“Seguro a sua mão na minha, para que juntos possamos fazer aquilo que não posso fazer só”. A frase foi replicada por Kelly Silva, 34, conhecida como Minakibalony, uma das fundadoras e regente do Baque Atitude, movimento de maracatu do Jardim Ibirapuera, na zona sul de São Paulo.
A coletividade expressa nessas palavras é vista na união de jovens da comunidade que fazem ecoar o som dos tambores desde 2009 e se espalham pelos cantos da periferia sul da cidade.
Kelly teve o primeiro contato com o maracatu em 2007, após sair de Afogados (PE) rumo a São Paulo. Dois anos depois, já morando na região, mergulhou no movimento com o apoio e parceria de Andréia Tenório e dos gêmeos Márcio e Mailson Santos, alguns dos fundadores do Baque.
Kelly conhecida como Minakibalony é uma das fundadoras e regente do Baque Atitude @Daniel Santana/Agência Mural
Aliados a outros jovens da comunidade que despertaram o interesse pela manifestação, criaram o movimento com o objetivo de fortalecer a cultura e promover união. Atualmente, o Baque conta com 45 jovens, em sua maioria mulheres, pessoas negras e LGBTQIAN+.
‘O Baque Atitude foi construído dessa vontade de estar junto. Ter um lugar que chamamos de casa, com família, cuidado e respeito, faz esse senso coletivo acontecer. É estar dentro do território’
Kelly, fundadora do Baque Atitude
O nome Baque Atitude surgiu de sugestões reunidas em uma caixa de sapato pelos participantes. “Baque” remete à percussão do maracatu nação, enquanto “Atitude” se conecta ao universo do hip hop, refletindo a identificação dos jovens com o rap e a ideia de engajamento.
Se no Maracatu tradicional os homens costumam ocupar a linha de frente, no Baque a história é outra. Minakibalony mostra que a batida do tambor também pode ecoar das mãos e da liderança feminina.
“Muitas vezes, cheguei a lugares e me perguntaram: ‘cadê o mestre?’ Quebramos esse tabu quando colocamos mulheres pretas à frente. Vamos mostrando que somos capazes, com respeito à tradição, mas com protagonismo”, diz.
O Baque conta atualmente com 45 jovens, a maioria mulheres e jovens @Lucas Andrade/Divulgação
Com Fernanda Santana não é diferente. Dos seus 28 anos de idade, 18 são dedicados à vivência no Maracatu. Mãe solo, ela leva a filha Zury, de um ano e três meses, para os ensaios e apresentações.
Em um grupo composto quase por completo por mulheres, a rede de apoio se apresenta de forma ampla. Não apenas a Fernanda, mas às outras mães do grupo.
Ela afirma que pode estar em qualquer lugar sendo mãe, mulher, sub-regente, graças também à potencialização gerada pelas atividades no Baque Atitude.
Fernanda e Kelly recebem homenagem do Escadão Galeria @Daniel Santana/Agência Mural
Na visão dela, é importante afirmar que são duas mulheres pretas que levam o projeto em um território majoritariamente negro, o que é fundamental na questão identitária não apenas do Maracatu, mas também da própria quebrada.
“Ao liderar um projeto como o nosso, conseguimos destravar processos de identidade e aceitação. Isso passa pela cor, pelo cabelo, pela ancestralidade, pela raiz”, destaca Fernanda.
Como parte dessa integração com o bairro, no dia 14 de agosto, o Baque Atitude recebeu uma homenagem especial no Escadão Galeria, intervenção cultural promovida pelo Bloco do Beco.
Para quem está no corre desde o início, a homenagem é resultado de um momento essencial para valorizar e manter viva a história do Maracatu que criou raízes e se fortaleceu na região.
Escadão em homenagem ao Maracatu no Jardim Ibirapuera @Daniel Santana/Agência Mural
Escadão em homenagem ao Maracatu no Jardim Ibirapuera @Daniel Santana/Agência Mural
Apresentação no Escadão em homenagem ao Maracatu @Daniel Santana/Agência Mural
A jovem tocando instrumento no ensaio do Baque Atitude @Lucas Andrade/Divulgação
Passar pelo espaço, segundo Kelly, é olhar para a construção de sua vida e a evolução do grupo. “De cinco pessoas, fomos para 15, 20, e agora 45 jovens. Ter uma homenagem no meu bairro, com nossa história registrada, é emocionante”.
Um dos jovens impactados é Joel Victor Oliveira, 20, que toca agbê. O primeiro contato dele com o Maracatu foi por meio de atividades que aconteceram e ainda acontecem na Biblioteca Comunitária Luiza Erundina. Desde então, ele segue firme no Baque.
Para Joel, estar no Baque é a chance de mostrar pro mundo que o jovem periférico é capaz de tudo.
Joel Victor toca caixa nas apresentações @Lucas Andrade/Divulgação
“O Maracatu é tudo na minha vida. É disciplina, diversão, conhecimento, terapia. Com ele, a gente mostra que o nosso bairro é muito rico em cultura”, afirma.
O Baque participa de uma série de eventos como a Virada Cultural e, já atua musicalmente com os ensaios todas as quintas-feiras no Bloco e no Quebrada Cultural, evento que acontece todos os meses no mesmo espaço.
Outros locais da região como o próprio Bloco do Beco e a Fundação Julita, também realizam há mais de duas décadas, atividades como oficinas de percussão e cortejos nos mais diversos eventos.
Fernanda, que está de azul, faz parte do movimento Maracatu, há 18 anos. Além disso é sub-regente do Baque @Lucas Andrade/Divulgação
Segundo a “Pesquisa Percepções de Impacto das práticas de maracatu no Jd. Ibirapuera” (2025), do Observatório Ibira 30, cerca de 88% dos jovens que fazem parte do grupo enxergam o movimento como um instrumento de combate ao racismo e fortalecimento cultural.
Além disso, mais de três quartos dos entrevistados afirmam que o Maracatu colabora na valorização da Cultura Popular e no senso de coletividade dentro de suas comunidades e famílias
Apesar das conquistas, os desafios persistem. Muitas vezes, o projeto enfrenta a falta de apoio e de confiança de fomentadores. Mas isso não impede o grupo de seguir acreditando em um cenário diferente.
“É difícil as pessoas olharem para os jovens com escuta, amor e afeto, reconhecendo isso como capacidade. Então, mesmo sem projeto, mostramos que resistimos e existimos”, afirma Fernanda.
Em 2025, o grupo completa 16 anos celebrando cultura e ancestralidade por vielas e ruas da quebrada. Minakibalony e Fernanda entendem que o legado deixado por elas ultrapassa a música, representando também a continuidade de um trabalho que pode inspirar novas gerações a manterem a batucada e a vivência coletiva.
O movimento cultural faz apresentações na rua próximo do Escadão @Daniel Santana/Agência Mural
Isso, segundo ambas, se evidencia nos ensaios, quando os jovens se reúnem para montar seus instrumentos e organizar o espaço, em consonância com a frase dita por Kelly, destacada no início da matéria.
“Não fechamos uma batucada sem dizer essa frase. Hoje sou eu que faço a regência, mas amanhã, se eu não estiver, alguém vai segurar minha mão e continuar essa história. A continuidade vai existir”.
Horário de funcionamento: Todas às quintas-feiras, às 18h30
Endereço: Bloco do Beco: R. Bento Barroso Pereira, 2 – Jardim Ibirapuera, SP
Preço: Gratuito

