Antônio Agenor viu no Sítio do Piqueri, zona norte da capital paulista, o lugar ideal para viver. De seus 71 anos, 50 deles são dedicados à região próxima ao Parque Estadual da Serra da Cantareira. O preço baixo do aluguel, em comparação ao centro de São Paulo, e a densa cobertura vegetal explicam o amor pelo local.
Segundo dados do Mapa da Desigualdade de 2017, somente no distrito do Jaçanã/Tremembé, onde vive o motorista Agenor, há 89% de área verde por habitante.
“A gente respira melhor aqui. A temperatura é mais agradável do que no centro. Por isso aqui é melhor do que em muitos lugares. Não quero morar em outro local”, destaca o morador.
Mas o que poucos sabem é que essa região de extensa mata faz parte da zona de amortecimento do Parque Estadual da Cantareira.
O que significa que área faz parte de uma unidade de conservação, sujeita a restrições e normas para as atividades humanas, com o objetivo de minimizar os impactos negativos locais, de acordo com o artigo 2º, inciso XVIII da Lei do SNUC (Lei nº 9.985/2000).
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Poluição, exploração de minérios, ocupações, contaminação e compactação do solo estão na lista de impactos a serem combatidos. Por essa razão, a zona de amortecimento funciona como um “escudo”, buscando preservar a região.
“Ela [a zona de amortecimento] basicamente serve para atenuar problemas de atividades urbanas. Vamos entender assim. A zona amortece o que acontece dentro do parque”, sintetiza Barbara Junqueira, gestora do PAVS (Programa Ambientes Verdes e Saudáveis).
Bárbara esteve presente no “Fórum Entre o Urbano e a Floresta: Zona de Amortecimento da Serra Cantareira – Desafios e Aproximações’’, que aconteceu na Prefeitura Regional de Santana/Tucuruvi, no início de junho.
Atualmente, cerca de 1,2 milhão de famílias vivem em situação precária, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Habitação. Por conta do déficit habitacional na cidade, a população tem avançado cada vez mais adentro das zonas de amortecimento.
“Nessas áreas de amortecimento algumas práticas são possíveis, mas moradias intensas não são o mais adequado. Quando você as tem, há também uma pressão sobre a área de vegetação e as matas, ocorrendo o desmatamento”, afirma Bárbara.
Segundo Andressa Rhein, coordenadora de fiscalização do DGI Norte-2, essas áreas acabam “sobrando” para parte da população que não tem onde morar, gerando uma pressão no ambiente e surgindo favelas. Além das ocupações irregulares, outra problemática são os aterros sanitários clandestinos.
“Temos muitas ocupações irregulares construídas em cima de lixos, que muitas vezes nem sabemos o que tem ali dentro. Podendo até ser resíduos hospitalares e orgânicos que trazem de vários lugares por ser mais barato”, afirma Andressa.
Para Silmara Marques, diretora do Departamento de Gestão Descentralizada (DGD) Norte-2, da Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura Regional de Santana/Tucuruvi, nesses locais estão presentes diferentes tipos e condições de moradia, não somente favelas.
“Fizemos uma estimativa com o IBGE, e só nas zonas de amortecimento temos 170 mil pessoas. É heterogêneo, diverso, porque você tem desde condomínios e mansões, que são legais, de alto padrão, até barracos”, conta.
“Tudo na região da face norte no Parque Estadual da Cantareira, que pega desde Pirituba, segue para Guarulhos, Caieiras, e vai até Mairiporã [na Grande São Paulo]”, acrescenta.
Segundo a diretora, no entanto, apesar de uma das funções da zona seja intervir o avanço da população nessas áreas preservadas, retirar as pessoas desses locais não é uma possibilidade viável.
“Uma única intervenção de um formato, não resolveria. Precisamos conhecer quais são as pressões e fazer por etapas a recuperação desse lugar com as pessoas, discutindo em conjunto internamente para refletirmos sobre o espaço não só de maneira racional”, explica.
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Silmara acredita que é possível existir uma relação de convivência entre habitação e zona de amortecimento, a partir do diálogo, para que ambos coexistam em harmonia.
“A gente não tem que tratar o tema habitação com um engenheiro e um arquiteto. É preciso tratar sobre habitação com ecólogos, biólogos, assistentes sociais, sociólogos e outros profissionais, porque, do contrário, você reproduz esse mesmo modelo – um modelo fracassado”, diz Silmara.
“Há saída, mas ela não será com o poder público orientando, mas, sim, com a força da população cobrando um novo olhar para esse território”, finaliza.