Quem passa na Cohab 5, em Carapicuíba, cidade da região oeste da Grande São Paulo, se depara com um ônibus diferente: todo grafitado e rebaixado, o veículo é uma barbearia móvel.
No interior do automóvel, pôsteres no estilo “old school” enfeitam uma parede de espelho, onde há uma cadeira e diversos acessórios de barbearia. Em contraste, nos fundos do ônibus ainda estão os acentos cinzas do coletivo.
Tudo ali dentro foi construído e idealizado pelas mãos de João de Deus Oliveira, 35. Ele deu o nome de “Barber Eagle Bus” e, há cerca de quatro meses, roda pelas ruas do bairro e chama a atenção da vizinhança.
Conhecido pelos clientes pelo nome artístico “John”, ele trabalha como barbeiro desde os 15 anos. Nascido em Serrinha, na Bahia, já comandava uma barbearia na cidade quando, em 2018, precisou ir para Carapicuíba, devido a uma morte na família.
“Quando cheguei em São Paulo, aproveitei para fazer workshops de barbeiros, conhecer novas pessoas e aprender novas técnicas e tendências”, explica John. “Mas agora está difícil eu ir embora, já entrei no clima daqui”.
FUGA DO ALUGUEL
John abriu a própria barbearia apenas um mês depois de ter chegado na cidade. No começo, conciliava os cortes de cabelo com o trabalho de frentista para poder equilibrar as contas enquanto conquistava a clientela.
A ideia de levar o negócio para um ônibus apareceu depois que o dono do ponto onde a barbearia ficava pediu um aumento no aluguel. “Comecei a pesquisar na internet. Decidi partir para uma aventura na rua. Todo mundo me chamou de doido, só faltaram me internar”, relembra dando risada.
CONFIRA OUTRAS NOTÍCIAS SOBRE A GRANDE SP
No começo John queria um trailer ou motorhome, mas os valores não estavam cabendo no bolso. “Daí decidi subir um degrau a mais e partir para o ônibus. Por que não?”
Depois de muita pesquisa encontrou o modelo ideal de veículo e começou a reforma sozinho, com habilidades de mecânica que já possuía. Em dezembro de 2019, o grafiteiro de Carapicuíba Oliver Lee fez a arte da parte externa do veículo e John começou a atender.
“Quando eu grafitei Carapicuíba fez um “boom”. Todo mundo comentava. Não pensei duas vezes, dia 10 de dezembro já estava atendendo dentro dele e estou desde então, trabalhando de rua em rua”.
O nome da primeira barbearia continua acompanhando o busão: John Eagle, “águia”, em inglês. João conta que sempre admirou o animal e já teve até um time de futebol na Bahia com esse nome, além de um grupo de trilha. “Carrego muito esse negócio. Para mim é algo extraordinário, me espelho na história da águia, a garra e a dedicação”, explica o empreendedor.
VEJA TAMBÉM:
Quanto está o preço da passagem de ônibus de todas as cidades da Grande SP
Especial: Sem acessibilidade, estações da CPTM têm até 80 degraus entre a rua e a plataforma
CLIENTELA
Os cortes da Barber Eagle custam de R$ 20 a R$ 30, preço médio na região. John conta que já tem cerca de 300 clientes na Cohab 5. Foram eles os maiores incentivadores na hora de montar o ônibus. “Estou há pouco tempo, mas eu tenho amizades que parecem de anos, as pessoas acham que eu sou nascido aqui em Carapicuíba e ajudam muito”.
A maior parte da clientela é composta por idosos e crianças. Para elas, John separou aventais especiais de super-heróis, além de uma caixa cheia de brinquedos que podem ser trocados.
“Funciona como um projeto. Tem criança que vem aqui e não tem muito brinquedo em casa, então se ela gosta muito de algum eu deixo levar. Daí peço para os pais trazerem aqueles que os filhos não querem mais brincar e vamos sempre trocando”, explica John.
O videomaker Daniel Hiroshi Aosake, 25, é um dos clientes antigos da barbearia e quem ajuda John a cuidar das redes sociais. “A Barber Eagle chama muito a atenção e tem um atendimento totalmente diferenciado. A hora passa muito rápido aqui”, conta Daniel.
RODAR O BRASIL
A Barber Eagle ainda não está da forma que John gostaria. No futuro pretende construir um motorhome para poder morar dentro do ônibus viajando pelo país.“Quero tirar umas datas estratégicas para ir viajando. Não pretendo sair definitivamente da Cohab, mas sim, poder rodar pelo Brasil”.
Outro sonho é fazer uma parceria com ONGs e realizar cortes com a Barber Eagle em projetos sociais.
Por enquanto, a maior dificuldade é equilibrar as contas e fazer todas as reformas necessárias no ônibus. Porém, falar dos projetos futuros faz os olhos de John brilharem. “Quero que o ônibus seja minha casa, meu emprego e meu transporte. Quando eu terminar vai ficar muito legal”.
Enquanto isso, John segue atendendo no ônibus pelas ruas da Cohab.