Localizado entre São Miguel Paulista, Itaim Paulista e a cidade de Guarulhos, o Jardim Helena foi o distrito da cidade de São Paulo que mais compareceu ao primeiro turno das eleições de 2022. Segundo dados divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), dos 157 mil eleitores da zona eleitoral, 29 mil não compareceram às urnas.
Essa fatia representa 18,51% do eleitorado da 397ª zona eleitoral, quase 3 pontos percentuais abaixo da abstenção registrada na cidade inteira, que foi de 21%. A região puxa uma fila de diversas outras periferias que também tiveram uma abstenção menor do que a média paulistana. Ao todo, 33 das 58 zonas eleitorais ficaram abaixo dessa marca.
Perus e Jaraguá, na zona norte, aparecem em segundo lugar no ranking de menores abstenções, ambos com 19,20% de eleitores ausentes. O Campo Limpo, na zona sul, ficou abaixo da média paulistana por um centésimo. A região ficou com uma taxa de abstenção de 21,26%.
Os dados da cidade contrariam a ideia de que as fatias mais pobres do eleitorado serem as que menos participam da eleição. Por outro lado, são os bairros com maior número de eleitores, ou seja, mesmo com a abstenção mais baixa proporcional, o número de eleitores que não foram às urnas pesam.
“Existem eventos que fogem ao padrão, e esse pode ter sido um. A chance de [o ex-presidente] Lula (PT) ganhar no primeiro turno, de forma apertada, pode ter feito esse eleitorado periférico, que costuma votar mais no Lula e no PT, a querer participar mais”, sugere o cientista político Diego Sanches Corrêa, da UFABC (Universidade Federal do ABC).
“Quanto mais a pessoa acha que o voto dela vai fazer diferença, mais ela vai ‘pagar’ esse custo [de ir até a escola] e votar”
Diego Sanches, cientista político
De fato, dessas 33 zonas eleitorais com abstenção abaixo da média, apenas três registraram vitória de Jair Bolsonaro (PL): Vila Matilde, Tatuapé e Vila Formosa, todas na zona leste. Lula venceu na maioria das regiões da cidade, em um cenário distinto de 2018.
Entre as regiões que mais tiveram abstenção proporcionalmente, o cenário é diferente. A maioria está na região central da cidade e em mais da metade o atual presidente saiu vitorioso. Outro ponto é que quatro dessas zonas eleitorais concentram uma grande população acima dos 70 anos.
A maior abstenção em São Paulo foi na zona eleitoral da Santa Efigênia, com 28% sem votar.
Para Diego, o que pode explicar essa ausência maior nas regiões centrais seja o deslocamento. “Talvez essas regiões mais centrais, de mais comércio, podem ter uma proporção maior de pessoas que se registraram para votar nessas regiões, mas que não moram lá, ou moraram no passado”, aponta.
Regiões populosas
Zona eleitoral com maior número de eleitores na cidade, o Piraporinha - que engloba bairros da região do Jardim Ângela e do Jardim São Luís, na zona sul - também ficou com uma média de abstenção abaixo da paulistana. Porém, por conta do volume populacional, os números totais chamam a atenção.
Ao todo, 56.731 eleitores da região não foram votar. A marca, que representa 20% do eleitorado, quase alcançou o total de votos em Jair Bolsonaro, que foi de apenas 61 votos a mais. O Piraporinha registrou a maior votação em Lula, 62,16%.
O comerciante Eureliano José dos Santos, 34, tem uma bandeira do candidato petista na barraca de eletrônicos que possui na Estrada do M’Boi Mirim, porém ele é um dos moradores da região que não compareceu às urnas. Apesar disso, ele não está na conta dos 56 mil que se abstiveram na região.
“Não fui porque não voto aqui ainda”, conta. “Tem muita gente que não quer ir, mas também teve quem não prestou atenção [aos prazos para regularizar o título de eleitor], vai deixando para a última hora e não consegue.”
Ele é de Pernambuco, está em São Paulo há sete anos e ainda não trocou o domicílio de votação.
Já Ricardo Nobre, 41, não conseguiu regularizar o título nem participar da eleição por outro motivo, o trabalho. Manobrista e morador do Parque Figueira Grande, ele conta que esta é a segunda eleição em que não consegue folga para ir à seção eleitoral.
“Também é negligência minha, que tenho que ter minha responsabilidade e votar pra ajudar a democracia, o país. Se não fosse o trabalho, teria votado, teria regularizado meu título, que já estava pendente. É uma meta que tenho, caso precise viajar, sou obrigado a arrumar”, conta.
De acordo com a legislação eleitoral, “impedir ou embaraçar” o exercício do voto é crime passível de detenção de até seis meses e pagamento de multa. A empresa precisa garantir que o funcionário tenha tempo hábil para ir ao local de votação. Diego Sanches, entretanto, aponta que “aqui embaixo as leis são diferentes”.
“A pessoa pobre prefere gastar mais tempo trabalhando, fazendo com que seu patrão continue gostando e confiando no trabalho do que sair uma horinha pra votar. Quanto mais vulnerável socialmente for o eleitor, mais ele não vai reconhecer o voto como um direito”, aponta o cientista político.
Fabiana Nascimento, 40, moradora do Jardim Vera Cruz, conta que foi votar apenas pela “obrigação”. Gestante, ela enfrentou fila na escola em que vota antes mesmo de abrir os portões.
“Creio que muitos foram só pra não deixar irregular o título. Se o voto não fosse obrigatório eu também não iria não, ainda mais com essa barriga, sem poder andar direito", afirma.
Segundo Diego, a tendência histórica para o segundo turno é que haja uma abstenção ainda maior, porém, a disputa deste ano pode ter um caráter diferente. "Numa eleição como a atual, muito polarizada e em que os dois candidatos colocam como uma disputa do bem contra o mal, as pessoas se sentem mais incentivadas a ir."