Os estudantes da Etec (Escola Técnica) Takashi Morita, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, ainda estavam na primeira semana de aula quando a direção da escola anunciou uma nova regra: a partir daquele dia 19 de fevereiro, os alunos seriam impedidos de deixar o prédio na hora do almoço, mesmo quando autorizados pelos pais.
Com nove turmas de ensino integral, a Etec Takashi Morita tem quase 400 alunos estudando no local entre as 8h às 17h. Até o início deste ano a saída dos estudantes para o almoço era permitida desde que os alunos apresentassem um documento assinado pelos pais e reconhecido em cartório. Agora, a direção afirma que a autorização é insuficiente e libera os alunos apenas quando os próprios pais vão até a Etec buscá-los.
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Microempresária e mãe de um dos alunos do ensino integral, Ana Cristina Sousa (nome fictício), 46, acha que a medida pode trazer dificuldades aos outros pais, já que muitos não podem deixar os empregos para ir até a escola. “Eu acho uma exigência um pouco exagerada […] Eu me sinto mais segura sabendo que ele está saindo da escola, mas complica porque muitos pais não têm flexibilidade de horário”, comenta Ana Cristina.
No começo de abril, o filho da microempresária quase perdeu uma vaga de emprego por causa da proibição. Apesar de ser maior de idade, o estudante precisou recorrer à coordenadora do curso para deixar a escola e conseguir fazer o teste de redator em uma grande empresa.
“Eu fui na coordenação explicar a minha situação. A coordenadora falou que realmente não podia, que os meus pais tinham que ir me buscar. Mas, como ela viu que eu tava precisando mesmo, ela ligou para a minha mãe”, conta o adolescente. Depois de falar com Ana Cristina pelo telefone, a coordenadora autorizou a saída do aluno. “Se não fosse por ela eu não teria saído”, finaliza o jovem.
ABAIXO-ASSINADO
Separados nos cursos de automação, eletrônica, logística e administração, os estudantes da Etec Takashi Morita resolveram se unir em um abaixo-assinado contra a medida. Ao todo, mais de 300 assinaturas foram entregues à direção da escola pedindo para que a autorização dos pais voltasse a ser aceita.
“Eu fico o dia inteiro lá dentro. Se eu não lutar por isso, quem vai fazer, sabe?”, explica a aluna Isabela Silva (nome fictício), 17, uma das organizadoras do abaixo-assinado. Depois que a movimentação dos estudantes começou, a escola voltou atrás em parte da proibição e passou a permitir a saída dos alunos maiores de idade que estivessem com a autorização. Para os menores, no entanto, a situação continua a mesma.
MERENDA
Para os alunos que não podem deixar a escola, uma das opções de alimentação é a merenda. Entregue na Etec Takashi Morita desde 2016, a refeição, no entanto, é alvo de sérias críticas. “Já encontraram larva, durex e hoje um menino encontrou pedras na azeitona. Essa é a comida que servem pra gente”, desabafa Isabela.
As refeições são produzidas pela empresa Verde Mar Alimentação, que tem sede em Mongaguá, no litoral sul de São Paulo. No segundo dia em que os alunos foram proibidos de almoçar fora da escola, a merenda chegou no local às duas horas da tarde, com mais de duas horas de atraso. “Os alunos estavam sem comer desde às 10 horas da manhã!”, comenta Isabela.
Procurado, o Centro Paula Souza, órgão responsável pela administração das Etecs e Fatecs no estado, informou que a empresa Verde Mar Alimentação foi advertida pelo atraso e que o plástico encontrado na merenda foi encaminhado para análise. O órgão disse ainda que “está em andamento um processo para contratação de uma nova prestadora de serviços na área de alimentação”.
PROIBIÇÃO É ILEGAL?
A reportagem entrou em contato com advogados para questionar a legalidade da proibição da escola. Para Daniele Naves, a proibição não tem fundamento jurídico: “Uma vez que os pais ou responsáveis autorizem a saída do aluno, é dever da escola garantir a efetividade de tal autorização”, explica a advogada.
Segundo Naves, a partir do momento em que o aluno menor de idade deixa o ambiente escolar devidamente autorizado, a responsabilidade pela guarda e integridade do adolescente volta a ser dos seus responsáveis. No caso dos alunos maiores de idade, a advogada explica que não há necessidade de autorização dos pais, já que os estudantes respondem judicialmente por suas atitudes depois de completar 18 anos. Sendo assim, a instituição estaria “violando a liberdade de locomoção da pessoa e impedindo o exercício de um direito fundamental” ao não deixar que o maior de idade saia do espaço.
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Para a doutora em educação e professora do Instituto Federal de São Paulo, Ana Paula Corti, a gestão democrática da escola também está prevista na lei e a falta de diálogo é prejudicial à própria Etec. “Sobretudo quando você está atendendo o público jovem, esse diálogo é fundamental para pensar na qualidade do próprio ambiente. Existe uma demanda desses jovens serem ouvidos”, explica a socióloga.
Corti esclarece ainda que a medida deve ser debatida com um número maior de pais e alunos. “Se você tem um conflito que atinge proporções maiores, apenas o canal formal do conselho [escolar] acaba sendo insuficiente para fazer a análise desse conflito. […] Sobre todos os prismas que a gente possa olhar, tomar uma decisão com mais participação é um caminho mais efetivo para chegar em um desfecho que seja pertinente para todos os envolvidos”, finaliza.
OUTRO LADO
A reportagem entrou em contato com o Centro Paula Souza para agendar uma entrevista com o diretor da Etec Takashi Morita mas o pedido foi negado pela assessoria do órgão. Em nota, o Centro Paula Souza informou que a proibição adotada pela direção da Etec foi submetida e aprovada pelo Conselho da Escola.
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http://32xsp.org.br/2016/11/28/do-largo-13-ao-aeroporto-de-congonhas-saiba-mais-sobre-subprefeitura-de-santo-amaro/