Por: Raphaela Guimarães
Publicado em 24.10.2025 | 8:01 | Alterado em 23.10.2025| 21:10
Com 18 praias regulamentadas, moradores em busca de lazer acessível, apesar da falta de estrutura
Tempo de leitura: 6 min(s)É domingo de calor na capital paulista. Ana Paula da Silva, 35, e alguns familiares carregam cadeiras, toalhas e lanches rumo à Praia do Sol, uma das margens mais movimentadas da Represa Guarapiranga, na zona sul da cidade.
“É o único lazer que a gente tem por aqui”, resume ela, que é moradora do Jardim São Luís, também na zona sul. Frequentadora há mais de duas décadas, Ana Paula relata que o local se tornou uma tradição em dias de calor.
Assim como ela, milhares de moradores das periferias ocupam as famosas “prainhas”. Cerca de 83 mil visitantes por mês frequentam a Praia do Sol, a Praia da Barragem do Guarapiranga e a Praia Parque Nove de Julho, áreas geridas pela prefeitura.

Ana Paula e sua família aproveitam o domingo de calor nas margens da Represa Guarapiranga @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Elas funcionam como alternativa gratuita aos clubes privados que cercam o reservatório, com acesso restrito a associados. Há ainda outras 15 prainhas, algumas sob gestão privada.
Nas últimas semanas, a Agência Mural visitou a Praia do Sol e a Praia Ilha da Formiga para ouvir moradores, comerciantes e frequentadores.
Ao mesmo tempo em que relatam como o lugar virou opção de lazer e negócio para moradores das periferias – com mergulhos, passeios de barco pelas ilhas e até batismos religiosos – a região também convive com o dilema ligado à preservação das águas, do meio ambiente e o descarte de lixo na beira da represa.

Barcos usados em passeios na região são uma das atrações @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Com 28 km de margens, a Represa Guarapiranga oferece diferentes pontos de acesso. A depender da orla escolhida, é possível chegar de carro, transporte público ou bicicleta. Ela passa por regiões como os distritos do Jardim São Luís, Jardim Ângela, Cidade Dutra, Grajaú e Parelheiros.
As linhas de ônibus ligam os bairros vizinhos, enquanto o Metrô (Linha Lilás) e o Trem (9-Esmeralda) conectam visitantes de outras regiões da cidade.
Veja a lista das 18 Praias Urbanas de SP
Na região da Capela do Socorro: Praia Parque da Barragem (exclusiva para banhistas), Praia do Sol (exclusiva para banhistas), Prainha do Restaurante (exclusiva para banhistas), Praia Ilha da Formiga (uso de banhistas e usuários de esportes náuticos), Praia Guarujapiranga (exclusiva para banhistas), Praia do Parque Náutico (exclusive para banhistas) e Praia Parque Nove de Julho (exclusiva para embarcações).
Na região de Parelheiros: Praia Paulistana (exclusiva para banhistas), Praia Messiânica (Proibido banhistas e embarcações), Rampa Pública (exclusivo para embarcações e equipamentos aquáticos), Praia Terceiro Lago ( (exclusivo para embarcações e equipamentos aquáticos), Praia Palmeiras (Proibido banhistas e embarcações) e Praia Golf Clube (Proibido banhistas e embarcações).
Na região do M’Boi Mirim: Praia Dedo de Deus (Área particular, exclusiva para banhistas)/, Praia Funcionários ( (Área particular, exclusiva para banhistas), Praia Guaraci (Área particular, exclusiva para banhistas), Praia Riviera (Área particular, exclusiva para banhistas) e Praia São Francisco (Área particular, exclusiva para banhistas.
Apesar de a maioria dos frequentadores serem moradores de bairros próximos, há também quem vem de longe visitar. É o caso da aposentada Josefá Costa, 77, moradora de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. Ela soube da Praia do Sol através da divulgação de um evento local.
“Nunca tinha vindo. Hoje meus filhos me trouxeram e fiquei surpresa, parece até praia mesmo. Vale a pena vir”, afirmou.

Bruno, morador do Campo Limpo curte com a família na Praia Ilha da Formiga
Na fila para um passeio de barco à Praia Ilha da Formiga, Bruno Silva, 33, morador do Campo Limpo, aguardava com a esposa e dois filhos. Ele conta que visita a área há cinco anos.
‘Como ponto turístico é bom. Tem parquinho para as crianças, quadras. Vir se divertir com a família e curtir um lazer gastando pouco é o que a gente mais precisa ter na região’
Bruno, morador do Campo Limpo
O bombeiro civil Fernando Costa, 35, acompanha resgates na área. “A ideia da Praia Urbana é interessante, um instrumento de socialização, já que São Paulo não tem praia.” Mas alerta: “A segurança deixa muito a desejar. O fundo é irregular e o lixo submerso aumenta o risco de acidentes.”
A reportagem procurou a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, que informou em nota que a Guarda Civil Metropolitana atua na preservação das áreas de mananciais, com policiamento preventivo e segurança aquaviária.
Apesar da falta de estrutura, a presença de banhistas abre espaço para outra realidade: a oportunidade de comerciantes locais transformarem o reservatório em fonte de renda.

Placas nas praias urbanas indicam risco de afogamento, em alguns pontos @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Na orla de uma das principais Praias Urbanas da cidade, um barco transporta turistas da Praia do Sol até a Ilha da Formiga, apelidada de “Ilha do Amor”. Quem conduz a embarcação é o mestre José Aguiar, 73, morador de Interlagos, na zona sul de São Paulo, que navega pelas águas há 55 anos.
‘Meu contato com as águas da Guarapiranga e da Billings começou aos 7 anos de idade, quando eu vinha pescar’
Zé Barqueiro, condutor de embarcação
O barqueiro trabalhou 26 anos como prestador de serviço da Sabesp e passou a fazer as travessias quando terminou o contrato com a empresa.
Nos fins de semana, o “Zé Barqueiro”, como é chamado, inicia os passeios às 9h da manhã e só encerra no final da tarde. Segundo ele, a procura é intensa: em um domingo comum, chegam a embarcar cerca de 300 pessoas, número que dobra durante eventos náuticos.

José Aguiar, o ‘Zé Barqueiro’ conduz passeios de barco que transportam turistas até as ilhas da Guarapiranga @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Hoje, ele cobra R$ 25. Os passageiros podem permanecer o dia inteiro na ilha, fazer churrasco e aproveitar os banhos no local.
Para Zé, a Guarapiranga é mais que reservatório: é afeto, memória e cuidado com a natureza. “A Sabesp me deu mudas para plantar na região e eu mesmo fiz o plantio na Ilha do Amor”, relembra. “É fundamental preservar e cuidar do que nossa cidade tem de melhor.”
Apesar do cenário atrativo das chamadas “prainhas”, o acúmulo de lixo nas margens do reservatório gera críticas entre frequentadores.
Moradores e comerciantes afirmam que, embora o Poder Público tenha regulamentado a área, ações concretas para garantir a preservação do espaço ainda são insuficientes. “Se não formos nós mesmos limpar, a área continua suja”, diz José Aguiar, 73, empreendedor local.

Com o acúmulo de plásticos e outros materiais não orgânicos na orla da represa, os turistas ficam expostos ao risco de contrair doenças @Raphaela Guimarães/Agência Mural
De acordo com a Prefeitura, seis contêineres recolhem resíduos três vezes por semana, cerca de 12 recolhimentos mensais realizados pela Ecourbis Ambiental, empresa privada que atua por meio de concessão no serviço de limpeza urbana do município.
Apesar disso, quem frequenta a região ainda encontra garrafas plásticas, embalagens de alimentos e outros resíduos espalhados pelas margens.
O biólogo Thiago Cardoso, 26, explica que os resíduos não são apenas um problema visual: eles favorecem a proliferação de doenças. “A dengue é a mais conhecida, mas também há risco de leptospirose, hepatite A, infecções de pele e intestinais”, explica.

Em alguns pontos das praias há lixo espalhado entre os banhistas @Raphaela Guimarães/Agência Mural
A administração alega que nos distritos de @Capela do Socorro@, Cidade Ademar, M’Boi Mirim e Parelheiros são retirados, em média, 64 m³ de resíduos por mês. O que equivale a aproximadamente 16 toneladas de lixo.
Grande parte desse material chega à orla por meio do despejo de esgoto proveniente de comunidades que enfrentam problemas de saneamento básico no entorno, como Jardim São Francisco, Riviera Paulista, Vila Gilda, entre outras.

Na Praia do Sol, os banhistas reclamam da precariedade dos banheiros, sujos e com filas constantes @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Marcos Campos, 48, do coletivo Limpeza na Represa, lembra que a Sabesp foi multada em agosto deste ano após o grupo registrar dois caminhões despejando esgoto na nascente que deságua no reservatório.
“Nosso grande problema é o lixo e o esgoto jogado na represa. Sem fiscalização efetiva, a contaminação continua, afetando a saúde e o ecossistema”, explica o voluntário.
Moradores e coletivos locais têm buscado caminhos para preservar a Guarapiranga. Mutirões de limpeza organizados por voluntários e grupos ambientais já retiram periodicamente lixo da orla, numa tentativa de manter o espaço utilizável mesmo com falhas na gestão pública.
Em sete anos de mobilização, um único coletivo, o Limpeza na Represa, já retirou cerca de 140 toneladas de resíduos do reservatório. A ação mais recente do grupo foi realizada no Dia Mundial da Limpeza e reuniu cerca de 200 voluntários.

Lixeira improvisada pela população @Raphaela Guimarães/Agência Mural
Em dez dias de trabalho, o grupo retirou aproximadamente uma tonelada de lixo, estima Marcos, voluntário do grupo.
‘O apoio é sempre coletivo. Compramos sacos e ferramentas e fazemos parcerias com escolas e postos de saúde, que ajudam a aproximar as famílias da educação ambiental’
Marcos Campos, do coletivo Limpeza na Represa
Além dos mutirões, frequentadores também colaboram levando sacolas de casa para descartar os próprios resíduos, já que lixeiras próximas às orlas são raras.
Procurada, a Prefeitura afirma que vem promovendo campanhas de conscientização sobre o descarte correto de resíduos, além de realizar manutenções prediais e de equipamentos nos parques da Represa da Guarapiranga.
“Atualmente, 63 profissionais atuam nesses locais, responsáveis pela vigilância e manejo dentro do perímetro dos parques”, diz.
Questionada sobre o despejo de esgoto na represa e a meta de ampliação da conexão de imóveis à rede na região, a Sabesp não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Jornalista, pós graduada em Marketing pela USP e mãe de um menino. Apaixonada por comunicação com propósito, busca promover justiça social através da informação. Ama contar histórias que inspiram e gerar mudanças positivas.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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