Ter experiência. Esse é o principal obstáculo apontado por Aline Silva e Luanna Romão, ambas de 26 anos, em relação à dificuldade em encontrar emprego.
Aline não tem a carteira assinada há quatro anos. Depois de ficar muito tempo parada e depender de dinheiro, como qualquer outro morador da cidade de São Paulo, ela resolveu vender produtos de beleza de porta em porta. Hoje, quer voltar para o mercado formal.
“As vendas não andam nada bem e preciso de um salário fixo para voltar a estudar”, relata a autônoma.
Faz um ano e meio que, por razões financeiras, ela trancou o curso de direito. Agora a moradora de Parelheiros, zona sul da capital paulista, se vê refém da situação em que se encontra.
LEIA MAIS
Dobra preconceito no trabalho contra mulheres da zona norte de SP
Na prática, Aline precisa de um emprego para conseguir um diploma universitário, mas não consegue porque precisa dele para conseguir um emprego.
Ela também precisa de experiência, como é exigido na maioria das vagas, mas fica ainda mais difícil obtê-la no mercado de trabalho, pelo fato ser mulher.
Segundo um estudo da Google Consumer Survey relatado na pesquisa “Viver em São Paulo: Mulher e a Cidade”, realizada pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope, para a mulher ingressar no mercado de trabalho, é sete vezes mais importante ter um diploma universitário do que para os homens na mesma faixa etária.
A pesquisa também apurou que 60% das mulheres declaram ter menos oportunidades no mercado de trabalho do que os homens.
Quem passa pela mesma situação é a Luanna Romão. Ela está há quatro meses desempregada e também desabafa sobre a falta de experiência na área.
“As vagas exigem, sobretudo, experiência, além de níveis avançados. Não tenho experiência e isso acaba me impossibilitando de sequer tentar alguma vaga na área.”
Para a designer, para ter algum histórico na área, alguém precisa dar uma chance primeiro. Mas em vez de achar oportunidades, ela encontra provocações e desconfiança.
“Já participei de um processo seletivo em que só foram selecionados homens. A justificativa era que já estavam acostumados com funcionários masculinos. Até mesmo em rodas de conversa, se você demonstrar interesse por tecnologia, eles te testam, para saber se você realmente entende”
Luanna Morão, moradora do Butantã, zona oeste de São Paulo.
Um estudo americano divulgado em 2017 pela Universidade da Califórnia e pela Universidade do Sul da Califórnia confirmou que mulheres, em entrevistas de emprego, são interrompidas mais vezes do que o gênero contrário. Os pesquisadores também afirmam que elas costumam receber mais perguntas, nas quais costumam ser intimidadoras e exigentes.
Mesmo com realidade e contexto distantes entre a cidade de São Paulo e Califórnia, o machismo e as questões de gênero são bem parecidas em toda a parte ocidental do mundo.
“Para as mulheres eles sempre perguntam se elas são casadas e têm filhos, como se o filho fosse responsabilidade apenas da mulher. Normalmente falam que ter um filho pode atrapalhar diretamente a função dela no trabalho”, lembra Luanna.
Além das perguntas intimidadoras, o racismo também influencia nas contratações. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as mulheres negras são 50% mais vulneráveis à situação do desemprego quando comparadas à população em geral.
Caroline Gois, 24, sentiu isso na pele quando tentou ingressar na área de direito, ainda na faculdade.
Ela ficou um ano desempregada — o tempo médio de 45% das mulheres entrevistadas pela Rede Nossa São Paulo. Agora, formada, conseguiu um emprego no terceiro setor, em um escritório.
“Senti dificuldades em algumas entrevistas que já fiz, por conta de não me sentir representada no ambiente, sendo a área de direito tão elitista. Eu perdi oportunidades pela minha aparência, especificamente com relação ao cabelo armado.”
Para ela, isso não começa na entrevista. Tudo faz parte de uma cadeia que passeia por todo o ambiente acadêmico e financeiro.
Com base em sua experiência na faculdade, a advogada acredita que as pessoas não compreendem que o fato dela ser mulher, negra e periférica a coloca em menos vantagem que os demais.
“Isso é evidenciado quando não se vê alunos negros sendo maioria nas salas de aula”, completa.
“As pessoas esquecem de pensar que isonomia também é constitucional, e isso implica em ações afirmativas, por exemplo, como forma de busca por equilíbrio”
Caroline Gois, advogada
No entanto, a isonomia, direito que garante a igualdade de todos perante a lei, não lhe é garantida na maioria das vezes. A advogada relata que, ao longo dos cinco anos de graduação, somente em um escritório no qual estagiou havia uma mulher negra advogada.
Recém-empregada, ela se vê na mesma situação, como a única em seu ambiente de trabalho. Além disso, não teve nenhuma professora negra ao longo da formação acadêmica.
VEJA MAIS
Zona sul de SP lidera o número de notificações de agressão a mulheres
Em todos os âmbitos sociais e de formação, a mulher sente dificuldade de conquistar independência e um emprego formal. Como resultado, elas são maioria entre os microempresários que empreendem por necessidade (48%), de acordo com dados do Anuário dos Trabalhadores das MPE, publicado pelo Sebrae em 2018.
O caminho da desigualdade, que já começa no campo do conhecimento acadêmico e formação técnica, não tem um fim positivo para quem é mulher em São Paulo.
As dificuldades e barreiras são encontradas a partir do momento em que lhe é exigido mais conhecimento e, ao mesmo tempo, desdenhado conhecimento; em que lhe é exigido mais experiência, porém negado entrada no mercado de trabalho.
Na vida real, nada consegue ser conquistado sem capital financeiro, e o maior sonho dessas mulheres é só a garantia de uma estabilidade no fim do mês.
https://32xsp.org.br/2017/10/30/unico-centro-de-referencia-a-mulher-da-zona-leste-continua-fechado-em-sao-miguel-paulista/