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A Virada Cultural pelo olhar da ‘galera da perifa’

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Por Lívia Lima | 07.12.2016

Publicado em 07.12.2016 | 16:54 | Alterado em 27.02.2024 | 17:23

Tempo de leitura: 3 min(s)

Créditos: Natalie Santana (Flickr/Creative Commons)

Acho que nosso futuro secretário, apesar da grande experiência em comunicação, anda um pouquinho mal informado.

Eu nunca fui ao autódromo de Interlagos. Eu já ouvi falar que os ingressos para as corridas de automobilismo são caros, por isso nunca cheguei a considerar a ir conhecer esse espaço, que atrai turistas do mundo todo.

Eu comprei um ingresso para ir ao Lolapalloza ano que vem no autódromo na Black Friday, apenas porque estava em promoção e queria muito ver uma das atrações do festival, não pelo lugar. Vai ser minha primeira experiência no local, mas sinceramente não sei se me animo a ir até lá para a Virada Cultural.

Da zona leste, onde moro, para lá, sei que deve demorar mais de 1 hora e meia. Acho que a distância inviabiliza a participação de muitas pessoas, de todas as regiões, interessadas pelo evento que já se tornou um dos patrimônios da nossa cidade.

Mesmo com o metrô funcionando a noite toda, como já acontece, Interlagos é uma região de difícil acesso, então para voltar para casa também seria bem complicado para quem depende de transporte público, cerca de 70% do público, segundo pesquisa Virada Cultural 2016, produzida pela SP Turismo.

Essas questões práticas nos mostram como quem está planejando os rumos do evento no ano que vem desconsideram particularidades de quem vive na periferia.

Eu trabalho na zona sul e já atravesso a cidade todos os dias, então imaginar que o meu lazer do fim de semana me demanda tanto deslocamento me desanima muito, situação que compartilho com a maioria dos moradores das periferias, que ao longo do ano já sofrem devido a desigualdade da cidade cuja concentração de equipamentos culturais está em sua maioria no centro.

Segundo dados da Rede Nossa São Paulo, 62,5% dos distritos da cidade não têm espaços de cultura. Pensando nisso, talvez, a cada ano a prefeitura se esforçou em cada vez mais em promover não apenas no centro da cidade, mas também nos bairros, atrações durante a Virada Cultural. Mesmo assim, o centro de São Paulo é o espaço que mais atraia o público, e nesse caso, sim, o local mobiliza a participação.

Ocupar o centro da cidade não é apenas uma ideia pragmática de facilitar quem vem de todas as regiões, mas é, sobretudo, simbólica, no sentido de revitalizar um espaço outrora abandonado, não frequentado por determinados grupos sociais, mas que, entretanto, nunca foi um “lixo vivo”. Sempre tivemos muita vida no centro. Mas sua reapropriação cultural foi, inclusive, o que provocou a criação da Virada, inspirada nas “Nuits Blanches” (noites brancas) de Paris.

A rua como palco, picadeiro, espetáculo, é tendência em muitos países, e festivais como a própria Nuit Blache ou o Quartier D’été, em Paris, ou o Festival de Edimburgo, mostram que as pessoas querem se encontrar para além dos muros e se reconectar com o espaço urbano. A Virada Cultural estimula o pertencimento à cidade, que deve ser de todos.

Eu estava na Praça da Sé em 2007 quando o show dos Racionais foi interrompido por conflitos entre algumas pessoas e a Polícia Militar. Desde aquele episódio, escuto dizer que o que provocou a confusão foram certas pessoas, “uma galera, que vem da perifa”, como o futuro secretário caracterizou.

Eu também estava no centro da cidade em outras edições e presenciei alguns arrastões. Eu não tive tempo de perguntar onde moravam cada um daqueles jovens, a maioria negros, que se aproveitavam da aglomeração de pessoas para praticar pequenos furtos.

Sobre a (in)segurança pública, presumo que quem entende “um pouquinho disso”, sabe que o contexto social da nossa cidade é bem complexo e não precisamos de mais pessoas estigmatizando a população negra e periférica, ao contrário, precisamos ser reconhecidos como cidadãos com direitos iguais de acesso a todos os espaços, ao lazer e à cultura.

Apesar das ocorrências que sempre acontecem na Virada, 54,5% do público que participou da edição desse ano considerou boa a sensação de segurança, segundo a pesquisa da SP Turismo.

Acho que nosso futuro secretário, apesar da grande experiência em comunicação, anda um pouquinho mal informado. A ‘galera que vem da perifa’ tem vindo cada vez mais ocupar o centro na Virada, mas com música, teatro, sarau. Samba da Vela, Jazz na Kombi, Lei Di Dai, MC Bin Laden, dentre tantos outros artistas, além de um palco exclusivo para os saraus periféricos, fizeram parte da programação desse ano.

Nós, como moradores da cidade, vamos continuar presentes onde bem quisermos. A Virada não pertence a uma gestão, ela é patrimônio da cidade e de todos que nela vivem. Somente de forma participativa será positivo definir se queremos ou não ir pra Interlagos. De forma clandestina ou não, ocuparemos o centro, faremos nossa festa.

Lívia Lima é moradora de Artur Alvim, mestre em Estudos Culturais pela Universidade de São Paulo e editora da Agência Mural de Jornalismo das Periferias.

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