A implementação do novo ensino médio em escolas públicas e privadas, a partir do primeiro semestre de 2022, tem gerado a sensação de “estar trocando a roda do carro com ele em movimento” no professor Reginaldo Vitalino de Lima Filho, 47.
Régis, como é conhecido pelos alunos, dá aulas de história, filosofia e sociologia há 15 anos. Na rede estadual, leciona no ensino médio regular e no EJA (Educação de Jovens e Adultos) na escola Jornalista Carlos Frederico Werneck Lacerda, em Pirituba, na zona norte da capital, distrito onde mora.
Para ele, a reforma está sendo inserida em uma estrutura que é “reconhecidamente problemática”. “O governo implantou um projeto em uma escola que já carecia de uma reforma estrutural para se adequar ao projeto anterior”, diz.
“Não se resolveu o problema de infraestrutura das escolas e a precarização dos equipamentos públicos, inclusive, em relação [ao acesso] à internet”, complementa o educador.
O novo modelo do ensino médio corresponde a alterações previstas na lei nº 13.415, de 2017. A principal delas é a nova organização do currículo, que, além da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), oferece itinerários formativos aos estudantes, escolhidos para completar a grade curricular.
A implementação é gradativa em todo o país. Neste ano, de acordo com o cronograma do MEC (Ministério da Educação), o novo ensino médio vigora apenas no 1º ano. Para o 2º ano, a mudança começará somente em 2023 e, para o 3º ano, no ano seguinte.
No Estado de São Paulo, a inserção do novo currículo foi antecipada em 2021 por meio do programa Inova Educação. Assim, o modelo chegou aos mais de 450 mil alunos matriculados no 1º ano em mais de 3,6 mil escolas estaduais.
Neste ano de 2022, as turmas do 2º período já estão imersas no processo, totalizando 900 mil alunos atingidos pela reforma.
Entenda a reforma no ensino médio
Com o novo plano da BNCC, a carga horária de cada ano letivo passa de 800 para 1 mil horas anuais, totalizando 3 mil horas na conclusão do ensino médio.
Além disso, as disciplinas básicas, como Português, Matemática e Geografia, foram integradas em quatro áreas de conhecimento: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas; Linguagens e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Matemática e suas Tecnologias.
No 2º ano, as redes de ensino devem oferecer itinerários formativos – a parte flexível da grade curricular – em que os estudantes escolhem as disciplinas de acordo com uma área de interesse, visando aprofundar conhecimentos e se aproximar da realidade do mercado de trabalho.
Em tese, os jovens podem optar por itinerários nas quatro áreas de conhecimento, na formação técnica e profissional, ou escolher um modelo integrado, que combine mais de uma área.
As escolas, por sua vez, têm autonomia para definir quais itinerários formativos ofertar, mas devem dispor de, no mínimo, dois aprofundamentos curriculares, contemplando todas as áreas do conhecimento ou formação técnica e profissional.
Porém, do ponto de vista do professor Régis, faltou diálogo com os professores, alunos e toda a comunidade escolar na elaboração do novo modelo, o que dificulta a inserção. “A escola não está preparada; professores e alunos estão perdidos. Não sabemos o que fazer com as novas disciplinas”, relata o educador.
Ele acrescenta que o governo ainda está enviando informações sobre o projeto e aponta que faltam professores, materiais e infraestrutura nas instituições de ensino. Para o educador, diante de todo esse cenário, o maior prejudicado é o aluno, sobretudo, quem mora e estuda na periferia.
“O novo currículo vai aumentar ainda mais as desigualdades. Ele retira o conhecimento essencial para a formação humanista e científica do aluno com essa nova ideia de que é preciso prepará-lo minimamente para o mercado de trabalho, que hoje é bastante complexo.”
Reginaldo Vitalino de Lima Filho, 47
Itinerários formativos no dia a dia dos alunos
A estudante Alane da Silva Gomes, 16, cursa o 2º ano do ensino médio na escola estadual Manuel Bandeira, em Perus, na zona noroeste de São Paulo. No ano passado, ela escolheu os itinerários para este ano letivo, mas relata que o conteúdo ainda está pendente devido à falta de professores.
“O plano de querer que os alunos aprendam mais é muito bom, porém muitas escolas, inclusive a minha, não têm capacidade para implantar um novo ensino médio, já que não têm tantos professores para dar aula”, observa.
“Na primeira semana, fiquei com aulas vagas; foram duas ou três no dia. Muitas vezes ficamos na quadra, no pátio ou em sala de jogos”.
Outra preocupação de Alane está relacionada ao número de aulas semanais de cada disciplina. Segundo a jovem, as aulas de português foram reduzidas de cinco para três vezes na semana.
“Com essa diminuição, o conteúdo também é reduzido. Assim fica muito mais difícil prestar o Enem ou cursinho.”
Alane da Silva Gomes, 16, estudante
Stefanny Costa de Carvalho, 16, também cursa o 2º ano do ensino médio na escola estadual Manuel Bandeira. Ela conta que escolheu a grade flexível pensando no futuro. “Quero seguir uma profissão na área da saúde. Escolhi itinerários com foco em fisiologia, equilíbrio e expressão artística por acreditar que têm a ver”, diz.
A estudante alega que, apesar de ter tido contato com apenas três dos cinco itinerários que escolheu, tem gostado da reforma por conta das novas matérias. “É divertido sair daquela bolha de português, matemática, geografia etc.”, pontua Stefanny.
Aumento na carga horária de estudos
Para cumprir o novo currículo, as instituições de ensino estão expandindo o tempo de permanência diária dos alunos. Na escola onde Alane e Stefanny estudam, quem está matriculado no período diurno entra às 7h e sai às 14h30 durante três dias da semana. Já quem estuda à noite, entra às 18h e sai às 23h, todos os dias.
“Com esse tempo a mais, não conseguimos fazer um curso profissionalizante ou até mesmo trabalhar”, discorre Alane. Ela também sinaliza que o acréscimo na carga horária demanda mais energia e disposição dos estudantes.
Stefanny planeja ingressar no primeiro emprego como jovem aprendiz neste ano, mas com o novo horário de aula, tem sido difícil. Ela expõe que, para buscar uma vaga, terá que focar em oportunidades na região onde mora para não voltar tarde para casa.
“Saindo às 14h30 da escola, talvez consiga entrar às 15h30, se for aqui pelo bairro ou em Caieiras, que é próximo”, reflete.
“Quase fiz uma entrevista em Osasco, que fica a uma hora de distância, mas teria que entrar no trabalho entre 16h e 16h30 e sairia ainda mais tarde”, relata.
Investimento do governo estadual
Por meio do porta-voz Gustavo Mendonça, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) informou à Agência Mural que, do segundo semestre de 2021 para cá, o governo repassou R$ 250 milhões às escolas estaduais que atendem a última etapa da educação básica.
Mendonça, que é coordenador do novo ensino médio na pasta, explica que os recursos são exclusivos para a implementação dos itinerários formativos e foram repassados por meio do PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola).
Questionado sobre a falta de professores, sobretudo, para ministrar os itinerários formativos, o porta-voz reconheceu o problema, acrescentando que se trata de uma demanda antiga e garantiu que medidas estão sendo tomadas.
“Temos trabalhado para contratar professores e suprir essa falta. O secretário de Educação informou a contratação de até 10 mil professores para este ano”, lembra Gustavo.
Sobre o novo sistema ampliar as desigualdades entre os estudantes, Mendonça diz não acreditar nessa possibilidade. Mesmo sem mencionar dados, ele assegura que “o novo modelo vem justamente para dar mais oportunidades aos estudantes”, oferecendo itinerários que podem ajudar no ingresso ao ensino superior.
“O Enem está se adaptando ao novo ensino médio. Inclusive a Unicamp já tem um vestibular que é adaptado ao novo modelo desde o ano retrasado. Se a opção for voltada para ciências humanas, as provas terão mais peso nessa área. O itinerário vai ajudar o aluno a ter uma nota melhor”, finaliza.