“A cultura é a expressão dos povos, é de onde você vem, a identidade da sua galera. Por isso, a valorizo tanto. Tenho orgulho de ser nordestino”, afirma Caio César, 30, poeta, artesão, brincante e músico.
Nascido na cidade de Limoeiro, no agreste pernambucano, o artista trouxe a festa do nascimento do Boi de Caboclinho para o Grajaú, na zona sul de São Paulo. No sábado (16), a tradição vai ser apresentada no Parque Linear do Jardim Gaivotas, a partir das 14h.
A festa do Bumba Meu Boi é uma das manifestações culturais mais ricas do Brasil, especialmente nas regiões do Norte e Nordeste.
Combinando o teatro popular, música, dança e religiosidade, a celebração conta a história do boi encantado com elementos que misturam elementos da cultura indígena e afro-brasileira.
Caio, artesão levou a tradicional festa do ‘Bumba Meu Boi’ para o bairro do Grajaú @Isabela Alves/Agência Mural
Por ser uma expressão viva da identidade do povo brasileiro, o Bumba Meu Boi foi reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e, em 2019, recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
‘Brincar com o boi é uma das coisas mais especiais da minha vida. Tive o desejo de dar continuidade e levar essa cultura para São Paulo. É um conhecimento que deve ser compartilhado’
Caio César, poeta e artesão
O nascimento do boi nas quebradas
A tradição do Bumba Meu Boi está presente em muitos municípios do Brasil, mas em cada local tem o próprio sotaque, dança e melodias.
Em São Paulo já existem outras vertentes desta cultura popular. Na zona leste, o Bumba Meu Boi do Parque Novo Mundo segue a linha da Bahia, e na zona oeste no Morro do Querosene segue a linha do Maranhão.
Assim, o desejo de compartilhar a cultura do Boi de Caboclinho, que tem origem indígena, no Grajaú – distrito que também foi batizado com um nome indígena que em tupi significa “rio dos caranguejos” ou “rio das garças” – sempre foi um sonho para o artista.
“Sinto no meu coração que é importante trazer essa lembrança para muitos nordestinos que moram em São Paulo, reconectar com o passado e valorizar a nossa história”, reflete.
Caio também é responsável pelas agremiações “O Morto Carregando o Vivo da Feira do Mangaio” e “Boi Coração Mirim de Limoeiro”, ambas em Pernambuco @Isabela Alves/Agência Mural
Ele observa que ainda são poucas as referências na cidade que celebram essa manifestação cultural. “Chegou a vertente que faltava”, brinca.
Outro exemplo que mostra a força das festas populares é o Boi de Parintins, na Amazônia, um dos espetáculos folclóricos mais conhecidos do mundo.
“Essa cultura retrata a cultura do nosso tempo, que pode até desaparecer se não forem cultivadas. A cultura popular mexe com a manutenção da memória e tem o poder de transformar uma civilização. É o sumo da nossa perspectiva espiritual e humana”, conclui.
Um pedaço do Nordeste no matulão
O ‘matulão’ é uma expressão que se refere a uma trouxinha de pano amarrada a um pauzinho, usada pelos nordestinos para carregar o que há de mais essencial em uma viagem, como mantimentos ou roupas. É assim que o artista se sente ao carregar no coração as memórias e a saudade de onde nasceu.
Aos 7 anos, Caio veio com a mãe, Tereza, de Pernambuco para São Paulo, mais precisamente para o bairro do Jardim Eliana, no início dos anos 2000. “Ver a transição da paisagem, do sotaque e a transformação do ambiente, além de não ver mais meus familiares, me impactou bastante”, relata.
Encantado com o boi desde a infância, o artista voltou a brincar com ele em 2016, ao retornar para sua terra natal @Isabela Alves/Agência Mural
Quando o carnaval acabava em Limoeiro, ele saía catando lantejoulas e fitinhas no chão para criar as brincadeiras. Levou as lembranças que mais o faziam feliz na infância e as transformou em inspiração para o trabalho com cultura que faz atualmente no bairro.
Voltou para a cidade natal em 2016 e logo se reencontrou com a cultura do boi. Ao chegar na casa onde nasceu, encontrou o Boi Carinhoso guardado na garagem do pai, Paulo. Como o espaço era usado como depósito, o boi permanecia ali.
Caio começou a participar como brincante, tocando flauta e interpretando diferentes personagens, como Mateus, Pajé e Bastião. Brincou em várias agremiações até fundar a sua própria: “O Morto Carregando o Vivo da Feira do Mangaio”, uma fantasia que remete a um bêbado levando outro.
A agremiação também leva o nome Feira do Mangaio em homenagem à feira mais popular da cidade, onde Caio tem um ateliê de arte.
A primeira celebração do boi aconteceu em 2024, às margens da Represa Billings @Davi Jordan/Divulgação
‘A agremiação requer um corpo de gente com qualidades para fazer acontecer. Dentro da brincadeira, você acaba vivenciando muitas faces da arte, como o artesanato, o teatro, a música e a dança’
Caio, artista do Grajaú
O ano de 2023 marcou a estreia da agremiação no desfile de Limoeiro. Agora, Caio também é responsável pela agremiação do Boi Coração Mirim de Limoeiro.
Para ele, um dos maiores desafios na organização das festas populares é cativar os brincantes e as pessoas envolvidas na realização, que ao mesmo tempo trabalham e se divertem.
“O carnaval é encantador, principalmente no interior, onde não há aqueles grandes palcos. Ele é encantado e bonito, porque é o carnaval das pessoas populares. As pessoas não têm grandes passarelas, mas fazem sua brincadeira de forma bem natural, como uma brincadeira de criança”, diz.
Endereço: Parque Linear do Jardim Gaivotas
Horário de funcionamento: Sábado (16), às 14h
