O poeta e articulador cultural, Danylo Paulo, faleceu aos 34 anos, no último 4 de agosto. Durante anos, ele uniu pessoas em prol da arte no distrito do Iguatemi, na zona leste de São Paulo. A partida do militante da cultura deixou aos artistas locais a necessidade de se unirem para superar o luto, manter as atividades culturais e enaltecer o legado do poeta.
A despedida de Danylo Paulo, no cemitério Carmosina, em Itaquera, demonstrou o que o articulador representava: estavam presentes pessoas de diversos grupos, de evangélicos, a candomblecistas, torcedores de times de futebol de várzea, poetas e músicos. Por pedidos da família, a razão da morte será preservada.
Sob o nome de Trovador Obscuro, o poeta que caminha na escuridão, Danylo Paulo escreveu dezenas de poemas sobre a vida dos jovens pobres do Iguatemi, distrito que faz parte da subprefeitura de São Mateus.
A violência policial, saúde mental e o cotidiano das favelas eram temas recorrentes dos escritos. Desde jovem, Danylo desenhava e produzia fanzines – publicações feitas com desenhos e colagens para publicar textos e poemas de forma independente. Nos ‘zines’ estava a poesia do jovem escritor.
Wagner Silva de Souza Souza, 46, mais conhecido como Tito Fantasma, teve o primeiro contato com o Trovador Obscuro em 2016 ao dar aulas de computação gráfica. Na época, o educador social e militante cultural percebeu que o articulador “era o mais avançado” e que tinha influências do rock e do hip hop em sua arte.
“O Danylo sempre teve essa pegada punk e underground, mas também tinha a questão do hip hop. E ao mesmo tempo, ele tinha várias críticas principalmente ao atual não posicionamento do rap enquanto bandeira de luta”, relembra Tito.
‘Sempre foi um lutador e sempre fomentou, estimulou e articulou a cultura na quebrada’
Tito Fantasma
Saraus
Com o estilo punk de “faça você mesmo” e a vontade de reunir artistas de diversas linguagens e as vertentes do hip hop, o poeta co-fundou o Sarau do Vale em 2015. O evento foi realizado no ‘Bar do Zé Costa’ até 2020 e reunia artistas com o contorno real da cidade de São Paulo ao fundo. Hoje o evento é itinerante.
Nesse período, Midria, 25, poete e mestrande em Antropologia Social pela USP, conheceu o Sarau do Vale. Midria relembra que a relação com o bairro Recanto Verde do Sol era fria e que “sairia na primeira oportunidade”. No entanto, o Trovador Obscuro mostrou que a periferia vai além das ausências.
“Ouvindo o Danylo eu ressignifiquei a minha relação com o bairro e entendi que não é uma questão de que aqui as coisas não podem acontecer. Se as pessoas do Iguatemi tivessem [acessos] conseguiríamos fazer coisas maravilhosas. Assim, ele é pra mim uma liderança, um articulador cultural”, afirma Midria.
Em 2016, ao lado do bibliotecário e contador de histórias, Carlos Otelac, o Trovador Obscuro também co-fundou o Sarau do Seu Camilo, ativo no CEU São Mateus. Em 2023, lançou o primeiro livro, ‘Antologia Marginal’.
O legado
Adler da Silva, 30, conhecido como LouCoala MC, conta que o Sarau do Vale continuará para manter o legado de Danylo. As apresentações voltaram em 28 de agosto no festival Cultural Street, organizado pelo coletivo PerifAtiva e o grupo de rap QCS.
“A ideia é estruturar as apresentações no formato de espetáculo e mostrar que estamos bem articulados. E não só para o lado artístico, mas engajados nas lutas sociais e fazer um trabalho de transformação maior, para que o Sarau seja ponta de lança mesmo e perfure as telas e bolhas”, explica LouCoala MC.
O rapper relata que o desejo é manter as performances do Sarau do Vale e lutar para que outro sonho do poeta se realize: a construção de uma Casa de Cultura no distrito do Iguatemi. Em paralelo, o coletivo começa a produção de um documentário sobre a história e o legado do Trovador Obscuro.
Além de poeta, Danylo também trabalhava como orientador socioeducativo no Sasf (Serviço de Assistência Social à Família e Proteção Social Básica no Domicílio) Iguatemi I, no Jardim das Laranjeiras, na zona leste da capital. O artista estava no quinto semestre do curso de serviço social no Centro Universitário Assunção.
Patrícia Tavares, 49, foi gerente do Sasf Iguatemi I por dois anos e trabalhou junto com o articulador cultural durante o período. Ela destaca o empenho do orientador ao usar a arte para unir e estimular as pessoas. Tanto que, o último evento produzido pelo articulador cultural, Batalha Temática, aconteceu no Sasf Iguatemi I no dia 27 de julho.
“Ele tinha a articulação para trazer a cultura para as pessoas atendidas do território. Tinha muito essa prática de pensar no outro, porque o nosso território é desprovido de lazer. Então para mim, ele era sinônimo de alegria de vida, fortalecimento de vínculos, de olhar com humanidade para o outro”, destaca Patrícia.
Entre as vezes que Danylo conversou com a Mural, a última foi em junho, quando ele abordou a perda de outra figura marcante para a zona leste: o rapper WGI.
Na época, ele citou a necessidade de cuidar dos artistas periféricos nascidos nos anos 1980 e 1990. “Não existe um plano de aposentadoria ou de convênio médico que faça cuidados prévios para estes artistas que estão chegando em idade mais avançada”, diz. “Acredito que temos que cuidar melhor dos nossos.”
Esse cuidado e a ânsia do artista em unir as pessoas permanece até mesmo neste momento de luto, como comenta Midria.
‘Tem mais uma coisa que ele ensinou: a gente é no coletivo’
Midria
“A gente só vai curar esse luto coletivamente e fazendo a memória dele permanecer viva e presente no nosso cotidiano, como esse lutador que ele foi e que continua sendo na nossa memória.”