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Agência de Jornalismo das periferias

Por: Jacqueline Maria da Silva

Edição: Sarah Fernandes

Publicado em 23.07.2025 | 13:19 | Alterado em 25.07.2025| 7:42

RESUMO

A maioria dos “apadrinhamentos” foi para arraiais nas periferias da capital paulista. Entre 2017 e 2024, o número de emendas para quermesses aumentou 200%

Tempo de leitura: 5 min(s)
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Junho e julho são épocas muito esperadas no calendário dos brasileiros, com as festas de São João. Mas quem vai curtir muitas vezes desconhece a origem do dinheiro que financia os arraiais. Na cidade de São Paulo, um recurso pouco comentado é um dos principais a garantir os festejos: as emendas propostas por vereadores.

Trata-se de um instrumento que permite que parlamentares proponham alterações no orçamento público para financiar projetos e políticas específicas – muitas vezes em suas bases eleitorais.

Entre 2017 e 2024, vereadores destinaram R$11,4 milhões de reais para festas juninas por emendas parlamentares. O repasse para os festejos saltou de nove para 47, um aumento de 200%.

O crescimento foi exponencial também nos valores disponibilizados para os eventos no período, que passaram de R$120 mil para a casa dos R$4 milhões – com rescaldo até no resultado das urnas na última eleição.

De 2021 a 2024, a maior parte das emendas parlamentares para festas juninas com endereços especificados foram para as periferias de São Paulo (69%). Deles, a maioria ficou na zona sul (44%) e na zona leste (40%).

Esses valores se somam a outros recursos que garantem os festejos, como doações voluntárias de pessoas, organizações e empresas locais.

“Pedimos um banheiro químico e um palco. Essa estrutura foi muito importante, porque elevou o patamar da festa, chamou mais atenção e ajudou na economia do bairro”, conta Luciana Barreto, 48, presidente da Associação Acácia, no Recanto dos Humildes, em Perus, zona norte da capital.

Em 2024, ela promoveu uma festa junina aberta para a comunidade para arrecadar fundos para a organização na qual atua, e parte da verba que financiou o arraial veio das emendas. Ela está longe de ser a única.

A Agência Mural fez um levantamento exclusivo a partir de documentos da prefeitura de São Paulo e do Tribunal de Contas da capital para saber quanto foi, de onde veio e para onde foram as emendas parlamentares para festas juninas. Vem descobrir o caminho da roça, ou melhor, do dinheiro.

O passo a passo das emendas parlamentares

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Todo ano, a Câmara Municipal de São Paulo recebe da prefeitura o LOA (Projeto de Plano Orçamentário Anual), que reúne as ações a serem executadas, o dinheiro disponível e o gasto previsto para o ano seguinte.

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Os vereadores analisam o documento e aprovam em votação. É nesse momento que as emendas podem ser inseridas. Como o próprio nome diz, é uma alteração ou um adendo ao texto original.

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Na prática, esta é a oportunidade dos vereadores proporem mudanças e realocações que não entraram no projeto inicial da prefeitura. É aí que os parlamentares propõem a destinação de dinheiro para diversos fins, seja uma obra pública como um evento junino.

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Depois de uma segunda votação, no final do mesmo ano, o texto volta para a prefeitura para ser sancionado como lei e executado no ano seguinte.

Fonte: Câmara Municipal de São Paulo, Insper

A grande roda (da fortuna)

Desde 2018, o total de emendas parlamentares para financiar arraiais vêm aumentando – com exceção dos anos de 2020 e 2021, auge da pandemia de Covid-19, quando festas foram proibidas. Já em 2022, parlamentares voltaram a repassar recursos para as quermesses, aumentando os pedidos ano a ano.

Para se ter uma ideia, em 2018 foram destinadas apenas oito emendas parlamentares para esse tipo de evento, em um total de R$ 390,4 mil reais. Em 2024, foram 47 emendas que juntas somaram R$ 4,3 milhões.

Forró, ritmo tradicional do nordeste, ganha espaço nas festas juninas, na zona sul de São Paulo @Lucas Andrade

Também cresceu o total enviado a apenas um festejo. Em 2017, a maior verba repassada por emenda parlamentar para financiar festas juninas foi de R$25 mil. Já em 2024, o teto ficou em R$470 mil – montante destinado para uma “festa junina da zona leste”, pelo vereador Adriano Santos (PT).

Um dos motivadores para destinar essa quantidade de dinheiro para os eventos de junho e julho é por serem mais fáceis de serem liberados. “Se o vereador destina recurso de emenda para uma obra ou reforma, o processo é complexo e exige licitação, mesmo para valores baixos. Já [o repasse de] verba para eventos é simplificado”, diz o doutor em administração pública e governo, Fábio Pereira dos Santos.

O especialista alerta, porém, que o aumento no valor repassado para as quermesses não acompanhou o aumento do orçamento público do município de São Paulo entre 2017 e 2024.

Em 2017, o orçamento anual da cidade foi de R$56,3 bilhões, segundo a Câmara Municipal de São Paulo, passando para R$110,8 bilhões em 2024, um aumento de 49,2%. Já o crescimento total no valor das emendas para festas juninas foi de 3.542%, passando de R$120 mil em 2017 para os R$4,3 milhões em 2024.

“Isso pode indicar que os vereadores destinaram mais recursos para as festividades do que para outros objetivos, pela facilidade na execução e por interesses políticos”, diz

Fábio, sociólogo de formação

Caminho da roça – ou do dinheiro

Nos oito anos analisados, a maioria das emendas foi financiada por verbas das Secretarias de Cultura (45,9%) e Turismo (43,4%). Informações como os nomes dos beneficiários e endereços das festividades não constam nas planilhas disponibilizadas pela prefeitura.

Nos documentos de 2017 a 2020 sequer estão disponíveis os números do SEI (Sistema Eletrônico de Informações), que permitiria analisar tais informações.

Mesmo nas emendas disponibilizadas entre 2021 e 2024, nas quais já constava o número SEI, não foi possível analisar todos os beneficiários e endereços, porque as informações não eram detalhadas em todos os processos.

“A transparência é fundamental para entender se houve uso adequado da verba, atendendo o interesse público, e para evitar ou dificultar eventuais processos de desvio de recursos”.

Fábio Pereira dos Santos

Entre os que especificaram, os beneficiários variam entre associações, instituições religiosas, produtoras culturais e empresas de alimentação, além de artistas independentes. Em geral, os pedidos foram solicitados aos vereadores por associações por e-mail.

“A emenda ajuda demais a cultura periférica, porque ela é muito rica. Eu acho que as emendas deveriam ser mais acessíveis”, comenta Luciana, da Associação Acácia. Ela solicitou a verba pelo e-mail do vereador, mas a mediação foi feita por um coletivo da região. Neste ano, porém, ela não fez o pedido, para afastar ligações entre a associação e vereadores.

Casamento caipira em festa junina, na zona sul de São Paulo @Lucas Andrade

A ideia era evitar o que Fábio chama de “vínculo político” entre a entidade e parlamentares ou partidos políticos, já que as emendas só podem ser solicitadas por vereadores.

“O mais óbvio seria que a distribuição de recursos fosse para locais com a maioria da população e com índice socioeconômico menor, no caso as periferias. O que ocorre é que as verbas tendem a ser alocadas em regiões onde os vereadores têm uma base política mais organizada e fortalecida”.

Reeleição? Bingo!

Os partidos que mais disponibilizaram emendas na última gestão foram o PT (31), PSOL (24) e MDB (18), que também foram as siglas que mais cresceram nas cadeiras do legislativo.

A vereadora Elaine, do Quilombo Periférico (PSOL), foi a parlamentar que mais pediu emendas para festas juninas ao longo dos quatro anos da legislatura passada (14), seguida por Rodrigo Goulart, do PSD, (12) e Arselino Tatto, do PT (10). Rodrigo Goulart foi o único que solicitou emendas em todos os quatro anos de mandato.

Quando o assunto são os valores, quem mais gastou com emendas foram Ely Teruel, do MDB (R$1,3 milhão); Eli Corrêa, do União Brasil (R$ 889 mil); Rodrigo Goulart, do PSD (R$808 mil); e Arselino Tatto, do PT (R$663 mil).

Não é incomum que os parlamentares que enviaram verba estejam presentes nas festas apadrinhadas e que divulguem sua participação pelas redes sociais e em faixas de apoio com nomes e partidos estampados.

Mas a pergunta que não quer calar é: o apadrinhamento de festas juninas pode ajudar na reeleição? A Agência Mural cruzou dados das emendas com os resultados das urnas no pleito municipal de 2024 para dar uma pista.

Ao todo, 36 vereadores que destinaram emendas para festas juninas entre 2021 e 2024 e 31 deles tentaram reeleição no último ano. No grupo, 19 se reelegeram (52%).

Fábio, porém, reforça que existem diversos fatores que interferem no resultado eleitoral e que não há conclusões de que as emendas tenham influência, sobretudo por corresponderem a uma fração pequena do orçamento público. No entanto, ele considera que o apadrinhamento de festas é uma ferramenta de autopromoção.

“O vereador está usando recurso público para se promover e fazer campanha antecipada. Isso não é adequado, existe financiamento para campanha. Uma emenda não deveria ter caráter eleitoral”.

Fábio Pereira dos Santos

Tentamos contato com os quatro vereadores que mais gastaram com emendas na última gestão municipal para questionar sobre o repasse de verbas. Eli Corrêa afirmou que o valor foi destinado para comunidade visando o lazer no local e reforçou que as festas eram gratuitas. Ely Teruel, Rodrigo Goulart e Arselino Tatto não responderam.

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Jacqueline Maria da Silva

Jornalista, vencedora de prêmios de jornalismo como MOL, SEBRAE, SIP. Gosta de falar sobre temas diversos e acredita do jornalismo como ferramenta para tornar o planeta melhor.

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