Viver com R$ 7 por dia. Essa é a conta de quem perdeu o emprego e só conseguiu sacar em uma agência da Caixa Econômica o auxílio emergencial de R$ 600 pelo aplicativo de celular.
No dia 27 de junho, o banco começou a depositar os valores da terceira parcela, mas com um período longo de saques, alguns terão de esperar até três meses para conseguir o recurso. Ou seja, alguns terão de viver 84 dias com os últimos R$ 600.
A espera preocupa quem depende do dinheiro para pagar contas e comprar alimentos e itens essenciais.
Nascidos em janeiro, poderão fazer o saque em agosto. Para quem faz aniversário em novembro e dezembro, só será possível depois de 19 de setembro.
Antes disso, somente quem tiver acesso a internet e utilizar o aplicativo ‘Caixa Tem’ poderá fazer transações sobre o benefício. No entanto, o App tem apresentado dificuldades para moradores das periferias desde o começo da pandemia do novo coronavírus.
“Esse aplicativo é só por Deus”, desabafa a desempregada Thayná de Melo, 22, moradora de Suzano, na Grande São Paulo. A jovem já recebeu duas parcelas do auxílio emergencial e conta que a instabilidade e o tempo de espera no aplicativo melhorou um pouco entre uma parcela e outra, mas ainda é difícil acessar.
Como o aplicativo não aceitou a conta dela, ela precisa transferir para a conta de alguém próximo e esperar a pessoa sacar para ter acesso ao dinheiro.
Se na primeira parcela a dificuldade maior foi acessar o aplicativo, na segunda foi esperar pela data da transferência. “Não adianta falar para a conta ‘Conta, espera aí, que quando eu pegar o dinheiro do auxílio vou te pagar’. É de ficar doido de arrancar o cabelo, mas eu não podia fazer nada, pedir emprestado ia piorar a situação, então eu tive que esperar”, relata Thayná.
Algumas despesas precisarão esperar ainda mais. Segundo ela, o dinheiro foi todo utilizado para alimentação, gás e conta de luz. “Esse dinheiro não é para pagar conta, é para não passar fome”, diz.
Agora Thayná aguarda a terceira parcela do benefício, mas como perdeu o celular e precisou trocar de número, sequer consegue acessar e consultar seus dados. Ao seguir as instruções para recuperar o acesso, enfrenta outra “saga” com o aplicativo, sem respostas.
A Caixa afirma que o prazo maior para o saque presencial é para evitar filas nos bancos por conta da pandemia e que, apesar de alguns terem como prazo o recebimento em setembro, o valor está disponível desde junho e julho para compras pela internet ou pelo aplicativo Caixa Tem.
“A prioridade do banco é manter o atendimento digital, de forma a evitar aglomerações de pessoas nos pontos de atendimento”, diz o banco.
No entanto, justamente a dificuldade para acessar o aplicativo tem levado a filas desde o começo da quarentena, ainda em abril.
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Além disso, aqueles que têm pouco ou nenhum acesso à internet, como é o caso da desempregada Mariana Oliveira, 32, tem pouca alternativa exceto ir até a agência.
“Posso até baixar o aplicativo no meu celular, o problema é que não tenho internet em casa. Se baixar e só ficar carregando, a única internet que coloco por mês para me comunicar com a família, vai acabar”, relata.
Ela conta que só será possível instalar uma rede própria de internet quando conseguir um emprego, pois já está difícil arcar com as contas atuais, de água, luz e aluguel. “As contas estão acumulando, estou dando prioridade para o que comer”, diz.
Mariana mora na cidade de Mogi das Cruzes com o filho e o marido, que trabalha em um lava-rápido (ele é remunerado pelas diárias apenas quando é chamado para cobrir folgas dos funcionários). Boa parte do pagamento é usada no transporte de casa até o trabalho e na alimentação, já que precisa levar marmita.
É no wi-fi do lava-rápido que ele às vezes tenta acessar o ‘Caixa Tem’. Enquanto come, durante a pausa para o almoço. “Só que nunca dá tempo, porque como fica carregando, carregando, carregando, ele tem que continuar trabalhando e não consegue”, conta a esposa.
O cunhado também a ajuda. Foi por uma consulta feita por ele, que ela soube que a próxima parcela estará disponível para transferência e saque em setembro.
Como a primeira parcela, recebida em junho, tinha caído diretamente na sua conta, a data para movimentação do dinheiro da segunda foi uma surpresa. “Se a pessoa for esperar até setembro para se alimentar e pagar uma conta, a pessoa morre de fome”, lamenta Oliveira.
Há quem tenha recorrido a pessoas próximas para conseguir. João*, 48, pediu ajuda a um vizinho em Osasco, na Grande São Paulo, para conseguir mexer no sistema que sempre deu errado. Se conseguir sacar e fazer a transferência, combinou de pagar R$ 30 pelo apoio.
COMPRAR COMIDA
Criado para dar auxílio às famílias que perderam renda nos tempos da pandemia, o valor pago pelo governo federal de R$ 600 tem sido usado por 95% dos beneficiários de favelas para a compra de alimentos, segundo pesquisa do Instituto Data Favela, parceria do Instituto Locomotiva com a CUFA (Central Única das Favelas).
O levantamento foi feito em maio em 72 cidades e indica ainda que 56% dos moradores de favelas brasileiras que conseguiram receber o auxílio emergencial usou o valor para ajudar financeiramente amigos e familiares.
Segundo a CEF (Caixa Econômica Federal), 65,2 milhões de brasileiros foram beneficiados com o auxílio emergencial dentro das parcelas 1, 2 e 3, um total de R$ 121,1 bilhões distribuídos.
Dos 109,1 milhões de cadastros no programa, 107,8 milhões foram pagos. Outras cerca de 860 mil pessoas ainda esperam por reanálise, todos inscritos no App e no site do auxílio, enquanto cerca de 1,3 milhão ainda estão em primeira análise.
Os trabalhadores podem consultar a situação do benefício pelo aplicativo do auxílio emergencial ou pelo site da Caixa.