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Ameaçado de despejo, Projeto Meninos e Meninas de Rua vive incerteza em São Bernardo

Por: Jariza Rugiano e Girrana Rodrigues

Com uma atuação de 31 anos em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, o PMMR (Projeto Meninos e Meninas de Rua) tem vivido problemas além da pandemia de Covid-19

Após receber uma ordem de despejo da prefeitura, em julho, a organização conseguiu uma decisão judicial que garante a permanência no espaço por mais oito meses. O futuro, porém, continua incerto. 

O projeto atua desde 1989 com crianças e adolescentes em situação de risco ou de rua – por meio de ações educativas socioculturais. Entre as atividades estão o bloco Eureca, que desfila no carnaval levando para a rua temas sobre direitos das crianças e dos adolescentes, a capoeira, o Sarau do Fórum e o Cursinho da Uneafro. 

A entidade tinha a permissão de uso precário (sem estabilidade garantida) para utilizar um espaço na rua Jurubatuba, no centro da cidade, que pertence à Prefeitura de São Bernardo do Campo. No entanto, o prefeito Orlando Morando (PSDB) retirou a permissão no ano passado. 

“Acreditávamos que a discussão estava na esfera de negociações. Fizemos reuniões com a equipe técnica da assistência para tentar reverter e continuamos tocando o trabalho”, conta a coordenadora do projeto, Neia Bueno.

Frente da sede do Projeto Meninos e Meninas de Rua, onde a ONG concentra as ações há mais de 30 anos @Girrana Rodrigues/Agência Mural

Neia diz acreditar que a gestão municipal pretende transferir o Centro de Referência ao Idoso para o local. “Dizem para a gente que a prefeitura, para não pagar aluguel, tem levantado e retomado os prédios públicos. Mas todos os prefeitos tinham mantido nossa permissão de uso”.

Em nota, a Prefeitura de São Bernardo alegou que “o Projeto Meninos e Meninas de Rua foi notificado no ano passado sobre a intenção da administração em utilizar o prédio municipal para instalação de um novo albergue ou de um Centro Pop, com oferta de serviços assistenciais para população de rua jovem e adulta”. 

Além disso, a gestão municipal afirma que está buscando uma alternativa para que a ONG mantenha atuação sem prejuízos e que não haverá desalojamentos por reintegração de posse. Porém, não apontou qual seria essa a alternativa.

ADAPTAÇÃO

Neia ressalta que, com a pandemia, as atividades foram suspensas e o PMMR iniciou uma campanha de distribuição de alimentos para famílias das periferias da cidade que estão vulneráveis sócio e economicamente. 

“A população está indo morar nas ruas, e é o perfil que atendemos. A maioria vende bala no farol e nem conseguiu acessar o auxílio emergencial”, afirma.

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Para a secretária-executiva do Fnpeti (Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil), Isa Oliveira, o momento é para assegurar e fortalecer programas para jovens e adolescentes, não para fechá-los. 

“Com o afastamento da escola, a necessidade de trabalhar é o principal motivo que pode impedir o retorno do adolescente para a escola”, afirma. “Crianças que vivem em famílias pobres — que empobreceram mais com a perda de renda — perderam a alimentação da escola, a única refeição do dia”.

Espaço também recebia atividades culturais @Jariza Rugiano/Agência Mural

Os últimos números publicados sobre o trabalho infantil são de 2016, da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 

Os dados indicam que 1,8 milhão de crianças e adolescentes estavam em situação de trabalho no país. O Fnpeti aponta ainda 716 mil crianças na condição de trabalho para próprio consumo, o que aumentaria o total para 2,4 mil.

Além disso, a exploração do trabalho infantil foi o tipo de violação que resultou em 4.245 denúncias registradas em 2019, uma variação de 10% em comparação a 2018 (3.868), segundo os registros da ouvidoria nacional de Direitos Humanos/Disque 100.

Para quem frequentou o espaço em São Bernardo, a situação reforça a necessidade de manutenção.

Muitos deixaram de trabalhar nas ruas ou conseguiram assistência jurídica após conhecerem o PMMR, como é o caso de Rosa Maria de Sousa, 48, líder comunitária no Montanhão, onde vive e preside a Associação Comunitária de Moradores do Cafezais/Montanhão.

Em 2000, ela e as duas filhas foram vítimas de violência doméstica e receberam apoio na unidade.

“Enfrentava um divórcio e sofria agressões do meu ex-marido. Em uma das visitas que minhas filhas fizeram ao pai delas, também foram agredidas”, relata. “Busquei ajuda no projeto, que me deu apoio e me acompanhou durante todo o processo pelo conselho tutelar”. 

Além das filhas participarem de atividades socioeducativas, como a de percussão, Rosa Maria explica que na época conseguiu se organizar financeiramente, já que estava sem renda fixa. 

Ela intercalava os serviços de faxina em casas com a venda de lanches e outras refeições para a ONG, alimentação oferecida às crianças e jovens que frequentam as formações, tornando-se a “tia da merenda”, por volta de um ano. “Espero que a ONG continue dando suporte para as famílias”, diz.

Pamela foi ajudada por entidade @Arquivo Pessoal

Já Pamela Chaves de Moura, 19, estudante e atualmente desempregada, conta com a cesta básica mensal, organizada a partir de doações arrecadadas e distribuídas pelo PMMR. 

Moradora da comunidade D.E.R., as despesas da moradia estão por conta do sogro, com jornada e salário reduzidos, e do namorado, que trabalha de forma autônoma em um lava-rápido.  

“Agora a renda mensal aqui de casa fica perto de R$ 1.600, e pagamos aluguel de R$ 750. Essa cesta que recebemos está sendo bem importante”, informa a estudante que antes da pandemia ajudava a sogra no trabalho de diarista. A crise na saúde com a Covid-19 fez com que parassem o trabalho. 

“Minha sogra tem asma muito forte”, diz. Dias antes do isolamento social, em março, Pamela recorda de um emprego que achava estar garantido. “Passei no processo seletivo e já tinha feito os exames para entrar e começar. Mas o local precisou fechar por causa do isolamento e não tive retorno de mais nada”, esclarece.

A relação da Pamela com o PMMR vem desde a infância. “Meu pai se separou muito cedo da minha mãe. Ela ficou sozinha para cuidar de três filhas, saía para trabalhar e minha irmã faltava na escola para vender bala e distribuir panfleto no farol. Foi uma situação bem precária”, lembra. 

Quando a equipe da ONG soube da condição da família, foi feita a assistência por meio do Conselho Tutelar.

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