dos Parlamentos, com o objetivo de apoiar candidaturas negras que defendam as agendas e o debate racial. Das mais de 100 pré-candidaturas lançadas, 26 deputados foram eleitos em 2022.

Sobre esse primeiro mandato que chega na reta final, elas apontam que é uma luta constante pelo reconhecimento, mas ainda há muitas barreiras e preconceito. Um exemplo foi a cassação do vereador Camilo Cristófaro, por uma fala rascista em plenário.

No geral, elas têm se apoiado enquanto mulheres negras para resistir e continuar o trabalho que é em prol de todos. Ambas vereadoras também afirmam que para que as mudanças de fato ocorram, é necessária muita organização coletiva e de base, assim como fizeram seus ancestrais na época da escravidão do Brasil.

“As nossas mais velhas já ensinaram há muito tempo que os nossos espaços de conforto estão entre nós. As mulheres pretas precisam sempre achar tecnologias de proteção e cuidado entre elas, estão entre as próprias parlamentares negras e coletivos de apoio ao mandato”, conclui Elaine.

Também é preciso se apoiar enquanto mulheres negras de periferias, já que elas combatem muitas situações de deslegitimação da sua capacidade de ocupar esse cargo. Essa deslegitimação ainda é um problema em boa parte da Grande São Paulo.

Há apenas uma mulher a cada dez vereadores na Grande São Paulo @Magno Borges/Agência Mural

Sem vereadoras

O movimento vivido na capital também foi visto em algumas cidades vizinhas, embora de forma mais discreta. Ao todo, são 71 vereadoras nas 39 cidades, cerca de 26% a mais do que no mandato de 2017-2020. Ainda assim, isso representa apenas 10% do total de vereadores.

Há casos de cidades como Cotia, onde não há legisladoras desde os anos 1980. Dez municípios atualmente não contam com nenhuma parlamentar, mesmo com mais da metade da população sendo composta por mulheres.

Com quase meio milhão de habitantes, Mauá, no ABC Paulista, é uma dessas Câmaras sem representantes femininas.

Maria Clara Ribeiro, 20, é uma jovem artista engajada na política e moradora do bairro do Cerqueira Leite, na periferia da cidade. Ela faz parte da UP (Unidade Popular) e do Movimento de Mulheres Olga Benário, que atua principalmente com vítimas de violência doméstica e organiza as mulheres politicamente para que elas conheçam seus direitos.

Dez cidades da Grande São Paulo, de vermelho, não elegeram nenhuma vereadora. Nas de amarelo houve apenas uma mulher eleita em 2020 @Magno Borges/Agência Mural

Na cidade, a Casa Helenira Preta, onde Maria atua, é uma das ocupações do movimento que abriga mulheres e fornece apoio à população feminina da cidade. “A única solução que a gente vê para os problemas que as mulheres passam é lutar contra isso e construir nossos direitos”, diz.

Sendo uma mulher negra e periférica, Maria ressalta que a representatividade é importante, mas o acesso das mulheres menos favorecidas às Câmaras municipais ainda é muito difícil.

Ela conta o caso de Gabriela Torres, da Unidade Popular, que foi candidata a vereadora em 2020, se apresentou como uma alternativa para as mulheres e conquistou mais de 1.500 votos na cidade.

Porém, o partido dela não conseguiu alcançar o coeficiente eleitoral – para eleger um vereador, é levado em conta o número de votos conquistados por todo o partido. Se a sigla ficar abaixo desse mínimo, não é eleito nenhum parlamentar, independente da posição dele.

Em Barueri, por exemplo, o mandato coletivo Juntas Por Barueri foi o sétimo mais votado na cidade em 2020, mas na época o PSOL não obteve essa votação mínima e a candidatura ficou de fora.

De volta a Mauá, a cidade conta com uma Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, o que as mulheres da Casa Helenira Preta consideram uma conquista coletiva. “A luta nos dá esperança, ela nos dá perspectiva”, ressalta Maria sobre essa conquista para a cidade. A Secretaria conta com atendimento jurídico, de educação, saúde e assistência social para as mulheres do município.

‘Que a gente use esse direito do voto, que demoramos muitos anos para conquistar, mas também se lembre daquelas que lutaram por muito mais’

Maria Clara, artista e moradora da periferia de Mauá

Curiosamente, nesta semana Mauá teve a chegada de uma mulher ao legislativo. A vice-presidente do PT (Partido dos Trabalhadores) em Mauá, Cida Maia, assumiu o mandato de forma provisória.

E isso só ocorreu devido a um pedido de afastamento depois de Geovane Correa (PT) ter sido acusado e estar em meio a uma investigação sobre um crime sexual contra uma adolescente.

Por que é difícil?

Para Shisleni de Oliveira Macedo, pesquisadora do Centro de Estudos Periféricos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), para se manter no ativismo, as mulheres periféricas enfrentam barreiras como sexismo e capitalismo.

“A pessoa trabalha 8, 10, 12 horas por dia e faz duas horas para ir ao trabalho e duas horas para voltar, é difícil também que ela se engaje enquanto ativista política”, avalia.

“Ela precisa encontrar tempo, espaço na vida. Lembrando que as mulheres também têm outras jornadas, são as mulheres que cuidam de todas as pessoas, cuidam das crianças, das pessoas idosas, com deficiência, cuidam inclusive das coisas para os homens entrarem na política”, ressalta.

Os partidos políticos têm um papel importante na seleção e promoção, se esses partidos não priorizarem a inclusão de mulheres nas listas de candidatos ou não oferecerem apoio significativo, a representação feminina na política continuará baixa.

Hoje há a obrigatoriedade de um mínimo de candidaturas femininas em cada sigla e também é previsto que parte do fundo eleitoral seja direcionado às mulheres.

‘Nós sabemos que o dinheiro dos partidos vai preferencialmente para as candidaturas masculinas e não femininas. Temos as barreiras político-institucionais, dos investimentos, sexismo. Tudo isso dificulta o desenvolvimento de uma carreira na política institucional.’

Shisleni de Oliveira Macedo, cientista política do CEP

Para Shisleni, é crucial implementar políticas e programas que incentivem e apoiem ativamente as mulheres a ingressarem na política local, especialmente ações que facilitem a conciliação entre vida política e familiar.

“Temos poucas candidaturas que são mulheres periféricas. Mas as mulheres ainda sim, estão nesses lugares, na política institucional e partidária. O estereótipo de gênero que pesa sobre elas é grande e atrapalha muito, porque é uma questão de materialidade, de tempo, impacta muito a participação política de quem vive nas quebradas”, conclui.

As raras prefeitas

Se para a vaga de vereadora é complicado, imagine de prefeita. Poá é um dos raros municípios da Grande São Paulo com uma mulher no comando do executivo, a prefeita Márcia Bin (PSDB), eleita em 2020 com 23.446 votos, a primeira prefeita do município de 103 mil pessoas.

A então candidata, na época, registrou o nome na urna eletrônica com um termo peculiar: Márcia Bin Esposa do Testinha, apelido de Francisco Pereira de Sousa, ex-prefeito da cidade.

Essa é uma outra característica das poucas mulheres que chegam às prefeituras. O vínculo com antigos prefeitos ou fazer parte de famílias que já governam historicamente essas cidades.

Em 2009, Testinha nomeou a esposa para o cargo de secretária de Promoção Social. Ambos foram condenados por improbidade administrativa. Em 2022, o STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu uma decisão liminar que anulou as condenações, mantendo a prefeita no cargo.

A relação do casal no registro da candidatura foi alvo de críticas. “De forma alguma representa o que nós falamos como representatividade da mulher na política. Muito pelo contrário, isso representa o que o machismo estrutural faz com as mulheres na política”, comenta Gisele Magalhães, 40, professora e representante do Fórum Permanente de Cultura de Poá.

Em destaque no mapa, Francisco Morato, Poá e Ferraz de Vasconcelos, únicas cidades com mulheres no comando das prefeituras na Grande São Paulo @Magno Borges/Agência Mural

Giselle diz acreditar que a representação política da mulher deve ir além, elegendo mulheres que de fato lutem por essa causa no município, que façam projetos, leis e fiscalizem essas questões. Ela menciona assuntos como poucas vagas em creches, atendimento à saúde e os casos de violência de gênero.

Para ela, que é mãe e professora, o trabalho deve começar a partir da escuta ativa da mulher, de forma que atenda todas as mulheres, mães solos, trabalhadoras e muitas outras. “Quando uma mulher que é mãe e quer participar das reuniões, ela já encontra várias dificuldades, como o horário dessas reuniões, que dificilmente visam uma mulher trabalhadora e mãe”, destaca.

A professora menciona casos de reuniões às 11h da manhã, organizadas pela prefeitura, para tratar das políticas públicas voltadas para as mulheres, período que impedia mães de comparecer no encontro, devido a compromissos com os filhos.

Outro destaque nas eleições de 2020 no município de Poá foi a candidatura da própria filha da prefeita, Patrícia Bin (PSDB), eleita com 860 votos e atual presidente da Câmara Municipal. A segunda cadeira feminina do legislativo foi ocupada por Jilmara Quirino dos Santos (Avante), com a bandeira de protetora dos animais.

Desde o início dos mandatos, em 2020, houve casos de violências nas sessões da Câmara, hostilizando principalmente a vereadora Patrícia Bin. Entre as ocorrências: comentários ofensivos às vereadoras, cortes no microfone na hora da fala das mulheres e questionamento de outros colegas se a vereadora iria chorar.

Esses casos fizeram com que Mildima Ferreira Lima, 68, representante no Conselho Estadual da Condição Feminina, marcasse uma reunião sobre a violência política de gênero, que ocorreu na Câmara Municipal de Poá, em 2022.

“Vendo tudo isso, como eu sou uma mulher que tem conhecimento político e, como conselheira, eu não podia ficar quieta e convoquei essa reunião”, comenta Mildima, moradora de Ferraz de Vasconcelos, mas reconhecida como cidadã poaense, após anos de trabalho na conscientização de mulheres vítimas de violência doméstica.

O evento também foi liderado por Jilmara Quirino, que atualmente preside a Comissão Permanente de Direitos e Defesa dos Direitos da Mulher, criada em 2023, um resultado da reunião.

CENÁRIO NACIONAL PARECIDO

De acordo com a plataforma TSE Mulheres, que possui uma base de dados sobre a atuação de mulheres na política e das eleições ao longo da história da democracia brasileira, as mulheres compõem mais da metade (52%) do eleitorado no Brasil, mas houve apenas 33% de candidaturas femininas, sendo 15% delas eleitas, entre 2016 e 2022.

No caso de Poá, questionada se houve avanço em políticas voltadas para as mulheres, a prefeitura afirma que na cidade foram emitidas mais de 500 medidas protetivas pelo judiciário até o final de 2023, por conta da Lei Maria da Penha.

A gestão cita a Sala Rosa, voltada para o atendimento acolhedor às mulheres, botão de pânico e visitas regulares às vítimas, com mais de 2.600 fiscalizações realizadas no último ano pela Guarda Civil Municipal.

Também afirma que foram realizadas 40 palestras sobre a Lei Maria da Penha, direitos das mulheres e programas profissionalizantes que visam garantir a autonomia feminina no município.

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Ana Beatriz Alves

Jornalista em formação. Boa ouvinte e contadora de histórias. Apaixonada por esportes, política e novas formas de fazer jornalismo. Correspondente de Ferraz de Vasconcelos desde 2023.

Egberto Santana

Jornalista, também é crítico de cinema e redator. Sempre ouvindo ou assistindo alguma coisa, do novo ao velho, do longa-metragem ao reels do Instagram ou Tik Tok. Correspondente de Poá desde 2021.

Isabela Alves

Graduada em jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e pós graduanda em Mídia, Informação e Cultura pelo Celacc/USP. Homenageada no 1° Prêmio Neusa Maria de Jornalismo. Correspondente do Grajaú desde 2021.

Kethilyn Mieza

Jornalista. Dançarina apaixonada por arte e pela cultura hip hop. Escrever e contar histórias por meio do jornalismo é seu melhor caminho para dar voz às pessoas. Correspondente de Mauá desde 2023.

Paulo Talarico

Diretor de Treinamento e Dados e cofundador, faz parte da Agência Mural desde 2011. É também formado em História pela USP, tem pós-graduação em jornalismo esportivo e curso técnico em locução para rádio e TV.

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