Cleberson Santos/Agência Mural
Por: Cleberson Santos
Notícia
Publicado em 07.02.2023 | 19:00 | Alterado em 14.02.2023 | 11:56
A crise humanitária envolvendo as crianças da etnia yanomami, em Roraima, vem sendo um dos principais assuntos dos jornais nas últimas semanas. As situações de fome e doença relatadas pela tribo chocaram boa parte da população, inclusive indígenas que estão longe do norte do país.
É o caso do cacique Marcio Mendonça Boggarim, 37. Ele é uma das lideranças da Tekoa Yvy Porã, uma das seis aldeias guaranis que vivem na região do Jaraguá, zona noroeste de São Paulo.
“Causa uma revolta muito grande. Primeiro pelo governo ter deixado chegar a tal ponto, de deixar os yanomami começarem a morrer. Isso é o que destrói nosso sentimento. Muitos grupos de liderança estão revoltados e ao mesmo tempo tristes com essa situação”, relata.
A Tekoa Yvy Porã está a mais de 4,5 mil km de Boa Vista, capital de Roraima. Boggarim conta que não tem contato com lideranças locais e que as informações que recebe são via imprensa, pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) ou por organizações como a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil).
“A gente não pode fazer tanta coisa assim por eles. Uma reação, uma ajuda, fica muito difícil pela distância que a gente se encontra”, lamenta.
A situação enfrentada hoje pelos indígenas yanomamis é resultado do avanço do garimpo ilegal nos últimos anos e do descaso do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com o líder Junior Herukari, em entrevista ao GloboNews, 60 pedidos de auxílio foram feitos durante os quatro anos da última gestão federal. Nenhum deles foi atendido.
Um levantamento feito pelo recém-criado Ministério dos Povos Indígenas, do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estima que 570 crianças yanomamis tenham morrido por desnutrição e fome, e pela contaminação dos rios por mercúrio – 99 delas somente no ano passado.
Em 2022, a ação de garimpeiros criminosos cresceu 54% dentro do território da tribo.
Ocupando uma área remanescente de mata atlântica dentro da capital paulista, as aldeias que vivem no Jaraguá não enfrentam problemas por conta da poluição dos rios. O maior desafio deles nesses últimos anos vem sendo a especulação imobiliária.
“Sofremos uma pressão muito grande de empresas que vêm para cada vez mais [perto], beirando o nosso território, com empreendimentos, construção de moradias e prédios”, relata Boggarim.
No início de 2020, indígenas da região ocuparam por mais de um mês um terreno onde cerca de 500 árvores foram derrubadas para a construção de um empreendimento residencial.
“Na gestão dele [Bolsonaro], as empresas falavam muito que, pelo governo federal e até pela Funai, o que vinha é que a população indígena não precisava ser consultada, e que os empreendimentos podiam ser feitos da forma que a empresa quisesse, que estava sendo autorizado pelo governo”, diz.
A Funai foi criada em 1967 para coordenar e executar as políticas indigenistas do governo federal. Durante a gestão de Bolsonaro, o órgão foi constantemente precarizado, cumprindo principalmente a promessa do ex-presidente de “não demarcar um centímetro de terra indígena”.
O cacique conta que, muitas vezes, a Funai de São Paulo não prestou atendimento à aldeia. “Não exatamente porque ela não queria, mas porque a ordem de Brasília, que vinha de Bolsonaro, era de não atender às nossas demandas”, relata.
“Até o combustível do carro de saúde que atende a população que precisa ir para o hospital, que precisa de atendimento na cidade, não dava conta. Sofremos uma precariedade nesse sentido e sentimos muito essa falta do governo federal, de atender às nossas demandas mais emergenciais”, completa.
Para a nova gestão de Lula e da ministra dos povos indígenas, Sônia Guajajara (PSOL), a perspectiva de Boggarim é de que seja minimizado “tudo aquilo que foi negado” durante os quatro anos anteriores.
“É um processo que vai demorar. O retrocesso que a gente sofreu foi muito grande, vai minimizar, mas não vai consertar tudo de uma vez. Esses quatro anos são poucos para o trabalho que precisa ser feito nos territórios indígenas”
Marcio Boggarim, liderança guarani
Fora o avanço das empreiteiras, ele conta também que, durante a última gestão, cresceram as mensagens de ódio e o preconceito contra os guaranis.
“A gente também sofreu bastante com comentários desrespeitosos e discriminatórios. A gente é muito ativo nas redes sociais, falando da nossa luta, da questão do território do Jaraguá. Isso trouxe uma questão de intolerância para com nosso povo aqui”, comenta.
Além dos Yvy Porã, outras cinco aldeias guaranis ocupam o chamado Território Indígena Jaraguá: Pyau, Itakupe, Ita Endy, Ita Vera e Ytu. Segundo a prefeitura de São Paulo, 719 indígenas vivem nesta área.
Mesmo com o crescimento deste discurso de ódio, o cacique enxerga que o diálogo com os juruá (como são chamados os não indígenas) é importante não só para a aldeia, mas também para a conscientização da população da cidade.
“A pessoa não vem aqui para fazer um turismo, conhecer a aldeia da forma como ela quer, e sim da forma que nós organizamos e vemos que é importante. Baseado nisso, tenho certeza que cada um que visita nossa terra leva esse sentimento de que precisa mudar as atitudes, de que a gente precisa se renovar para o bem”.
No último fim de semana de janeiro, a Tekoa Yvy Porã recebeu um festival de música e arte que visava promover essa conexão entre os indígenas e a cidade. Boggarim participou liderando uma trilha que visava não apenas conhecer o território, mas também explicar a cultura e o impacto ambiental de costumes mantidos pelos guaranis.
De acordo com a organização do evento, cerca de 1,6 mil pessoas visitaram a Yvy Porã durante o festival.
Esta reportagem foi produzida com apoio da Report For The World
Correspondente do Capão Redondo desde 2019. Do jornalismo esportivo, apesar de não saber chutar uma bola. Ama playlists aleatórias e tenta ser nerd, apesar das visitas aos streamings e livros estarem cada vez mais raras.
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