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Ativista de Paraisópolis luta por moradia digna e direitos das pessoas com deficiência

Por: Glória Maria

Em uma pasta amarela, Maria Cleudimar da Silva, 55, guarda documentos importantes da atuação política nos últimos 18 anos como ativista pelo direito à moradia e pelos direitos das pessoas com deficiência.

No local, há papeladas de participação em audiências, notificações de desocupação em área municipal e cartilhas.

Esses registros fazem parte da história de Maria Cleudimar, piauiense de Piripiri, como ela mesma afirma: “Sou de Piripiri, da terra dos quatro i”. Moradora e liderança de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, é mãe de Juliana Carla, 33, Herbert Richard, 23, e Antônia Vitória, 22.

Aos 32 anos, Maria Cleudimar fugiu de um relacionamento abusivo com os filhos para o Pará e, de lá, conseguiu uma carona graças a um caminhoneiro. Em São Paulo, uma conhecida que morava em uma ocupação próxima à Paraisópolis, na favela Nova Esperança, cedeu espaço em seu barraco. Após quatro meses, Cleudimar conseguiu o próprio barraco e seguiu sobrevivendo como costureira.

Maria Cleudimar da Silva, moradora e ativista de Paraisópolis @Glória Maria/Agência Mural

A atuação dela pelas pessoas com deficiência começou com os cuidados coma a filha, Antônia Vitória, que possui uma doença genética rara que prejudica a coordenação e o equilíbrio, resultando em atraso psicomotor.A menina nasceu em um parto prematuro de seis meses.

Quando criança, Vitória chorava muito e vivia cansada, ofegante. Cleudimar a levou para o Hospital das Clínicas com três anos, onde descobriu que ela tinha síndrome de Williams. Daí em diante, começou a luta pelos direitos de Vitória.

“No momento que a médica me falou, foi um choque. Foi aí que eu percebi que precisaria ir atrás dos direitos dela”.

Cleudimar iniciou o tratamento de Vitória e, junto com os direitos, também correu atrás do Benefício de Prestação Continuada (LOAS), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social, que garante um salário mínimo a pessoas com deficiência e a idosos com mais de 65 anos.

Cleudimar e a filha Antônia Vitória que tem síndrome de Williams @Glória Maria/Agência Mural

Como ativista da habitação, Cleudimar e Vitória também participam do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência, pautando a inclusão tanto das pessoas com deficiência quanto das cuidadoras.

‘Discutimos a inclusão social das pessoas com deficiência, mas também a inclusão das mães, porque nós dedicamos 24 horas por dia para cuidar e lutar por direitos. E nós também somos excluídas pela sociedade’

Cleudimar, liderança comunitária de Paraisópolis

Luta por moradia

Em 2006, ela e mais de 400 famílias foram notificadas pela prefeitura sobre a remoção da ocupação na Nova Esperança, sem direito a nada. Cleudimar conheceu a Associação de Moradores de Paraisópolis, que se mobilizava para discutir moradia. Foi quando conheceu Zé Maria, liderança de Paraisópolis e presidente da Associação.

“Memorizei o nome e o rosto do Zé e fui bater na porta dele. Expliquei a situação e, a partir desse momento, me integrei ao movimento de moradia”, conta.

Com a Associação de Moradores de Paraisópolis, Cleudimar e outros moradores da favela Nova Esperança participaram de uma série de ações até conseguirem o auxílio-aluguel, que demorou um pouco mais de um ano.

“Essa batalha nós vencemos, mas foi preciso fazer muito barulho, manifestações e gritar que precisávamos de moradia”, ressalta.

Em alguns meses, ela conseguiu o auxílio-aluguel e, após um pouco mais de um ano, a moradia no prédio do CDHU saiu em Paraisópolis. Após a conquista, Cleudimar continuou a ir às reuniões da Associação, da qual começou a fazer parte.

‘Precisava continuar a reivindicar muitos direitos. Ainda há pessoas sem teto, em ocupações. Inúmeras famílias com medo de terem seus barracos derrubados. Estávamos aprendendo o que era nosso por direito’

Cleudimar, liderança comunitária de Paraisópolis

Em 2012, Cleudimar relembra que uma parte da comunidade estava sendo alvo de remoção.

“Para os ricos e para quem está no poder, Paraisópolis não era para existir, e nesse tempo os moradores temiam as remoções, porque se ouvia muito que parte de Paraisópolis iria sair e que o povo teria só 5 mil de indenização”, afirma.

Foi batendo nas portas das autoridades e organizando os moradores que, no mesmo ano, aconteceu a primeira audiência pública no CEU Paraisópolis. Para Cleudimar, um dos dias mais marcantes para a comunidade. A audiência contou com a presença de 16 promotores de justiça e um juiz.

“Foi a primeira vez que vieram ao nosso território para ouvir nossas demandas, e foi muito importante porque, a partir dessa ação, conseguimos paralisar esse projeto”, comenta.

Com apoio dos promotores, Cleudimar foi nomeada delegada de habitação da zona sul, onde apontava ideias e melhorias para a habitação, como o caso do auxílio-aluguel, que a prefeitura queria pagar apenas durante um a dois anos.

“Queriam pagar por tempo determinado sem entregar a moradia para as famílias, e isso mudou porque batemos o pé no chão e não aceitamos”, relembra.

A luta como mãe

Cleudimar também aponta que a sociedade e o governo não olham para as mães que trabalham como donas de casa e dedicam a vida cuidando de um filho com deficiência.

“Eu não posso trabalhar porque preciso cuidar da Vitória, é uma responsabilidade que eu carrego. Logo, não tenho nada assinado na minha carteira”, pontua.

A ativista também desabafa sobre o tratamento desigual e as cobranças da sociedade com quem é mãe.

“Se a mãe sair, seja para trabalhar ou para outra necessidade, e acontecer alguma coisa com o filho, aí aparece toda a justiça em cima para condenar. Mas nenhuma justiça vem para escutar nossa história de como sobrevivemos só com um salário e de quais suportes precisamos”, afirma.

Algumas das reivindicações de Cleudimar são para que mães que cuidam de filhos com deficiência possam se aposentar, que o LOAS tenha ao menos o décimo terceiro, e que mães e pessoas com deficiência tenham isenção nas parcelas do CDHU.

Essas são algumas das pautas encontradas na carta que Vitória e Cleudimar entregaram em fevereiro de 2024, na mão do presidente Lula, no começo do ano, no evento de filiação de Marta Suplicy ao PT (Partido dos Trabalhadores).

“Tenho esperança que uma autoridade como o atual presidente olhe para nossas condições. Olhe para as necessidades das mães que trabalham o dobro e que dedicam suas vidas a seus filhos”, comenta.

Cleudimar reivindica na comunidade os direitos da inclusão social @Glória Maria/Agência Mural

Neste sentido, está em andamento um projeto de lei que estabelece a “Política Nacional de Cuidados”. O presidente Luís Inácio Lula da Silva enviou o PL ao Congresso Nacional.

O projeto prevê assegurar o acesso ao cuidado de qualidade, o trabalho decente para as trabalhadoras e trabalhadores remunerados do cuidado e a redução da sobrecarga para quem cuida de forma não remunerada, que são, em sua maioria, mulheres.

Articulação política

Com trajetória de ativismo há 18 anos, hoje Cleudimar também integra a UBMCSP (União em Defesa da Moradia e Melhorias das Comunidades do Estado de São Paulo) e carrega consigo uma carta para todas as audiências e espaços públicos nos quais ajudou a construir, exigindo melhores condições de vida para os moradores das periferias.

REIVINDICAÇÕES DE CLEUDIMAR

1

Auxílio-aluguel para que as pessoas possam sacar o dinheiro onde estiverem e escolher onde querem morar

2

Isenção de condomínio para pessoas com deficiência e suas cuidadoras

3

Monotrilho em Paraisópolis

4

Criação de uma UPA com especialidades e capacidade para realizar pequenas cirurgias, entre outras.

“Essa carta tem muitos pontos que precisam ser vistos em Paraisópolis. Em todos os lugares, com deputados, vereadores e autoridades em geral, entrego uma. Não importa se é de direita ou esquerda, precisa escutar o povo. Precisa trabalhar para o povo”, comenta.

Cleudimar afirma que a energia para estar em um movimento político vem do não aceitar injustiças e cita Jesus Cristo como um grande ativista.

“Eu sou uma mulher evangélica, eu honro o trabalho que Jesus fez nessa terra, de amar e de não se calar com o que está errado. E esse também é meu papel, lutar para que aqui seja um lugar melhor”.

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