Enterro do videomaker de 27 anos foi realizado nesta quarta-feira (23); amigos relembram trajetória do morador da Vila Matilde, zona leste de SP
Acervo Pessoal
Por: Lucas Veloso | Jéssica Moreira
Notícia
Publicado em 24.10.2019 | 9:08 | Alterado em 24.10.2019 | 11:34
Enterro do videomaker de 27 anos foi realizado nesta quarta-feira (23); amigos relembram trajetória do morador da Vila Matilde, zona leste de SP
Tempo de leitura: 3 min(s)“Viveu sem corte, sem edição”. A fala faz parte da homenagem que o jornalista Walber Pinto, 30, publicou nas redes sociais para o fotógrafo Leandro Caproni, 27, morto na noite desta terça-feira (21), vítima de uma colisão entre veículos na zona leste de São Paulo.
Ele voltava de moto de um encontro com uma amiga, arquiteta, para pensar soluções para a nova casa. Eles tinham se encontrado no Sesc Consolação, na região central da capital. O velório e o enterro foram realizados na tarde desta quarta-feira (23) no cemitério da Vila Formosa, zona leste.
O acidente, provocado por um homem de 18 anos que dirigia sem CNH (Carteira Nacional de Habilitação), interrompeu uma trajetória em ascensão de um talentoso jovem da Vila Matilde, na zona leste.
Na adolescência, Leandro chegou a jogar futebol nas categorias de base do São Paulo e do Corinthians. Era corintiano, mas seu esporte predileto era o basquete, modalidade que praticava com frequência.
Em 2013, criou a produtora de vídeo Sem Cortes Filmes, tornando-se um importante expoente do audiovisual negro e periférico da cidade de São Paulo. Suas produções estavam em ascensão pelo país e também em outros cantos do mundo.
Em 2018, foi diretor de arte do documentário Negrum3, que contou as diversas trajetórias de jovens negros e gays da cidade de São Paulo.
A relação próxima com as lentes e com a arte já vinha de longe. A primeira produção do cinegrafista foi a obra “O Complexo de Vira-Latas”, quando ainda estava faculdade de Rádio e TV, na Universidade São Judas Tadeu, onde se formou em 2014.
Depois vieram outros trabalhos, como “Morada”, sobre a vida de moradores de cortiço; o documentário “Fotografar”, sobre os caminhos da fotografia em novas plataformas; e o documentário “Resisto”, que conta a influência dos Black Panthers no movimento negro brasileiro.
Para além do trabalho, Leandro era visto por Walber como “um cara generoso, bom de papo, fosse nos trabalhos da vida que a gente sempre se cruzava, na rua, cobrindo ato, ou nas baladas”. “Era lindo, inteligente, apaixonado pela vida, pelas imagens, pela música, pela arte”, ressalta.
Também realizou produções para a CUT (Central Única dos Trabalhadores). “Nosso lindo, talentoso, cheio de vida e planos, nos foi levado por obra de um motorista irresponsável. Nosso amigo Leandro Caproni teve a vida interrompida de forma violenta e precoce”, afirma a secretária de comunicação da CUT-SP, Adriana Magalhães.
Correspondente da Agência Mural, a jornalista Jéssica Lima, 27, trabalhou com ele durante a produção “Morada”. “O Leandro foi um bom videomaker, sabia fazer uma ótima captação de imagens, e tanto eu quanto meu grupo lamentamos a sua morte. O mercado audiovisual independente perdeu um profissional importante”.
O videomaker era o responsável por registrar a Batekoo – tradicional festa preta de São Paulo. “Ele foi uma das primeiras pessoas a acreditar em nós e se oferecer para trabalhar de graça no começo. Nós crescemos juntos profissionalmente e viramos grandes amigos”, conta o produtor da festa Arthur Santoro.
Ele lembra com carinho de quando viajaram juntos para Nova York (EUA), para a realização do Afropunk Broklyin, um importante evento norte-americano de punk. “Brincamos que há poucos anos estávamos gravando festa no Morfeus [espaço tradicional do rock em SP], mas que, agora, estávamos fora do país gravando vídeos”.
A carreira de Leandro vinha em uma crescente. Ele colaborou para diversos trabalhos fora do país, mas sem deixar também produções sobre as periferias. No último domingo (20), ele e o jornalista Igor Carvalho haviam passado toda a tarde juntos. Era o Festival de Várzea da Cooperifa, na zona sul.
“Nos aproximamos e um assunto era recorrente: a luta de classe. Conversávamos e o papo sempre terminava em lembrar de nossa infância, nossa adolescência e onde estamos hoje e sobre o nosso incômodo em estar em determinados espaços ou com determinadas pessoas”, lembra o amigo.
Leandro estava começando um curso para aprender a velejar. “Até no mar vou incomodar os playboys”, brincou.
O jornalista e professor universitário, Juca Rodrigues, 58, relembra que já na graduação, Leandro mostrava destaque. “Uma vez convidei-o para participar de uma banca de avaliação de trabalhos. Era um aluno que se destacava, fez grandes trabalhos durante o curso”, comenta.
ACIDENTE
O acidente foi provocado por um homem de 18 anos que dirigia um carro de luxo em alta velocidade, sem a CNH (Carteira Nacional de Habilitação).
Testemunhas informaram que ele conduzia o automóvel em alta velocidade em direção ao centro quando perdeu o controle, invadiu o canteiro central, derrubou uma árvore e colidiu contra outros dois veículos e a motocicleta de Leandro, na pista contrária da Radial Leste.
“Leandro foi mais uma vítima da irresponsabilidade canalha das pessoas no trânsito. Me pergunto porque tão cedo?”, questiona o jornalista Walber.
Jornalista e escritora. Formada em Jornalismo pela FAPCOM. É cofundadora do Nós, mulheres da periferia e coautora do Blog Morte Sem Tabu (Folha.com). Escreve sobre diversos assuntos a partir das questões de raça, gênero e território. Correspondente de Perus desde 2010.
A Agência Mural de Jornalismo das Periferias, uma organização sem fins lucrativos, tem como missão reduzir as lacunas de informação sobre as periferias da Grande São Paulo. Portanto queremos que nossas reportagens alcancem outras e novas audiências.
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