Este artigo sobre as eleições no Brasil foi publicado originalmente na revista Pueblos, da Espanha, em parceria com a Agência Mural.
O discurso antipolítica fez sucesso no país na última eleição municipal, em 2016. São Paulo e Belo Horizonte, duas das maiores cidades brasileiras, passaram a ser comandadas por dois candidatos de primeira viagem: um empresário e apresentador de TV e um ex-presidente de um time de futebol.
Para muitos iniciantes, tentar uma vaga agora na Câmara dos Deputados ou em uma Assembleia Legislativa nos estados é uma forma de se tornar conhecido, começar a carreira política e depois alçar outros voos, como ser candidato a prefeito.
Neste ano, a aposta em novos nomes aumenta. Nos últimos anos, o país recebeu notícias quase diárias de escândalos de corrupção envolvendo altos cargos do governo. Ex-presidente de 2003 a 2010, Lula foi condenado e preso sob acusação de ter recebido um apartamento em troca de favorecer uma construtora de obras públicas. O atual presidente, Michel Temer, ex-deputado que atuou por 20 anos na Câmara, sobreviveu a pedidos de afastamento por denúncias de corrupção, mas atinge índice de rejeição de 70%. Temer chegou ao poder após o impeachment de Dilma Rousseff, de quem era vice, em março de 2016. Ele tentou implantar uma agenda de reformas e conseguiu cortar direitos trabalhistas, mas não teve força para mexer nas regras de aposentadoria.
A queda de Dilma e a manutenção de Temer no poder tiveram como pano de fundo o Congresso Nacional, repleto de nomes sob suspeita que tentarão sobreviver na disputa eleitoral deste ano. O problema é que este pleito, importante para o futuro do país, acaba ficando em segundo ou terceiro plano: na mesma votação, também são escolhidos o presidente, os governadores e senadores.
Existe um risco de se formar mais um Congresso fragmentado, como ocorreu em 2014, o que dificultaria a vida do futuro presidente para conseguir maioria. Atualmente, 27 partidos contam com ao menos um representante em Brasília.
NOVOS NOMES
Em meio a esse contexto, uma série de movimentos têm surgido à margem dos partidos em busca de eleger deputados que representem faixas da sociedade que se consideram excluídas do debate no Parlamento, como negros, LGBTs e moradores das periferias das cidades.
Entre eles está o Bancada Ativista, de esquerda, que aposta em fazer um mandato coletivo no parlamento. Aparecerá um nome na urna, mas a atuação será do grupo. Uma de suas integrantes, Samia Bonfim, foi eleita vereadora da cidade de São Paulo em 2016 e agora tentará ser deputada federal. Ela também faz parte do Ocupa Política, grupo do qual fez parte Marielle Franco, militante dos direitos humanos e vereadora do Rio de Janeiro, executada a tiros em março enquanto circulava de carro pela cidade. O crime chocou o país, mas até agora os culpados de sua morte não foram descobertos.
Outro grupo que lançará nomes na disputa é a Frente Favela Brasil, cujo plano é virar um partido. Em São Paulo, o movimento Nós também tem pregado a participação dos negros na política e discute também a pouca presença feminina no Congresso. 90% dos parlamentares são homens.
Para disputar a eleição no país, é preciso estar filiado a um partido. Assim, estes movimentos buscam inicialmente se filiar a legendas, mas deixam claro sua intenção de atuar de forma independente.
Por outro lado, lideranças da direita também surgiram de movimentos que atuaram em prol do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT – Partido dos Trabalhadores). É o caso do MBL (Movimento Brasil Livre) e do Vem Pra Rua, responsáveis por convocar mobilizações nas ruas em 2016. Esses grupos tentam gabaritar candidatos em partidos como o DEM (Democratas). Há uma troca de interesses nesse caso. De um lado, o partido aceita as propostas desse grupo, em troca da aposta em uma boa votação desse candidato.
SISTEMA COMPLEXO
A questão da diminuição da importância do partido é complexa em um sistema eleitoral denominado proporcional de lista aberta. As pessoas votam nos candidatos, mas a divisão das cadeiras é feita de acordo com a soma de votos que cada partido ou coligação recebe. Se pertence a uma legenda que não consegue um número mínimo de votos, um candidato bem votado pode ficar de fora do Parlamento.
Complica ainda mais essa conta ao se olhar o número de legendas que estarão na disputa. O Brasil hoje conta com 35 partidos registrados.
Dentro disso, se tornou comum a candidatura de famosos para puxar votos e aumentar a bancada dos partidos. Os dois mais votados no Estado de São Paulo em 2014, com forte presença na capital e nos arredores, foram o jornalista Celso Russomano, do PRB, coordenado por líderes da Igreja Evangélica Universal do Reino de Deus e pelo presidente da RecordTV, Edir Macedo.
Os 1,3 milhão de votos de Russomano ajudaram a aumentar a bancada evangélica no estado em mais quatro deputados. O outro caso é do deputado federal Tiririca, do PR. Humorista, Ele foi reeleito com 1 milhão de votos e também favoreceu essa bancada com o lema ‘pior que tá, não fica’.
As votações desses dois parlamentares fizeram com que candidatos entrassem na Câmara dos Deputados com até 22 mil votos, enquanto alguns candidatos que receberam 100 mil votos ficassem de fora.
Além disso, muitos dos eleitos não cumprem o mandato, pois saem para assumir cargos como secretário de Estado. Há casos em que o deputado voltou apenas para votar em temas importantes, como o impeachment de Dilma, e depois deixou novamente a Casa.
A prática do ‘puxador de votos’ é criticada no Brasil, mas possíveis soluções não encontram consenso no Congresso. Propostas de reforma política têm sido barradas todos os anos antes da eleição.
RELAÇÃO COM AS PREFEITURAS
Os candidatos a deputado federal têm interesses fortes na relação com as prefeituras. Ter uma boa relação com o prefeito pode ser mais importante para ganhar a eleição do que o partido ou as ideias de cada concorrente, pois os governos locais dão apoio da máquina administrativa da cidade para a campanha.
Na última eleição, em 2014, a cidade de Osasco, com 550 mil eleitores, foi alvo de forte campanha de Valmir Prascidelli e Marcos Martins, candidatos do PT. O governo municipal era administrado pelo partido. Ambos foram eleitos. Dois anos depois, Prascidelli foi escolhido para disputar a prefeitura e perdeu. Agora, o partido terá o desafio de manter esse eleitorado sem a ajuda da máquina municipal.
Do outro lado do rio Tietê, a cidade de Barueri tem maior continuidade eleitoral. A família Furlan domina a cidade de 250 mil eleitores desde a década de 1980. O atual prefeito Rubens Furlan (PSDB), de 52 anos, ocupa o cargo pela quinta vez. Sua filha, Bruna, de x anos, está no segundo mandato seguido na Câmara Federal.
Os Furlan integram o PSDB, principal opositor aos governos do PT. Furlan passou pelo PPS e pelo PMDB antes de chegar ao PSDB. Bruna votou contra seu partido sobre as denúncias do ex-presidente Michel Temer (PMDB) e foi a favor de mantê-lo no poder. O que pesa é o poder familiar, característico do Congresso, onde 62% dos parlamentares têm laço de sangue com algum outro político.
Os parlamentares funcionam como uma espécie de despachante. Recentemente, um deputado estadual de São Paulo realizou uma reunião política para anunciar que trocaria de partido. João Caramez estava no PSDB desde 1996 e decidiu ir para o PSB, pois prefere apoiar Márcio França na disputa para governador de São Paulo, do que João Doria, ex-prefeito de São Paulo, e que foi escolhido pelo PSDB.
Durante o anúncio em Itapevi, na Grande São Paulo, Caramez teve a presença de prefeitos de diversas regiões distantes, no interior do estado. “O que importa é o homem, não o partido”, comentou. Cada mandatário, de cidades que tinham entre 2 mil a 40 mil eleitores declaravam seu apoio a mudança, vindo até mesmo filiados no PSDB. Um deles lembrou que o deputado lhe apoiou em uma eleição, mesmo com um correligionário de Caramez como rival.
A cena não é incomum pelo estado de São Paulo e explica como funciona o apoio aos atuais parlamentares que buscarão a reeleição tanto a nível local, como para a Câmara Federal.
Cada deputado federal tem direito a R$ 15 milhões em emendas, que são propostas de apoio em infraestrutura, saúde ou outros serviços para as cidades. Cabe ao parlamentar escolher quais cidades serão beneficiadas, numa costura que visa sempre a próxima eleição. O mesmo ocorre a nível estadual. Logo, o prefeito eleito em 2016 verá quem lhe enviou recursos para ajudar a administração local. A troca é a ajuda na campanha e até uma estimativa de quantos votos poderá conceder para este deputado.
Para se ter ideia, apenas para 2018, os deputados federais acrescentaram no orçamento do governo federal o envio de R$ 41 milhões para cidades da região metropolitana da capital. Cada um atendendo a seu domicílio eleitoral ou a aliados. Tanto que das 39 cidades que compõem a região, 15 municípios não receberam uma só proposta de recursos por meio dos deputados federais.
Vale destacar que apesar desse montante, os deputados não focam exclusivamente nas regiões em que foram mais votados. Se os 25 deputados da Grande São Paulo enviassem emendas para a região, seriam R$ 375 milhões. Ocorre que para conseguir se manter no poder, há repartição dos recursos com outras cidades do interior.
Essa forma de ação favorece quem já tem uma cadeira na Câmara em detrimento de outros nomes que almeja alçar uma candidatura fora do sistema partidário brasileiro. Mas traz um outro ponto curioso sobre os deputados: a sua função. De um lado, o papel de fiscalizar e legislar é sempre repetido pelos deputados. Mas manter o contato com as bases faz com que se tornar um ‘despachante’ dos interesses de sua região ganhe força. Diversos prefeitos vão diversas vezes em Brasília, e os parlamentares fazem a interlocução com governos e ministérios: a troca? O apoio na próxima eleição.
Paulo Talarico é correspodente de Osasco
paulo@agenciamural.org.br