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Aos 74 anos, morador da Vila Zilda faz mais de 2 mil solicitações à prefeitura

Por: Redação

Sempre com passos curtos, de boné na cabeça e com sua inseparável pastinha embaixo do braço, Leocádio Teixeira observa, com olhos de águia, as ruas da Vila Zilda, na zona norte da capital paulista. Aos 74 anos, o olhar não é apenas de amor pelo bairro onde vive há 25 anos, mas de quem foi responsável por conquistas significativas como a chegada de luz elétrica, asfalto e até semáforos.

“Me mudei para a Vila Zilda em 1992, não tinha nada aqui. Era uma chácara quando minha casa estava sendo construída. Nunca pensei em sair daqui porque, desde o início, achava que esse bairro poderia ficar como os outros”, relembra Leó (exatamente com o som agudo na letra “o”), como é popularmente conhecido.

O desejo foi levado tão a sério que, apenas nos últimos 10 anos, Leó acumulou milhares de protocolos de demandas de infraestruturas para o bairro. “De 2006 a 2016 eu fiz umas 2.000 solicitações na Prefeitura Regional do Jaçanã/ Tremembé”, revela o baiano nascido e criado em Chorrochó, pequeno município de pouco mais de 10.000 habitantes, a 450 km de Salvador.

Quase um “rei dos protocolos”, desde o início dos anos 90, Leó já reivindicava serviços básicos na Vila Zilda. “A primeira conquista foi a chegada da energia elétrica; depois, no final de 1993, vieram água encanada e saneamento por meio de um mutirão com os moradores”, conta o aposentado.

“No início 1999, foi a vez do asfalto, para o qual não tivemos ajuda das autoridades, mas por causa da população que se juntou. Arrecadamos dinheiro e contratamos uma empresa privada para pavimentar quatro ruas. Já em 2008, houve a regularização dos terrenos”, elenca o ex-operador de impressora e ajudante geral.

“Tudo o que existe atualmente no bairro, como galerias de águas fluviais, iluminação, asfalto, troca de postes de madeira e até semáforo, foi fruto de idas e vindas na sede da subprefeitura [hoje chamada prefeitura regional].”

“Foram diversos números de protocolos e abaixo-assinados com união de alguns moradores”, completa ele, que também é líder comunitário da Vila Zilda. O bairro pertence ao distrito do Tremembé, onde moram quase 200 mil habitantes.

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Casado e pai de uma única filha, Leó desembarcou em São Paulo em 1970. Antes de se mudar para a Vila Zilda, morou na Vila Maria e no Jaçanã, também na zona norte, e em Guarulhos, na Grande São Paulo.

“Conheci tanta gente que hoje sei onde posso chegar. Os estudos me fizeram falta, mas conhecimento e relacionamento são tudo”, filosofa o aposentado que estudou até a quarta série do antigo primário.

Seu Leó foi o primeiro a cobrar pela instalação de semáforos no bairro (Priscila Gomes/Agência Mural)

Apesar da ampliação dos serviços públicos na zona norte da capital, a satisfação da população com relação à qualidade de vida local está longe de ser a ideal. Pelo contrário. Apenas 20% dos moradores da ZN se disseram estar satisfeitos com a oferta de esgoto, por exemplo; já 78% se mostraram insatisfação em relação à revitalização e conservação de parques e praças, em 2016, segundo o estudo Irbem (Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município).

NAVEGADOR

Embora os problemas estruturais da região, a dedicação de Leocádio parece servir de inspiração para vizinhos e conhecidos. Conterrâneo nordestino, Ceará — como é mais conhecido Auristênio Gledson–, 53, assegura que Leó já foi encorajado, inclusive, a ingressar na política.

“Já falaram para ele se candidatar a vereador porque ele faz mais do que muito político aí, mas ele nunca quis. Ele faz tudo sem ganhar um centavo”, elogia o vizinho. “Quando a gente se mudou para cá nem asfalto tinha. Aliás, nem estrada tinha. Seu Leocádio, incansável, lutou por tudo isso. É um orgulho ter esse homem como meu amigo.”

Silmara Matos, 52, funcionária da Secretaria do Verde e Meio Ambiente, conheceu Leó no vaivém do líder comunitário à prefeitura regional. Em muitas dessas visitas para cobrar a instalação de uma praça na região.

“A praça nunca saía do papel. Ele vinha com uma planta desenhada e conversava com todas as pessoas. Ele documenta tudo, não é um burocrata, mas entende que precisa dos registros, que não podem ficar só na memória. Ele sabe os processos, a dinâmica do serviço público e como buscar”, comenta Silmara. “A Praça Ocupação foi inaugurada em 2007, uma das primeiras feitas por ele”, orgulha-se.

Antiga vizinha de Leó, a gerente de uma ONG que atua no Jardim Filhos da Terra, no distrito do Jaçanã, Jailde dos Santos Teixeira, 53, não poupa elogios ao se referir ao líder comunitário: “Sempre que ele vem aqui, me dá um abraço, conta as histórias e o que que ele está fazendo. Eu sempre aprendo muito com ele”, diz a amiga.

Da zona norte para o mundo, quem também partilha o mesmo sentimento é a italiana Giuseppina Forte, que conheceu Leocádio em 2011 durante um concurso de arquitetura que envolvia o bairro.

“Antes de conhecê-lo pessoalmente, ele já era um mito para mim porque todas as pessoas falavam dele como o real construtor da cidade”, afirma a arquiteta e doutoranda na Universidade Berkeley, na Califórnia, nos EUA.

“Ele tem muito conhecimento sobre o desenvolvimento dessa região. A importância dele não está somente em construir a sua habitação, mas de construir o espaço público. Seu Leó tem uma grande atenção no interesse público e a tudo que é coletivo”, reitera, definindo o aposentado como um “navegador do território”.

Seria de um território sem divisas? Leocádio parece acreditar que sim: “Muitas pessoas me acompanharam; outras desistiram. Segui com poucos ou mesmo sozinho, mas não desanimei. Sempre tem coisa para fazer e esse trabalho não tem fronteiras”, finaliza.

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