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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Jacqueline Maria da Silva

Edição: Sarah Fernandes

Publicado em 01.07.2025 | 16:49 | Alterado em 09.07.2025| 22:13

RESUMO

Mudanças no clima desencadeiam fenômenos naturais mais intensos e recorrentes e colocam quebradas sob risco de enchentes, deslizamentos e queimadas

Tempo de leitura: 5 min(s)
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Duas casas. Foi essa a distância que impediu que Cristiane Lopes Domingos, 48, fosse atingida por um deslizamento de terra na manhã de 30 de janeiro de 2022, no bairro do Parque Paulista, em Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Ela escapou de ser uma das 18 vítimas do desbarrancamento, entre amigos, colegas e vizinhos queridos.

“Quando deitei, escutei um corre corre. Olhei pela janela da sala e vi aquela terra descendo, como se fosse uma avalanche, foi uma cena muito feia”, desabafa. “Passaram três anos, mas sempre que chove a gente lembra do que aconteceu”.

Com a interdição do local, a dona de casa teve que se mudar da casa alugada. Ela recebeu aluguel social por seis meses, no valor de R$ 600 – que pouco ajudou na mudança para outra residência no mesmo município. Hoje, muros de arrimo isolam o local e proprietários recorrem à Justiça por alguma indenização sobre os imóveis.

Cristiane Lopes Domingos, 48, moradora de bairro que registrou desabamento de casas em Franco da Rocha @Léu Britto/ Agência Mural

No bairro Chácara Solar 2, em Santana de Parnaíba, na região metropolitana da capital paulista, Maria José Dantas Barbosa, 64, tenta quitar uma dívida de R$ 6 mil com apenas sua aposentadoria. O prejuízo é fruto de danos no telhado de sua casa em decorrência de uma intensa chuva de granizo no final de 2024.

Há 80 quilômetros de lá, no Jardim Nova Poá, no distrito de Poá, na Grande São Paulo, o vidraceiro Henrique Souza, 38, contabiliza um prejuízo de pelo menos R$150 mil e muitos empréstimos. Tudo para evitar a falência da sua vidraçaria causado por uma inundação de 2017.

“Perdi computador e materiais. Vendi os carros a preço de banana para quitar as dívidas. Meu sobrinho quase perdeu o pé se machucando para tentar salvar pertences. Todo mundo de casa já pegou virose por causa do rio”

Henrique Souza, vidraceiro

E se sobra água em alguns distritos da Grande São Paulo, falta em outros. As queimadas nos pastos do Parque Payol, em Pirapora do Bom Jesus, em 2024, tiraram o sono, ou melhor, o ar da faxineira Veridiana Aparecida Rodrigues, 45.

O distrito foi a segunda cidade da Região Metropolitana de São Paulo com mais áreas afetadas pelo fogo naquele ano, atrás apenas de Santa Isabel, segundo dados do MapBiomas compilados pelo portal de notícias G1.

O vidraceiro Henrique Souza, 38, já perdeu as contas de quantas enchentes enfrentou em Poá

O uso constante de medicamentos para a alergia pesaram no bolso, já que poucos são disponibilizados no posto de saúde. Os filhos de 6 e 10 anos e as demais crianças do bairro são as que mais sofrem com a fumaça, que acabou concentrada próximo da escola onde estudam.

“Eles diziam: ‘mamãe, tava ruim um cheiro [na escola]’. Às vezes a gente comenta entre as mães sobre medicamentos [para alergia] dos filhos. Quando você chegava no portão do colégio para deixar a criança, muitas estavam rouca ou com o narizinho escorrendo”, comenta Veridiana.

O que você precisa saber sobre as mudanças no clima?

1

Para cada aumento de 0,1 °C na temperatura média global do ar, os registros de desastres climáticos aumentam em 360 casos

2

O ano de 2024 foi o mais quente da história com média de 1,5º acima do normal, desde o período pré-industrial (1850-1900), em que a temperatura média excedeu 0,5° acima do normal

3

Entre 1991 e 2023, mais de 30 milhões de pessoas foram afetadas por inundações e alagamentos no Brasil

4

Quase 5 milhões foram afetadas por deslizamentos e cerca de 5,5 milhões por incêndios florestais.

5

Pelo menos 4,5 milhões de pessoas foram impactadas por chuvas de granizo 

6

Os distritos da capital paulista com maior população autodeclarada parda e preta tiveram maior ocorrência de alagamentos, inundações e deslizamentos nos últimos 10 anos: Jardim Helena, Vila Jacuí e São Miguel Paulista, todos na zona leste da capital

Fontes: 2024, o ano mais quente da história, Senado Notícias, com informações do IBGE  e Agência Pública

Diferentes quebradas, histórias parecidas

Maria mora há mais de 50 anos no bairro Chácara Solar 2, em Santana do Parnaíba, mas foi a primeira vez que presenciou um evento da magnitude da chuva que destruiu seu telhado.

“Foi um desespero, eu me escondi no quarto, fiquei chorando e gritando. Eram pedras do tamanho de uma barra de sabão. Acho que é a mudança do clima, o calor estava intenso dias antes”, relata.

Esta, porém, não é uma situação isolada. Especialistas afirmam que as mudanças no clima têm favorecido a frequência dos desastres climáticos. Isso porque as temperaturas do planeta estão aumentando e, como ele é um ecossistema integrado, mudanças na temperatura desencadeiam fenômenos naturais mais intensos e recorrentes.

“Quem mora próximo de cursos de água está mais sujeito a inundações. Quem mora em área com grande declividade está mais sujeito a deslizamentos de terra”, exemplifica Giovanni Dolif, pesquisador do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

Os impactos das mudanças no clima tendem a ser maiores para os moradores de periferias porque, em geral, eles têm menos possibilidades socioeconômicas de mudarem de casa, adaptarem suas residências para torná-las mais seguras ou mesmo se recuperarem após um desastre. É o que os especialistas chamam de menor “capacidade de adaptação”.

Desastres naturais são eventos que causam danos significativos à sociedade e ao meio ambiente, resultando em prejuízos humanos, materiais e econômicos. A maioria deles (com exceção de terremotos e tsunamis) têm sido agravados pelas mudanças climáticas, que são consequência das atividades humanas.

Fonte: 2024, o ano mais quente da história 

“A recuperação completa de uma vida construída ao longo de anos leva muito mais tempo em um contexto de vulnerabilidade socioeconômica. Somam-se a isso os danos emocionais e psicológicos, muitas vezes invisibilizados, mas profundamente marcantes para quem perde não apenas bens materiais, mas também o senso de segurança e pertencimento”, complementa a geógrafa Nara Leme.

O vidraceiro Henrique conta que, a cada chuva, o medo toma conta da família que mora há 30 anos na parte baixa do bairro Jardim Nova Poá, em frente a um córrego que transborda com frequência. Sem condições financeiras de mudar do bairro, ele tentou se adaptar e colocou uma barra de ferro na porta de casa, para tentar conter a água.

Córrego causa alagamentos persistentes em Poá
Córrego causa alagamentos persistentes em Poá
Córrego causa alagamentos persistentes em Poá

Córrego causa alagamentos persistentes em Poá @Léu Britto/ Agência Mural

Córrego causa alagamentos persistentes em Poá @Léu Britto/ Agência Mural

Córrego causa alagamentos persistentes em Poá @Léu Britto/ Agência Mural

“Já aconteceu de a água estar em nível tão alto após a chuva que voltou pelo ralo do chuveiro e do vaso sanitário. Não é culpa da natureza, né? É do homem. É algo que a gente está vivenciando: os efeitos [das mudanças] climáticas”, aponta.

A sensação de agravamento da crise climática é sentida também pela faxineira Veridiana, de Pirapora do Bom Jesus. Ela mora há 12 anos no local e afirma que nos últimos cinco viu os incêndios se intensificarem no município, sobretudo em períodos de calor extremo. Os resultados observados por ela são aumento do desmatamento e piora da qualidade do ar também.

“A gente não tem nem uma base do Corpo de Bombeiros e o hospital da cidade é no centro. A gente acaba indo também para Santana do Parnaíba [município vizinho]”.

Vidas perdidas, prejuízos materiais, medo recorrente e traumas. Os impactos dos desastres naturais relacionados às mudanças climáticas são fatores que unem os entrevistados, todos moradores das quebradas da Região Metropolitana de São Paulo.

Como agir em dias eventos climáticos?

Em dias de chuva severa com risco de alagamento

Se puder, permaneça em casa e esteja atento aos boletins meteorológicos e alertas de risco emitidos. Evite deslocar-se por regiões de risco ou atravessar alagamentos a pé ou de carro. 

Encha recipientes com água potável, para o caso de faltar em sua residência. Mantenha documentos em uma embalagem de plástico bem vedada e desligue aparelhos da tomada para evitar choques. 

Se ficar isolado em local inseguro, acione o corpo de bombeiros. Se morar em área de risco, tente se abrigar na casa de algum familiar ou colega. Não brinque ou deixe crianças brincando na enxurrada. 

Fonte: Defesa Civil do Rio Grande do Sul 

Sob risco de deslizamento de terra

Observe sinais de movimentação do terreno, como rachaduras no chão, árvores ou postes inclinados; desníveis no terreno, levantamento de piso e barulhos vindos do chão. 

Se observar algum desses sinais, saia imediatamente de casa e avise à Defesa Civil, ao Corpo de Bombeiros e aos outros moradores. Ajude crianças, idosos e pessoas com dificuldade de locomoção próximas a você. Em caso de deslizamento, não entre no local sem autorização e não volte até a liberação do órgão competente.

Fonte: Defesa Civil 

Em situações de queimadas

O Ministério da Saúde recomenda permanecer em ambiente fechado, mantendo portas e janelas fechadas durante o período de concentração dos poluentes. 

Evite praticar atividade física ao ar livre e utilize máscara, caso precise sair de casa. Aumente a ingestão de água e mantenha ambientes internos úmidos, com bacias de água e toalhas molhadas. Busque atendimento médico em caso de sintomas respiratórios e cardíacos. 

Se o incêndio atingir sua casa, saia imediatamente do local, agachado abaixo da fumaça, se possível com pano molhado no rosto. Acione os bombeiros. 

Fonte: Ministério da Saúde 

Acione as autoridades

Telefones úteis 

Defesa Civil:199
Bombeiros: 193
Polícia Militar: 190
SAMU: 192

Planeta mais quente, periferia mais preparada?

A projeção de um planeta mais quente aponta também a tendência de mais extremos de calor, combinado com períodos de seca e tempestades. Essas condições climáticas podem aumentar a ocorrência, por exemplo, de incêndio, alagamento, chuvas de granizo, inundações e deslizamentos de terra, segundo especialistas.

“As queimadas são um risco para as periferias, pelo adensamento populacional, infraestrutura precária e dificuldade de acesso, que agravam a situação”.

Nara Leme, geógrafa

A especialista reforça que é preciso atuar em várias frentes para projetar uma cidade resiliente para os próximos 30 anos.

“Eventos climáticos extremos já estão ocorrendo, e seus impactos são sentidos de forma imediata pela população. Em muitos casos, a adaptação pós-evento acaba se tornando a principal resposta. Isso evidencia que as políticas públicas enfrentam dificuldades para antecipar e minimizar os danos antes que eles aconteçam. São ações que chegam tarde para aqueles que já foram afetados.”

Muros de contençào tentam evitar mais desabamentos no município
Deslizamento de terra em Franco da Rocha
Obra pública após delizamentos
Muros de contenção tentam isolar área; moradores não se sentem seguros
Área interditada pela defesa civil após deslizamentos de terra

Muros de contençào tentam evitar mais desabamentos no município @Léu Britto/ Agência Mural

Deslizamento de terra em Franco da Rocha @Léu Britto/ Agência Mural

Obra pública após delizamentos @Léu Britto/ Agência Mural

Muros de contenção tentam isolar área; moradores não se sentem seguros @Léu Britto/ Agência Mural

Área interditada pela defesa civil após deslizamentos de terra @Léu Britto/ Agência Mural

A Secretaria das Periferias, ligada ao Ministério das Cidades, possui um eixo de trabalho chamado “Periferias Sem Risco”. Ele atua no planejamento de estratégias para diminuir riscos de desastres e suas consequências, especificamente nas periferias.

O Instituto Cidades Sustentáveis possui indicadores de gestão de risco e prevenção de desastres climáticos, entre eles: plano diretor, lei de uso e ocupação do solo, mapeamento de áreas de risco, programa habitacional para população atingida e sistema de alerta antecipado. Dos 39 municípios da região Metropolitana, 22 não têm metade das 25 estratégias verificadas. Pirapora do Bom Jesus tem apenas 12% de estratégias de gestão, a pior porcentagem.

Fonte: Programa Cidades Sustentáveis 

O site oficial do órgão disponibiliza cartilhas para comunidades e lideranças, para que a própria população colabore no mapeamento de áreas de riscos e em ações preventivas.

“É um material que ajuda a traduzir termos técnicos e conceitos científicos para uma linguagem acessível, permitindo que a população identifique situações de vulnerabilidade em seu cotidiano. Isso é essencial para a democratização do conhecimento sobre riscos em territórios periféricos, fortalecendo a articulação social”, sugere Nara.

O que o poder público deve fazer para garantir segurança nas quebradas?

1

Implantar políticas públicas para retirar pessoas de áreas de risco

2

Garantir ampliação de áreas verdes nas cidades e ações de reflorestamento

3

Reduzir as emissões de gases de efeito estufa, como o gás carbônico

4

Divulgar os riscos de regiões específicas e preparar a população para saber quem acionar e onde se abrigar

5

Manter sistemas de alertas eficientes, centrados nas pessoas e baseados em pesquisas

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Jacqueline Maria da Silva

Jornalista, vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.

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