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À beira do Córrego Sacomã, crianças convivem com lixo, pragas e mau cheiro

Por: Isabela do Carmo

Uma fileira de casas de alvenaria aparente acompanha uma das laterais do Córrego Sacomã, localizado próximo à Estrada das Lágrimas, em Heliópolis, uma das maiores favelas de São Paulo.

Do alto de casa é possível ouvir o barulho do lixo batendo na água turva e ver o esgoto correndo livre, seguindo o curso do córrego. Da sala, o cheiro forte invade o ambiente e, nos dias de calor intenso, é difícil suportar o cheiro. Por isso, a janela permanece fechada quase o dia todo.

Antônia Cardoso, 43, mora ali com o marido, Laércio, 44, e os filhos, Ravi, 3, e Ravena, 13. A família veio de Buriti dos Montes, no Piauí, chegou a São Paulo em 2015 e há cinco anos vivem em Heliópolis, na zona sul da capital paulista.

Da esquerda para direita, Antônia, Ravi, Laércio e Ravena, família que mora próxima ao Córrego Sacomã @Isabela do Carmo/ Agência Mural

Laércio, ajudante de pedreiro, e Antônia, gari deixaram a terra natal em busca de mais oportunidades de trabalho e melhor qualidade de vida.

“Aqui a gente tenta viver bem, mas eu não deixo meus filhos irem pra rua”, diz Antônia. “Seria bom ter um parquinho, uma pracinha. Na rua tem [uma espécie de] lixão, dava pra limpar e fazer uns brinquedos, um lugar pros meninos brincarem, pra não ficarem só dentro de casa”.

Com poucos lugares disponíveis por perto, as saídas em família são raras. O destino mais frequente é o Museu do Ipiranga, um passeio, porém, que não é simples.

‘Às vezes o ônibus demora, vem cheio. Fica difícil levar as crianças, ainda mais o pequeno’

Antônia Cardoso

A casa da família tem apenas dois cômodos onde acontece toda a rotina: dormir, cozinhar, estudar, manter a higiene e brincar. O espaço reduzido faz com que cada ida à rua, por mais espaçada que seja, se transforme em um respiro para todos.

“Quando a gente consegue sair é uma alegria. Eles correm, brincam, esquecem um pouco daqui”, diz o pai Laércio, olhando para o córrego que corta a paisagem em frente à casa.

Torcedores do São Paulo, pai e filho compartilham a paixão pelo esporte . O sonho de Laércio é matricular o menino em uma escola de futebol infantil, para que ele possa desenvolver as habilidades que já pratica na laje da casa, com uma pequena bola de borracha.

Córrego Sacomã, com casas construídas nas margens @Isabela do Carmo/ Agência Mural

Como não há parques por perto e o espaço dentro de casa é pequeno, restam poucas opções de lazer além da laje. A rotina também pesa: ajudante de pedreiro, Laércio só tem parte do sábado e domingo de folga. O tempo que sobra é preenchido com pequenas brincadeiras de carrinho no chão da sala e momentos diante do celular, assistindo a desenhos e vídeos nas redes sociais juntos.

“O cheiro é forte, as crianças não conseguem brincar na rua porque não têm para onde ir, tem lixo acumulado. Tem muita coisa que precisa mudar. O meu irmão, por exemplo, ama ir para a creche, talvez porque seja o único espaço onde ele consegue brincar”, diz o garoto.

Em uma volta pelas ruas do bairro, Ravena registrou algumas imagens com uma câmera Polaroid, mostrando dois pontos principais que precisavam mudar no território na sua opinião: acúmulo de lixo e esgoto a céu aberto.

“O racismo ambiental é uma realidade em Heliópolis”, diz Jady Souza, 26, coordenadora do Movimento Negro da comunidade. “Está na infraestrutura das casas, na falta de ventilação e de luz solar nas moradias e nos pontos que sempre alagam quando chove”.

Jady vive com o marido, Felipe do Nascimento, conhecido como Negro Lipão, 43, e a filha Ayla Ayo, 3, em uma residência no final de uma viela.

‘Na minha casa o sol não entra. A gente precisa tomar vários cuidados para garantir que o ar circule. Quando minha filha nasceu, ela teve diversos resfriados por causa da umidade e do frio dentro de casa’.

Jady Souza

Jady defende que o racismo estrutural é a engrenagem que impulsiona todas as outras formas de racismo – o ambiental, o religioso e o institucional – que se manifestam, sobretudo, na vida das crianças, por meio da precariedade das condições de moradia em que vivem.

Da esquerda para direita, Negro Lipão, Ayla e Jady Souza @Isabela do Carmo/ Agência Mural

“Quando o Estado se omite e não amplia políticas públicas que garantam moradia digna ou melhorias nas casas já existentes, o racismo estrutural está funcionando como foi projetado”, afirma.

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