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Assédio no trabalho: quando o machismo senta ao lado

Por: Redação

1º Grande Ato Mulherada de Perus, na região noroeste de SP, em 2017 (Reprodução Facebook/Thaís Ferrer)

Certa vez, enquanto Helena Morais (nome fictício para preservar a identidade da personagem), 44, arrumava o quarto, seu patrão a segurou pelas costas e disse que adorava mulheres de cabelos compridos. Em outro momento, ao cumprimentá-lo, teve que se defender para não ser beijada na boca à força. As cenas aconteceram ao longo dos 17 anos que Helena trabalha como empregada doméstica na mesma casa, em Perus, região noroeste de São Paulo.

A história, no entanto, não é um caso isolado na capital paulista. O estudo “Viver em São Paulo — Mulher”, lançado nesta quinta-feira (8) pela Rede Nossa São Paulo em parceria com o Ibope, ouviu 423 mulheres em toda a cidade, sendo a maioria da classe C. Desse total, 16% afirmaram que já sofreram algum tipo de assédio sexual no ambiente de trabalho. Além disso, 19% disseram que também foram vítimas de discriminação ou preconceito no emprego pelo simples fato de serem mulheres.

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Helena estudou até a 8ª série. É vendedora de cosméticos nas horas vagas, mas é com o salário mínimo como doméstica que sustenta sua família. “O salário do meu marido não dá conta de pagar aluguel, as contas e comida. Eu tive que aprender a ‘engolir sapo’ para continuar nesse serviço. E trabalhando nessa casa eu pude também acompanhar o crescimento da minha filha, porque é perto da minha casa. Se eu trabalhasse em outro lugar não veria ela indo pra escola e teria que gastar também com condução”.

Quando questionada sobre os assédios sofridos, ela conta que sempre teve receio de a patroa supor que a culpa fosse dela e a demitisse. “Às vezes, eu estava na cozinha, então ele vinha passando a mão nas minhas costas, eu logo falava bem brava que ele não precisava colocar a mão pra falar comigo, vai que ela visse”.

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Helena é parte de um grupo extenso de mulheres no qual a discussão sobre assédio ainda está longe de chegar. “Eu tento ver como brincadeira, pra não ficar com aquilo na cabeça e conseguir trabalhar”, aponta, sem o reconhecer como assediador. Na pesquisa da Rede Nossa SP, inclusive, mulheres de classe mais alta reconhecem mais o assédio do que as da classe C.

UNIÃO DAS MULHERES

Denunciar qualquer tipo de assédio ainda é uma grande questão para as mulheres, sobretudo quando a situação sugere ameaças como uma demissão. Jornalista e cofundadora do Coletivo Jornalistas Contra o Assédio, Janaina Garcia, 37, acredita que, mais do que coragem, as mulheres precisam se sentir acolhidas para falar sobre o assunto.

Integrantes do coletivo “Jornalistas contra o assédio” durante o 11º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo (Reprodução/Facebook)

“Há quantas décadas esses casos de assédio em Hollywood estavam enterrados? Se estamos vendo, só agora, uma indústria tão poderosa do cinema falando disso, é porque essas mulheres estão se sentindo acolhidas para falar disso”, comenta, em referência à campanha Time’s Up (Tempo para Agir), que vem desvelando diversos casos de abuso e assédio no cinema norte-americano.

Criado em 2016, após uma estagiária ser demitida do IG por denunciar assédio sofrido pelo cantor de funk Biel, o objetivo do coletivo das jornalistas é realizar o debate junto a profissionais da área, mas também ampliar o acesso à informação e despertar a consciência de homens e mulheres para que enxerguem a questão como um problema a ser enfrentado por toda a sociedade.  

“A gente se sente muito impotente, e sozinha é muito mais difícil. Estar em coletivo é a possibilidade de debater muito dessas angústias com outras mulheres. Um primeiro passo é as mulheres praticarem a sororidade entre elas no ambiente de trabalho. Uma mulher se sente intimidada, mas será que dez mulheres juntas não vão se sentir mais acolhidas e encorajadas? É importante firmar essas redes de proteção e acolhida”, pontua.

DA INTERNET AO FRONT DA VIDA REAL

Com a ideia de fazer a discussão feminista de maneira geral chegar até mulheres como Helena que surge, no início de 2017, o coletivo Mulherada de Perus, reunindo mulheres de variadas áreas no bairro de mesmo nome.

Algumas das integrantes realizam exibições de filmes acompanhadas de rodas de conversa em espaços públicos como em bibliotecas, escolas e UBSs (Unidades Básicas de Saúde).

1º Grande Ato da Mulherada de Perus, em 2017 (Reprodução Facebook/Thaís Ferrer)

“Ao fazermos rodas de conversa, nós conseguimos tocar de verdade as pessoas. É preciso sair do feminismo de internet e ir para o front mesmo. Há mulheres de 50, 60 anos que não sabem ainda o que é assédio. Quando fomos ao Cieja (Centro de Integração de Educação de Jovens e Adultos), uma mulher relatou que havia descoberto naquele momento que já havia sido estuprada pelo marido. Trabalho dentro de um telecentro, cada mulher que entra, pede um conselho. Elas querem conversar, precisam de escuta e troca”, conta uma das integrantes do coletivo e ativista cultural, Erika Barbosa, 28, que apenas reconheceu os casos de assédio sexual que havia sofrido no trabalho ao se conectar com movimentos e demais mulheres que falam sobre o assunto.

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“Eu estava conversando com uma amiga e ela perguntou por que eu não denunciei. Mas, na época, eu não entendia que era assédio. Era uma mão na cintura, me chamava para sair e teve vezes que ele me seguiu até o banheiro. Não achava normal, mas não queria ser grosseira. Só fui entender mesmo dentro do movimento. Não tinha acesso à informação como tenho hoje, com certeza teria agido de outra forma, teria denunciado”, segue Erika.

E O QUE AS EMPRESAS TÊM A VER COM ISSO?

Se, por um lado, as mulheres estão se reunindo em grupos em diversas esferas, por outro, as organizações também precisam rever seus conceitos. Após sofrer as mais diversas formas de assédio moral em seus empregos, Evelin Fomin, 43, resolveu somar sua expertise com a insatisfação em relação a pesquisas engrandecendo empresas com hábitos machistas e, junto a outras três mulheres, criou a plataforma Somos Muchas.

Com total sigilo, as mulheres podem contar casos de assédio que sofreram em determinadas instituições. Posteriormente, a equipe compila esse material para incidir sobre algumas empresas, mostrando a urgência de alterar práticas que intensifiquem a desigualdade de gênero.

“De maneira geral, as mulheres têm apresentado questões como falta de mentoria e desenvolvimento para liderança, falta de um programa estratégico da gestão das profissionais que optam pela maternidade, falta de plano de carreira e integração da mulher com idade entre 38 e 40 anos, o que as empresas ainda não compreenderam que são mulheres de alta potência e ainda jovens”, explica.

A reportagem ouviu ainda a advogada e mestranda em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP, Agnes Marian Ghtait Moreira das Neves, que aponta as diferenças entre assédio sexual e assédio moral, a fim de ajudar as mulheres a identificá-los, caso isso venha acontecer em seu cotidiano de trabalho e indica como pedir ajuda caso isso aconteça com você ou alguma mulher próxima.  

ENTENDA

“O assédio sexual é o comportamento inapropriado, não desejado pela vítima. Viola a possibilidade de escolha da vítima. É dividido em assédio sexual por chantagem e assédio sexual ambiental. O assédio sexual por chantagem caracteriza-se pela exigência, realizada pelo superior hierárquico, de favores sexuais. O assédio sexual ambiental consiste na propagação de práticas sexistas, embaraçosas e inadequadas. O assédio sexual ambiental pode ser cometido tanto por colegas de diferentes níveis hierárquicos, quanto de mesmo nível hierárquico. O assédio sexual por chantagem é considerado crime, nos termos do artigo 216-A do Código Penal, que prevê a pena de detenção, de 1 a 2  anos”.

“Já o assédio moral pode ser conceituado como a conduta, realizada de modo reiterado e intencional, praticada por uma ou mais pessoas, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes, ofendendo-lhe a dignidade. São ofensas, xingamentos e atos que neutralizam ou isolam o trabalhador no ambiente de trabalho. O assédio moral pode ser cometido tanto por colegas de diferentes níveis hierárquicos, quanto de mesmo nível hierárquico. Não há tratamento penal específico para o assédio moral. Há diversos projetos de lei que objetivam a criação de um crime de assédio moral tramitando no Congresso Nacional. Desse modo, e enquanto não houver a aprovação de um desses projetos, somente haverá a tutela penal da situação se a conduta do assediador caracterizar um crime previsto na legislação penal.”

ONDE RECORRER EM CASO DE ASSÉDIO

É possível procurar a um CCM (Centro de Cidadania da Mulher)  mais próximo, caso sofra qualquer tipo de assédio, pois estes espaços possuem serviço de assistência social e podem instruir na realização de boletins de ocorrência.

A advogada Agnes aponta que é possível também realizar a denúncia de assédio sexual por meio dos canais de denúncia do Ministério Público do Trabalho, virtual ou pessoalmente.

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http://32xsp.org.br/2018/03/08/menos-de-5-das-paulistanas-denunciam-agressoes-sofridas/

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