“Desde o momento que você nasce e respira, você se torna pauta dos direitos humanos. A sua existência é um ato político e você disputa humanidade”, afirma Amarílis Costa, 32, advogada, mestra em Ciências Humanas e em Epistemologia Del Sul, e doutoranda em Direitos Humanos.
Cria da Vila Maria, na zona norte de São Paulo, Amarílis teve contato com o movimento negro, de mulheres e das pautas sindicais desde pequena por meio da mãe, Jane Costa. Ser embalada pelo hip-hop ao som de Racionais MC ‘s, 509-E e Facção Central também estimularam o senso crítico em relação às pautas raciais.
Amarílis sempre andou com os amigos negros na escola. Aos 14, passou a fazer parte do jornal da instituição e se organizou no movimento estudantil. Na época do cursinho, articulava para que os alunos participassem dos atos que pautavam o direito ao bem viver e a juventude negra viva.
“Todas essas articulações eu comecei a ver de perto ainda muito nova”, relata a advogada. Ela conta que se tornou especialista em advocacy (nome dado a atuação em defesa de uma causa dentro do sistema político). “A dinâmica de incidência, de mobilização e de comunicação que aprendi, ocorreu enquanto ocupava os bancos escolares”, relata.
Atualmente, a advogada é diretora-executiva na Rede Liberdade, que presta serviços de advocacia pro bono para casos de violação de direitos e liberdades individuais. A iniciativa nasceu em 2018, após a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ascensão de um parlamento mais conservador.
Com dificuldades para discutir temas em apoio aos direitos humanos no Congresso, o coletivo passou a pautar outras dinâmicas.
“A gente chamava aquele momento político de ‘erosão democrática’, pois existiam muitos buracos e fissuras na democracia brasileira desde o processo do golpe”, se referindo ao momento do impeachment da então presidenta Dilma Rousseff (PT), em 2016.
Atualmente, a organização é composta por 80% de pessoas negras, com o jurídico 100% composto por mulheres negras que atuam com os chamados “casos emblemáticos”, que buscam mudar a forma do judiciário olhar para alguns temas.
A rede atua em quatro frentes: combate ao racismo e justiça racial, justiça climática e proteção dos povos da Amazônia, direito ao trabalho digno e a defesa da manutenção da democracia.
O trabalho se estrutura por meio de pautas raciais e da transversalidade dos direitos humanos em território nacional e também com foco nas periferias, com os casos de memória, direito ao nome, proteção dos povos de terreiro e dos povos quilombolas, até os casos de chacinas que ocorrem nas periferias de São Paulo.
‘A gente entende que a questão racial é basilar na disputa de narrativa sobre a democracia e que olhar para as vítimas de violência do Estado é olhar também sobre como o estado se estrutura a partir dessa erosão democrática’
Amarílis, advogada
Um dos casos emblemáticos que Amarílis atuou foi o de Camilo Cristófaro (Podemos), o primeiro vereador de São Paulo a perder mandato por racismo. Nunca alguém teve o mandato cassado por ter cometido racismo, pois não se entendia que se tratava de uma quebra do decoro parlamentar.
Cenário crítico
Para ela, a população negra do Brasil ainda disputa pela sobrevivência, já que muitos vivem em situação de vulnerabilidade social. Apesar de serem mais da metade da população brasileira (56%), são os que possuem o menor acesso a emprego, educação, segurança e saneamento.
Os direitos fundamentais devem garantir desde o acesso à comida, educação, a anestesia na hora do parto, até não ser alvo da violência policial dentro da quebrada. Na capital paulista, a negação a esses direitos se refletem na expectativa de vida dos moradores.
De acordo com o Mapa da Desigualdade, uma pessoa que mora no Jardim Paulista, bairro de elite da capital paulista, vive até os 80 anos, enquanto na Cidade Tiradentes, na zona leste, ou no Jardim Ângela, na zona sul de São Paulo, a expectativa de vida é de 59 anos. Quem mora nas áreas nobres pode viver mais 20 anos em relação aos moradores das periferias.
Atuando com os casos que repercutem nacionalmente e também na política brasileira, Amarílis enxerga que o principal é que a população negra se fortaleça e permaneça junto em prol de uma emancipação coletiva.
“Nós precisamos criar um plano de articulação entre nós, pessoas negras, no sentido de não nos deixarmos só. Por muitas vezes, ser negro tem muito a ver com a solidão nos espaços, né? A gente precisa combater e se enxergar uns nos outros”, conclui.