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Agência de Jornalismo das periferias

Léu Britto/ Agência Mural

Por: Jacqueline Maria da Silva

Notícia

Publicado em 30.08.2024 | 19:41 | Alterado em 04.09.2024 | 11:49

Tempo de leitura: 4 min(s)

Giovana Manaro dos Santos, 44, comanda há 12 anos uma loja de roupas no Jardim Prudência, em Cidade Ademar, zona sul de São Paulo. Durante o inverno, seus manequins parecem encenar a famosa cena do filme “Karatê Kid” (2010), com o icônico “Pega casaco, bota casaco, tira casaco”, do personagem Senhor Han, interpretado por Jackie Chan. “Temos todas as estações em um só dia”, diz a comerciante.

As temperaturas acima da média trouxeram novos desafios para empreendedores das periferias de São Paulo, que precisaram se adaptar às mudanças no clima, e no comportamento dos consumidores.

“Antigamente, as clientes compravam várias peças de uma vez, confiando nas estações. Agora, tudo mudou”, declara Giovana.

Giovana Manaro dos Santos, comerciante em Cidade Ademar, zona sul de SP

Giovana Manaro dos Santos, comerciante em Cidade Ademar, zona sul de SP @Jacqueline Marida Silva | Agência Mural

O inverno de 2023 foi um dos mais quentes desde 1961 em São Paulo, com mais de 50 dias de temperaturas elevadas em agosto e setembro. Esse padrão é atribuído ao aquecimento global, indicando que recordes e mudanças climáticas serão mais frequentes no Brasil. Em agosto deste ano, as temperaturas foram ainda mais altas que em julho, em alguns dias superando 2,5 graus acima da média esperada, com oscilações e ondas de calor durante o inverno.

Fonte: Inmet e Climatempo

Esse cenário se repete no Restaurante e Pizzaria Maria Guerra, em Poá, na Grande São Paulo, onde Suelen Cristina Moreira, 39, luta para manter a lucratividade em meio às oscilações de preço de ingredientes básicos. “Com as ondas de calor, cebola e alho ficaram muito caros, e isso diminuiu nosso lucro”, lamenta.

No setor alimentício, as variações climáticas impactam a agricultura, afetando a safra e colheita, o que ajuda a elevar os preços para o consumidor. Já no setor de vestuário, a imprevisibilidade do clima dificulta o planejamento de estoques, especialmente de peças de inverno, que, sendo mais caras, aumentam o risco de prejuízos para os comerciantes.

Para Adriana Barbosa, fundadora do Instituto Feira Preta/ Preta Hub, organização que fomenta o empreendedorismo negro, esses dois setores são os mais afetados, especialmente nas periferias.

“Um empreendedor que está na área da gastronomia precisa comprar o produto para produzir pratos em um restaurante, por exemplo. Tanto o excesso de calor quanto a questão da chuva influenciam a produção agrícola, e isso acaba repassando o aumento do custo do produto diretamente para o consumidor. Assim, aquele prato que custava R$ 20 ou R$ 30 pode chegar a R$ 50”, pontua.

Risco calculado

Para sobreviver a essas dificuldades, Giovana adotou uma estratégia aprendida na faculdade de moda: antecipar a troca de coleções e liquidar estoques antes que as mercadorias percam valor. Além disso, ela implementou promoções progressivas no meio da estação para evitar perdas e renovar o estoque antes dos grandes varejistas.

“Eu me antecipo às grandes lojas, oferecendo descontos menores enquanto elas continuam com o preço cheio. Quando elas entram em liquidação, já tenho novidades na loja.”

Oferecer roupas básicas para o ano inteiro e montar vitrines meia-estação foram estratégias extras, já que as táticas usadas para públicos de alto poder aquisitivo não foram suficientes para impulsionar as vendas na periferia.

“Quem frequenta a Oscar Freire compra sem considerar o clima, porque tem melhores condições financeiras. Nas periferias, as pessoas compram conforme a necessidade”.

Para Suelen Cristina, períodos mais quentes resultam em maior uso de ventiladores e sobrecarga nos equipamentos de refrigeração, aumentando a conta de energia. “Freezer que não suportam o calor me impedem de fazer estoque, então vamos ao mercado todo dia”. Ela adapta cardápios e busca parcerias para reduzir custos, optando pelo que está mais barato no momento.

Outra preocupação são os danos causados por eventos climáticos, que afetam as entregas, o funcionamento do restaurante e o fornecimento de mercadorias.

“Com qualquer chuva ou ventania, nosso bairro sofre com falta de energia. Já perdemos vendas e ficamos ilhados, o que impacta diretamente nas operações e nas aulas das escolas para as quais fornecemos alimentos”

Suelen Cristina Moreira, empresária em Poá

Suelen Cristina Moreira, comerciante de Poá, na Grande SP @Léu Britto/ Agência Mural

Adriana Barbosa sugere que empreendedores das periferias pesquisem e se preparem, planejando seus negócios com riscos calculados, incluindo os impactos das mudanças climáticas.

O aumento da temperatura global e a imprevisibilidade climática estão alterando o cultivo das plantas. Secas prolongadas dificultam a germinação por falta de água, enquanto o excesso de chuvas pode matar as plantas devido ao acúmulo de água no solo. Essas mudanças climáticas afetam a produção, a qualidade, a disponibilidade e, consequentemente, o preço dos alimentos.

Fonte: Jornal da USP

Planejamento

Adriana Barbosa lembra que as periferias, geralmente mais vulneráveis e com menor infraestrutura, estão mais suscetíveis aos extremos climáticos e desastres naturais, como inundações e deslizamentos. Esses fatores aumentam os riscos para os comerciantes, resultando em perda de mercadorias, maior custo operacional e alteração na demanda local.

Segundo a comerciante Suelen Cristina, além de enfrentar os impactos climáticos, é necessário apoio governamental para a sustentabilidade dos comerciantes periféricos. “A imprevisibilidade do clima é preocupante, e precisamos de mais apoio e recursos para enfrentar essas incertezas.”

Ela sugere subsídios para adaptação a eventos extremos, apoio técnico para práticas sustentáveis, como uso de energia solar e captação de água da chuva, linhas de crédito com juros baixos e campanhas de conscientização sobre a importância do planejamento econômico que considere o clima.

Adriana reforça a importância desses pontos, mas lamenta a falta de fóruns, políticas públicas e discussões sobre ESG (áreaque abrange práticas empresariais focadas em sustentabilidade ambiental, responsabilidade social e governança ética) e justiça climática para as populações mais afetadas, como negros, quilombolas, indígenas, periféricos e, especialmente, mulheres.

“São, em sua maioria, mulheres negras que, devido à falta de oportunidades no mercado de trabalho formal, acabam empreendendo por necessidade. Elas estão à frente de pequenos comércios nas regiões periféricas.”

Adriana conclui que essa falta de representatividade nas decisões resulta em uma relação hierárquica de poder e assistencialismo, deixando os empreendedores periféricos a cargo de serem “criativos” para manter seus negócios, sem participar das discussões que os impactam diretamente.

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Jacqueline Maria da Silva

Jornalista formada pela Uninove. Capricorniana raiz. Poetisa. Ama natureza e as pessoas. Adora passear. Quer mudar o mundo e tornar o planeta um lugar melhor por meio da comunicação. Correspondente de Cidade Ademar desde 2021. Em agosto de 2023, passou a fazer parte da Report For The World, programa desenvolvido pela The GroundTruth Project.

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