Os barco a vela brasileiro não trouxe medalhas nos Jogos Olímpicos de Paris 2024 pela primeira vez desde 1992. No entanto, a olimpíada foi importante para quem veleja nas águas de São Paulo. O documentário “Guarapiranga” foi apresentado nas telas da capital francesa e teve a participação especial do Navegando nas Artes, projeto do Grajaú, na zona sul da capital.
“Passar nas Olimpíadas foi muito importante. É um reconhecimento que mostra que o trabalho que estamos fazendo aqui não está sendo em vão”, afirma o educador e instrutor náutico Yuri Gabriel, 27, membro do Navegando, projeto que compõe uma das frentes da Associação Imargem.
O documentário “Guarapiranga”, dirigido por Rico Faissol, com produção da SP Cine, fala sobre como a preservação das águas é um dever de todos ao apresentar a história da Represa Guarapiranga e a conexão da região com atletas olímpicos, como Robert Scheidt, vencedor de cinco medalhas.
O vídeo também mostra a conexão do esporte para as quebradas do Grajaú, onde fica outra represa: a Billings, onde atua o Navegando nas Artes. Os idealizadores usam a modalidade tanto para formação das crianças, quanto para conscientizar sobre a preservação do meio ambiente, com mutirões de limpeza nas margens.
“Se deixar o lixo acumular, vai chegar a um ponto que a gente não vai conseguir velejar, porque tem muita sacola e caco de vidro”, observa Yuri.
“O principal objetivo é entender que os acessos são direitos para todos, principalmente o direito à água, ao meio ambiente e a moradia. O barco a vela pode ter esse olhar esportivo, mas o nosso diferencial é olhar para a comunidade e entender a luta por melhorias”, conta Lucas Araújo, 34, educador e velejador.
A luta pela preservação da represa
Neste ano, o projeto Navegando foi contemplado na Lei de Incentivo ao Esporte e vem promovendo aulas de navegação gratuitas para pessoas de todas as idades de terça a quinta no Imargem, associação localizada no Jardim Gaivotas.
Para aprender a lidar melhor com a água, os alunos têm a possibilidade de fazer aulas de natação no CEU Navegantes. Nas sextas, o projeto recebe diferentes instituições para navegar e apresentar o território do Grajaú.
Com frentes em preservação ambiental e alimentação saudável, a Casinha do Imargem realiza a compostagem de alimentos para adubar plantas, reciclagem de lixo e distribui refeições com alimentos produzidos por agricultores do extremo-sul para os alunos.
“Muitas crianças que frequentam o projeto não têm acesso a alimentação saudável em casa e encontram isso aqui”, relata Luciana Evangelista, 39, responsável pela alimentação.
O filho de Luciana foi um dos entrevistados do novo documentário. “É muito gratificante ter um espaço para falar sobre o meio ambiente e o cuidado com a represa”, diz Luciana.
O acesso ao esporte e Olimpíadas
O projeto foi criado no início dos anos 2000 e se chamava “Vento em Popa”. Nessa época, o objetivo era promover formações de barco a vela na comunidade e também ter o conhecimento de como construir um barco.
“O bairro do Gaivotas tinha um dos piores índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). O intuito foi inserir uma atividade que fosse relacionada a comunidade e por isso o barco a vela foi escolhido. As crianças aprendiam um pouco da história da vela e conheciam a represa. Era um olhar mais atleta, mas com a pegada ambiental”, afirma Lucas.
Em 2014, o projeto encerrou as atividades e a Casinha, sede do grupo, se manteve fechada ao longo de dois anos. Na retomada, os educadores trazem o esporte com outro olhar.
‘Nem todo mundo quer se tornar atleta na frente de navegação e a gente sabe que é um esporte caro. Seguimos para conseguir formar e mostrar outras possibilidades para as crianças’
Lucas Araújo, educador e velejador
A Represa Billings é considerada a maior em área habitada de São Paulo. Em 2025, ela completará 100 anos. Apesar de abastecer mais de 1,5 milhão de pessoas da zona sul da capital e da região do ABC, os educadores entendem que ela não vem sendo cuidada como deveria.
“A represa precisa ser preservada. A gente olha como se fosse uma grande caixa d’água e estivesse poluída, mas por mais que esteja, ela tem muitos benefícios. Muitos moradores ainda vivem da pesca na região”, afirma Laís Guimarães, 28, educadora, velejadora e coordenadora da Roda de Afeto, projeto que também integra o Imargem.
Ela observa que o mundo náutico apresenta diversas possibilidades dentro do esporte, como o surf, caiaque, kitesurf e tantos outros.
No entanto, pessoas das periferias e outros lugares do extremo sul não têm acesso a esses esportes, além de ter receio de participar por não enxergarem como algo palpável às suas vidas, quando comparado ao futebol, por exemplo.
“Por que a vela é tão elitizada e não tem espaço nas escolas? Somos um Brasil rico com uma costa imensa, do sul ao nordeste. Além de não termos acesso a água, esses espaços estão sendo poluídos”, aponta Laís.