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Agência de Jornalismo das periferias

SEM NOTÍCIAS

Em Pirapora do Bom Jesus, falta de jornalismo local acirra eleições municipais e dificulta acesso a direitos

Como é viver em um deserto de notícias?

04.06.2024 | 08:00

Imagine não ter acesso a nenhuma informação confiável sobre a cidade onde você mora. Como o dinheiro público, o seu dinheiro, está sendo usado? O que prefeitos e vereadores estão fazendo? E o que não estão? São dúvidas que podem parecer corriqueiras para quem está em grandes centros urbanos, mas que fazem muito sentido para moradores de quase metade (48,7%) dos municípios do país, considerados desertos de notícias. Neles não há jornalismo local acompanhando o cotidiano da cidade, cobrando autoridades, fazendo denúncias e fiscalizando – funções primordiais da imprensa e pilares da democracia.

Um desses municípios é Pirapora do Bom Jesus, localizado a oeste da Grande São Paulo e um dos mais pobres da região metropolitana. Para tentar saber o que acontece por lá, moradores dependem de carros de som da prefeitura, de informações compartilhadas em redes sociais, do boca a boca ou ficam à mercê do interesse de veículos de comunicação de outros municípios.

A Agência Mural conferiu de perto o que é viver em um deserto de notícias. Depois de uma imersão em Pirapora do Bom Jesus e meses de investigação, descobrimos como a ausência de informação afeta o cotidiano da população e o debate público em um município sem jornalismo local.

Este resultado está reunido nesta reportagem especial, realizada com o apoio do Pulitzer Center e da Meedan, que apresenta relatos e informações, além de fotos, vídeos, podcasts, infográficos e histórias em quadrinhos sobre um dos municípios mais pobres da Grande São Paulo.

A notícia de um santo jornal

Os milagres de Bom Jesus de Pirapora ficaram conhecidos pelo 'boca a boca', mas só tiveram impacto na cidade quando foram publicados em um jornal

O ano era 1884 e um pequeno jornal em circulação na capital paulista anunciava em suas páginas: a imagem de Bom Jesus, encontrada às margens do Rio Tietê, realiza milagres. Foi justamente a publicação desta história que fez as graças do santo chegarem aos quatro cantos do país e transformou Pirapora em um dos principais destinos religiosos do estado de São Paulo.

“A partir daí, multidões passaram a vir para cá. É a razão deste lugar existir e deixar de ser uma fazenda que pertencia à Santana de Parnaíba para se tornar a cidade que temos hoje”, conta padre Marcelo Magalhães, 35. Há pouco mais de um ano, ele deixou uma igreja no Jardim Europa, uma das regiões mais ricas da capital paulista, para assumir a função de reitor do Santuário do Senhor do Bom Jesus de Pirapora, naquele que já foi considerado o município mais pobre da Grande São Paulo.

O padre Marcelo recebeu a reportagem da Agência Mural, em uma tarde quente no começo de abril deste ano. Durante a conversa, fazia questão de apresentar cada canto do Santuário. Atualmente, uma das prioridades do pároco é chamar a atenção do poder público para a urgência de restaurar a igreja e as obras de arte ali presentes. “A história da cidade começou em 1725. Como levá-la a mais pessoas? Um meio de comunicação seria edificante”.

Toda a trajetória de Bom Jesus está registrada no livro “Tombo do Santuário”, um relato diário dos padres responsáveis pela igreja ao longo de mais de três séculos, numa iniciativa para preservar a memória do município carente de jornalismo local.

“[...] junto à margem do rio Tietê e Salto de Pirapora, existe a Capela do Senhor Bom Jesus [...]; a gloriosa e veneranda imagem é o Orago dela e foi achada milagrosamente na beira da aguada e pesqueiro do mesmo sítio [...]”

Registro do Padre João Gonçalves Lima, no livro “Tombo”, da então Paróquia de Santana de Parnaíba, em 27 de outubro de 1825, em resposta à Cúria de São Paulo, instituição oficial que presta serviço ao bispo.

1725

Homens escravizados na fazenda de José de Almeida Naves encontram a imagem do Bom Jesus em uma pedra do atual Rio Tietê. Registros indicam que a imagem teria realizado milagres. Alguns meses depois, o fazendeiro solicitou licença para construir uma capela em homenagem ao Bom Jesus.

1730

Celebração da primeira missa e festa em homenagem ao Senhor Bom Jesus, realizada até os dias atuais, segundo registro da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

1793

Reestruturação da Capela de Bom Jesus de Pirapora, elevada à categoria de Santuário.

1884

Segundo o livro Tombo do Santuário, um jornal sediado na cidade de São Paulo acompanhou a construção do Santuário e divulgou a história dos milagres da imagem, espalhando a informação e atraindo fiéis e curiosos para o local.

1887

Fim das obras do Santuário do Bom Jesus, que tornou-se rapidamente o principal ponto turístico da região.

1892

Criação do distrito denominado Pirapora, ainda subordinado ao município de Santana de Parnaíba.

1897

O Santuário do Senhor Bom Jesus ganhou status de Paróquia, desmembrando-se da Paróquia de Santana de Parnaíba.

1925

Celebração do segundo centenário da Capela de Pirapora do Bom Jesus.

1937

O escritor Mário de Andrade realizou uma extensa pesquisa sobre o samba e denominou Pirapora do Bom Jesus como berço do samba paulista.

1940

A partir da década de 1940, Pirapora do Bom Jesus foi reconhecida como o principal destino religioso de São Paulo, atraindo milhares de romeiros. O fluxo de visitantes começou a diminuir a partir de 1980, com a construção da Basílica de Nossa Senhora Aparecida.

1944

O distrito de Pirapora passou a ser oficialmente chamado de Pirapora do Bom Jesus.

1959

Distrito foi elevado à categoria de município e se emancipou de Santana de Parnaíba.

1992

O político Raul Bueno, figura ativa na cidade, foi eleito o mais jovem prefeito do estado de São Paulo, aos 24 anos, pelo antigo PSD. Ele foi reeleito em 2001 e 2004, desta vez pelo PSD.

2000

A partir do início dos anos 2000, a poluição do Rio Tietê se torna mais intensa, com presença de espuma tóxica nas águas do rio. O problema causou uma queda substancial (pelo menos 40%) na frequência de romeiros.

2012

Após romper com seu aliado Raul Bueno, o também político Gregório Maglio (MDB) foi eleito pela primeira vez para o cargo de prefeito de Pirapora do Bom Jesus.

2014

Teve início a publicação do jornal O Piraporano, que circulou até meados de 2015. O veículo tinha sua sede em Alphaville, bairro nobre de Barueri.

2016

Raul Bueno foi reeleito, mas devido a irregularidades administrativas em sua campanha, acabou impedido de assumir o cargo. A função foi assumida interinamente pelo Presidente da Câmara dos Vereadores à época, Danny Floresti (PSD).

2017

Início da publicação do jornal Pirapora em Notícias, que esteve em circulação até meados de 2018.

2018

Em uma eleição suplementar, Gregório Maglio (MDB) foi eleito para seu segundo mandato, com duração de dois anos. Ele venceu a candidata Andrea Bueno (PSDB), esposa de Raul Bueno.

2020

O então Presidente da Câmara dos Vereadores, Danny Floresti (PSD), aliado de Gregório, candidatou-se e venceu as eleições municipais, mais uma vez enfrentando Andrea.

2022

Lançamento do informativo “Pirapora do Bom Jesus - Cidade de Fé”, da Secretaria de Comunicação da prefeitura municipal.

2024

Realização das eleições municipais, com Raul Bueno (PTB*) e Gregório Maglio (MDB*) como pré-candidatos na disputa eleitoral.

*Informação de 3 de junho de 2024

Quem fiscaliza o poder público?

Apesar de grande volume de informações circulando em Pirapora do Bom Jesus, população reclama que conteúdos servem a interesses políticos

Cinco dias de imersão da equipe da Mural em Pirapora do Bom Jesus. Pelo menos 15 entrevistados e uma lista em mãos dos principais canais de comunicação dos piraporanos: boca a boca, carro de som, grupos de Whatsapp, site da prefeitura, lives do prefeito, perfis em redes sociais, avisos nas igrejas e os canais oficiais vereadores – apontados como o principal meio de denúncias e investigações.

Ao todo, são nove vereadores no legislativo municipal, com atuações muito diferentes quando o assunto é comunicação. No Instagram da vereadora Khaterine Silva (PSD), única mulher eleita, e de Cidinho (PT), por exemplo, o tom é neutro. Já o perfil do presidente da Câmara, Rodrigo Brito (MDB), aliado do prefeito Dany Wilian Floresti (PSD), é usado para divulgar os pontos altos da gestão.

A oposição é representada pelos vereadores Helton Bananinha (Republicanos), Elias Araújo (Republicanos) e Roge Baudichon (União), este último pré-candidato a vice-prefeito e uma espécie de influencer “fiscal do povo”. A bordo de seu “gabinete móvel” ele percorre a cidade gravando vídeos sobre a falta de remédios, saneamento, atendimento médico e ônibus para os moradores, ao mesmo tempo em que divulga ações sociais.

"Tudo da cidade a gente vai ouvir, sempre, da boca de algum vereador. Ficamos a esmo de uma notícia que não seja de um político"

Jeanderson Gomes dos Santos, 34, trabalhador da construção civil e morador do bairro Parque Payol.

Esse tom de “assessoria de imprensa”, como define o morador e designer Mário Rodrigues, 34, incomoda. “É uma forma dos gestores garantirem seus interesses pessoais. Eu percebo que, nas cidades vizinhas, as pessoas têm voz mais ativa para cobrar da gestão pública, acho que também por terem mais acesso à informação.”

Se os vereadores têm o importante papel de denúncia, a sessão da Câmara é um lugar central para obter informações em primeira mão, questionar e cobrar respostas. Ou ao menos deveria ser.

Os encontros ocorrem a cada 15 dias no centro da cidade, das 18h às 19h, sempre transmitidos pelo Facebook. A Mural esteve presente na sessão de 5 de março para conferir de perto o tom dos debates. Excluindo assessores e funcionários públicos, não havia munícipes presentes. O vereador Roge Baudichon gravava stories no intervalo de cinco minutos anunciado pelo presidente da Câmara – mesmo após 25 minutos de atraso no início da sessão.

Mais tempo foi dedicado à espera do que à discussão de propostas e projetos para a cidade. Ao todo foram 20 minutos de poucas falas e leitura apressada dos projetos de lei, que incluíam, na data, a criação de um local para a soltura de pipas e distribuição de repelentes para mosquitos nas escolas.

A dinâmica foi muito diferente das demais sessões que a equipe acompanhou pela internet, geralmente mais longas e marcadas por discussões mais acaloradas.

Como pontua Dubes Sônego, pesquisador do Atlas da Notícia, quando se vive em um deserto de informação, perde-se a busca pela “verdade factual”, e a opção é confiar no que se ouve ou no que se vê nas redes sociais.

“Você não tem uma fonte de informação jornalística fazendo a distinção do que é fato ou do que é opinião, e isso fragiliza a cidade e favorece a circulação de fake news.”

Dubes Sônego, pesquisador do Atlas da Notícia

Como se manter bem informado em um deserto de notícias

1

Cheque as informações: recebeu uma notícia bombástica pelo WhatsApp ou ficou sabendo de uma supernovidade na conversa com um vizinho? Antes de passar a informação adiante, vale checar se ela é verdadeira. Busque canais oficiais relacionados ao assunto em questão

2

Acompanhe a prefeitura, Câmara e portais de transparência: Os canais oficiais dos poderes municipais são uma forma interessante de saber o que acontece na sua cidade, incluindo os sites de Tribunais de Justiça e de Contas. Eles são bons caminhos inclusive para cobrar informações e respostas para problemas da sua cidade

3

Esteja bem informado sobre assuntos gerais: se você sabe que o governo federal anunciou a criação de um novo programa social, cobre os gestores públicos da sua cidade sobre quando e como ele chegará até você. Vale também acompanhar veículos de imprensa sediados em cidades vizinhas que cubram seu município

4

Fortaleça a comunicação pública e independente: é fato que as empresas privadas de comunicação tendem a ficar concentradas nas cidades maiores, onde terão mais lucro. O caminho, então, é ler, assistir, ouvir e divulgar o jornalismo local, independente ou público, que têm compromisso com a comunicação

Pobreza e comunicação

Pirapora apresenta baixos indicadores socioeconômicos; sem imprensa é difícil saber o que é feito para mudar essa realidade

Jornalismo local e pobreza não são temas que convergem com facilidade. Por isso, é crucial lançar luz sobre essa relação, especialmente quando se está em um contexto de escassez de notícias e em um dos municípios mais pobres da região metropolitana de São Paulo.

A vulnerabilidade social de Pirapora do Bom Jesus é acentuada por essas duas características. O que a prefeitura e os vereadores estão fazendo para reduzir a pobreza e a desigualdade? Quem garante que essas ações estão sendo efetivamente implementadas e gerando resultados? Poucos dos moradores entrevistados souberam responder a essas perguntas.

“Não faço ideia do que está sendo feito com o nosso dinheiro, mas vivemos em um município onde a educação e a saúde são precárias. Voltei a estudar para tentar ter uma melhoria de vida e no futuro conseguir dar melhores oportunidades para o meu filho”, conta a revendedora de cosméticos, Geyssyane Delmontes, 26, do Parque Payol.

A situação é representada em números: entre os 645 municípios do estado de São Paulo, Pirapora do Bom Jesus fica no grupo dos com menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), na posição 418º, segundo levantamento de 2010, último disponível.

"Não é uma relação de causa e efeito, mas é possível perceber que as cidades com mais veículos de comunicação possuem um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) maior", afirma Dubes Sônego, jornalista e pesquisador do Atlas da Notícia. “Olhando para o Brasil e para a região sudeste, é possível dizer que as cidades que são desertos de notícias são cidades pequenas e mais pobres. Existe uma relação entre o dinamismo econômico e a quantidade de veículos regionais.”

Segundo Sônego, um dos aspectos mais marcantes dos desertos de notícias é a perpetuação dos mesmos grupos políticos no poder municipal.

É o que a psicologia define como Efeito Dunning-Kruger. “Se fala que quanto mais ignorante você é em relação ao assunto, menos você consegue perceber que você é ignorante em relação àquilo”, explica Sônego, ressaltando que os moradores de desertos de notícias não reconhecem a falta que faz um jornal independente por nunca terem tido este tipo de cobertura jornalística na cidade.

“A grande maioria das pessoas daqui é pobre e batalha muito para levar alimento para casa, porque não há emprego. Alguns trabalham nos condomínios de Alphaville [bairro rico de Barueri] como cozinheiros, faxineiros, jardineiros e eletricistas”

Padre Marcelo Magalhães

Cidade dividida

Como o bairro que “decide as eleições” pode ser “esquecido” pelo poder público?

Era a primeira noite em Pirapora do Bom Jesus. A equipe da Mural estava na cidade para entender como as juventudes periféricas são afetadas pela ausência de jornalismo profissional e independente. Qual seria um bom lugar para começar? A escola.

E não qualquer colégio: estamos falando do maior centro educacional do município, localizado na periferia de Pirapora, no Parque Payol, distante quatro quilômetros do centro. O local é conhecido por reunir a maioria da população, o comércio mais aquecido, o maior número de eleitores e também os principais problemas socioeconômicos, inclusive a falta de informações oficiais e confiáveis sobre a cidade.

Foi Messias Novaes, diretor da Escola Estadual Parque Payol, que conduziu a equipe até a sala de aula da EJA (Educação de Jovens e Adultos). Curiosidade, receio, vergonha… eram muitos os sentimentos da turma que, com jeitinho, topou participar de uma roda de conversa sobre a ausência de jornalismo no município.

“OK. Take 1, gravando!”. Uma respiração profunda para relaxar e as perguntas: “O que vocês entendem por ‘deserto de notícias’?” e “Como é viver em um?”.

Quem mora no Payol enfrenta grandes desafios para se informar. Muitas vezes, é preciso se locomover até o centro para acessar informações básicas, como saber quando começa uma campanha de vacinação ou o início das atividades extracurriculares para crianças e adolescentes. “É como se fossem duas cidades divididas: o centro e o Parque Payol”, define a diarista e cabeleireira Aline Morais, 32.

Quem concordou foi a estagiária da turma e moradora do centro de Pirapora, Maria de Fátima, 41. “Estou percebendo que existe um contraste do centro para cá [Payol]”. Estava dado o ponto alto do debate – que já não era mais preciso que os repórteres fizessem perguntas.

“Minha filha fez Projovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens), conseguiu o primeiro emprego, estudou e hoje está em Portugal”, conta Maria de Fátima.

“Já meu filho mais novo não se matriculou no Projovem porque as vagas acabaram antes de eu ficar sabendo que estavam abertas”, lamenta a profissional de apoio escolar Josiane Rocha dos Santos, 47, moradora do Payol. “Nunca tivemos notícias do que acontece na cidade”.

Este desencontro de informações, não é incomum em um deserto de notícias. Segundo o pesquisador da organização Atlas da Notícia, Dubes Sônego, a tendência é que sempre haja uma cobertura mais intensiva de regiões centrais em comparação com as periferias. “A população periférica no deserto notícias acaba sendo mais afetada porque elas estão mais distantes do centro de decisões da cidade”, afirma.

“No Payol pode até ter mais movimento, mas as pessoas que estão no centro acabam tendo mais informações e mais oportunidades, por estarem perto da prefeitura, da igreja e da Câmara Municipal. Nós estamos mais distantes e até ir para o centro de transporte público é difícil”

Aline Morais, 32, cabeleireira

Um deserto de notícias nas eleições

Como se dá o debate político em um município sem jornalismo local independente?

Vinte e oito votos. Essa foi a diferença entre o primeiro e o segundo colocado nas eleições para prefeito de Pirapora do Bom Jesus em 2012, quando Gregório (então PMDB) venceu o opositor Raul Bueno (PSDB). De lá para cá, os dois principais nomes da política piraporana seguem revezando o poder – entre eles e seus aliados —, e a diferença de votos entre os primeiros colocados continua pequena: 746 no pleito de 2016 e 810 em 2020.

“Uma família em Pirapora muda completamente as eleições. Se eu passei em uma casa e meu opositor esqueceu, eu posso ganhar as eleições por isso. Se na saída da missa de domingo eu conversei com a família do seu José, mas não conversei com a família do seu Pedro, eu posso perder a eleição”, conta o jornalista Leandro Daher, que mantém o Jornal Anhanguera, um periódico sobre política da vizinha Santana do Parnaíba, que eventualmente cobre Pirapora do Bom Jesus.

Esse é o caldo político em uma cidade pequena, com economia pouco aquecida, baixos indicadores socioeconômicos e sem iniciativas de jornalismo local e independentes sediadas nela para fazer contrapontos, denúncias e investigações.

“Fica a nosso critério seguir vereadores para saber os problemas da cidade e o que está sendo feito. A prefeitura não divulga tudo o que acontece, com a clareza que deveria”, reclama o trabalhador da construção civil Jeanderson Gomes dos Santos, 34, morador do Payol.

No bairro, conhecido por decidir as eleições, funciona a emissora de rádio a Nova Pirapora FM, na frequência comunitária 87,5. Ela reúne histórias que vão muito além do papel previsto para a comunicação comunitária.

Ouça a história completa:

“Não existe cobertura jornalística das eleições em Pirapora. É muito difícil fazer jornalismo em uma cidade pequena indo contra quem tem mais poder”

Leandro Daher, jornalista

A imprensa pode ajudar a resolver problemas sociais?

Lei garante canais oficiais de prestação de contas, como portais de transparência; o quanto eles são acessíveis para a população?

Depois da imersão em um deserto de notícias, essa era a pergunta que não queria calar. Qual seria o papel do jornalismo profissional? Ele ajudaria a amenizar essas lacunas?

“O jornalismo é uma etapa para resolução de problemas. O jornalista não é a resolução de problema”, afirma Eugênio Bucci, professor titular da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), em conversa com a Agência Mural.

Segundo ele, a principal função do jornalismo responsável é auxiliar a população a reconhecer pautas importantes para sua cidade. “[O jornalismo deve] informar a sociedade para conectá-la a debates de interesse público, mas isso é pouco para resolver todos os problemas. Se o jornalismo trouxer informação de qualidade, ele já ajuda muito”.

É importante destacar que o jornalismo não é a única maneira de promover transparência nas informações. O próprio poder público tem a obrigação de garantir essas informações, como define a Lei de Acesso à Informação. Ela prevê uma série de mecanismos que permitem aos moradores acompanhar dados, como os canais oficiais de prefeituras, de câmaras municipais e portais de transparência de órgãos judiciários.

No caso de Pirapora, tanto a Prefeitura como a Câmara Municipal possuem portais de transparência e prestação de contas. O primeiro ainda destaca as compras emergenciais realizadas durante a pandemia de Covid-19. O segundo exige que o cidadão tenha dados precisos sobre a informação que procura, como data de prestação de um serviço ou CNPJ da empresa contratada. Os últimos balanços de prestação de contas e relatórios de gestão fiscal disponíveis são de 2022 e o último balanço de contas do Executivo é de 2018.

Ouça o papo completo com Eugênio Bucci:

“O jornalismo não governa, não legisla, não faz julgamento, não exerce poder judiciário. O jornalismo é apenas uma instituição social que contribui para mediar o debate público e para fiscalizar o poder”

Eugênio Bucci, professor titular da USP

5 impactos vividos por quem está em um deserto de notícias

1

As informações circulam de forma diferente pelo território: quem está no centro da cidade e mais próximo aos locais de tomada de decisão, como a prefeitura e a Câmara Municipal, acaba tendo mais acesso à informação e se beneficiando dela

2

A população mais pobre tende a perder oportunidades de estudo e trabalho: notícias sobre benefícios sociais, cursos de qualificação profissional e feirões de empregos não circulam com a precisão devida entre quem mais precisa

3

O debate público pode ser pautado por interesses particulares: os vereadores são responsáveis por fiscalizar a prefeitura, enquanto são fiscalizados por eles mesmos, o que pode favorecer interesses pessoais

4

A ausência de jornalismo dificulta o combate às fake news: em um deserto de notícias, o boca a boca e as redes sociais se tornam as principais fontes de informações. Não demora para que a foto ganhe um contexto diferente da realidade em um grupo de WhatsApp, e sem alguém para checar e desmentir, a desinformação se espalha rapidamente

5

Sem contraponto às propostas dos candidatos nas eleições, fica a questão: eles podem até chegar à sua casa prometendo mundos e fundos, mas todas essas promessas estão ao alcance de um vereador ou prefeito? Eles fizeram o que prometeram na última eleição? Quem estará lá para verificar essas informações?

Bastidores

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Bastidores da entrevista com Maria de Fátima @Jacqueline Maria da Silva

PPrimeira imersão da equipe da Agência Mural em Pirapora do Bom Jesus, no morro do Cabreúva @Léu Britto

Segunda imersão da equipe, no Parque Payol, para registro de imagens áreas @Léu Britto

Equipe de reportagem se prepara para entrevistar o jornalista Leandro Daher @Léu Britto

Fotógrafo Léu Britto em clique no Morro do Cabreúva @Rômulo Cabrera

Cinegrafista Rômulo Cabrera produz imagens da liderança comunitária Jakeline @Léu Britto

Preparação para entrevista com o jornalista Leandro Daher @Jacqueline Maria da Silva

Equipe explica a pauta para Antônio Juarez de Oliveira, pouco antes da gravação da entrevista @Jacqueline Maria da Silva

Repórteres Jacqueline Maria da Silva e Artur Ferreira em entrevista no centro de Pirapora do Bom Jesus @Sarah Fernandes

Esta reportagem foi produzida com apoio:

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Reportagem: Artur Ferreira | Jacqueline Maria da Silva | Sarah Fernandes

Fotos: Léu Britto

Vídeos: Rômulo Cabrera | Léu Britto

Montagem e finalização do vídeo: Rômulo Cabrera

Podcasts: Artur Ferreira | Jacqueline Maria da Silva | Rômulo Cabrera | Sarah Fernandes

Infográficos: Paulo Talarico | Magno Borges

Dados: Paulo Talarico

Artes: Magno Borges | Matheus Pigozzi

Redes sociais e distribuição: Isabela Alves | Iasmim Monteiro

Programação: Amanda Gedra

Coordenação e edição: Sarah Fernandes

Direção de Jornalismo: Vagner de Alencar

Direção de Negócios e Tecnologia: Anderson Meneses