Ícone do site Agência Mural

Barra Funda leva o ‘Oscar’ em número de cinemas

Por: Redação

Novo cinema no Shopping West Plaza, na Barra Funda (Cleber Arruda/Agência Mural)

Se fosse tema de um filme, a distribuição das salas de cinema de São Paulo seria um drama protagonizado pela população das periferias da cidade.

Em um roteiro possível, o monitor de recebimento Giovani Rosa, 33, morador da zona norte da capital, e a professora Eliane Moraes, 41, moradora da zona sul, tiveram um final feliz no ano passado com a superação de um problema em comum: a distância das salas de suas casas. As soluções, contudo, foram diferentes.

Rosa, uma vez por mês, pelo menos, costumava pegar um ônibus após o seu trabalho, e em cerca de 20 minutos chegava a uma das salas do Shopping Bourbon, na zona oeste de São Paulo, para conferir um lançamento.

O estabelecimento fica no distrito da Barra Funda, o mais abençoado da cidade em números de salas de cinema. De acordo com dados do Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, a região tinha 13 unidades, em 2016, para uma população de 15 mil moradores. Um “Oscar” no ranking da pesquisa desde 2007.

Leia outras notícias sobre o Mapa da Desigualdade 2017

“A qualidade é muito boa e a variedade também, mas o problema era a distância para a minha casa. Para ir ou voltar de lá levo mais ou menos 1 hora e 20 minutos de ônibus”, diz Rosa, que mora na Cohab de Taipas.

Shopping Bourbon situado no distrito com mais salas na cidade de São Paulo (Cleber Arruda/Agência Mural)

Para alegria do jovem, no ano passado a sua região passou a ter cinco novas salas e saiu da estatística dos outros 54 distritos da cidade ainda sem uma unidade sequer.

“Sempre fui muito pobre e quando eu era criança achava que shopping era coisa elitizada, distante. Hoje eu levo 20 minutos para ir ao mais próximo, o ‘Shopping da Cohab’, como o chamamos, e agora vou com mais frequência ao cinema”, diz Rosa. Ele fala sobre o Cantareira Norte Shopping, inaugurado em 2016, na Parada de Taipas.

Leia mais: Pontos viciados de lixo estão virando sessões de cinema na Brasilândia

Para se ter uma ideia da distribuição das salas de cinema na cidade, os cinco distrito com mais unidades são Barra Funda, Pari, Consolação, Bela Vista e Pinheiros, todos bairros próximos ou na região central.

E os cinco com menos salas, do pior comparativo em relação a sua população para o melhor índice, são Capão Redondo, Sacomã, Cachoeirinha, Itaim Paulista e Santana, todos afastados do circuito centro, com apenas uma unidade em cada e dentro classificação baixa/pior do estudo.

No caso da professora Eliane, moradora do bairro Jardim Vera Cruz, onde ainda não há um sala de cinema ainda, o deslocamento até o cinema mais próximo era um problema maior comparado ao que Rosa enfrentava. “Percorria cerca de 18 km e precisava de dois ônibus para ir até o Shopping Campo Limpo assistir um filme”, lembra.

Leia mais: De olho na telona: cinema se populariza na Cidade Tiradentes

Mas a situação dela melhorou. Em seu bairro ou região não teve abertura de shopping novo, mas a chegada do circuito SPCine, uma rede de cinemas da prefeitura de São Paulo, ao CEU Vila do Sol, no Jardim Ângela. E, lá, ela se tornou uma frequentadora assídua.

“Vou duas vezes por semana, com minhas filhas. Da minha casa é 10 minutos a pé até lá e a qualidade do som e da imagem são excelentes. Gostaria que tivesse sessão todos os dias”, diz entusiasmada.

Ali próximo a ela, na zona sul da cidade ainda, está o distrito do Capão Redondo, considerado com o pior índice da pesquisa, onde há apenas uma sala de cinema para mais de 280 mil pessoas.

“Existe pouca distribuição, levando em conta o tamanho de São Paulo. As grandes cidades da América Latina têm mais cinemas que nós. E tudo aqui se concentra na região mais central, onde o poder de compra é maior”, observa a cineasta Patrícia Lobo, 35, moradora da região da Lapa, onde fica o distrito da Barra Funda, no topo do ranking com mais unidades.

(Leia a entrevista completa com a cineasta sobre a distribuição das salas de cinema na cidade em “Tudo infelizmente foi feito para afastar a periferia”)

CIRCUITO SPCINE E REDE ESPALHADA

O professor Rodrigo Ramos, 30, era coordenador de ação cultural no CEU Vila do Sol quando o circuito do SPCine foi implantado no equipamento. “Percebi o quão urgente se fazia trazer para a população que frequentava o CEU produtos cinematográficos de qualidade, visto que o cinema mais próximo é a 15km de distância de lá. É uma das maiores conquistas da comunidade”, diz.

As salas do circuito SPCine não entram no levantamento do Mapa da Desigualdade. Em São Paulo, a operação das salas começou em 30 de março de 2016, sendo a última, a localizada na Cidade Tiradentes, zona leste, inaugurada em dezembro do ano passado.

Leia mais: Grajaú tem 10 vezes menos equipamentos culturais que o Butantã

A rede possui 20 salas ao todo, das quais cinco ficam em equipamentos culturais de São Paulo (Cine Olido, Centro Cultural São Paulo, Biblioteca Roberto Santos e Centro de Formação Cultural da Cidade Tiradentes) e as outras 15 em CEUs (Centro Educacionais Unificados).

Para Leticia Santinon, coordenadora de difusão da Spcine, o circuito é uma política pública de democratização do cinema por levar a experiência audiovisual a todas as regiões de São Paulo, sobretudo na periferia da cidade. “Uma de suas missões é justamente reduzir o déficit de acesso à cultura cinematográfica, tão concentrada no centro expandido”, afirma.

O circuito somou mais de 720 mil espectadores desde o início das atividades e gerou uma média de 38 mil pessoas por mês. Letícia informa que foram realizadas aproximadamente 14 mil sessões até agora e a programação é flexível e moldada de acordo com o perfil da sala.

“Há espaço para filmes de todos os formatos e gêneros. Animação, ficção, documentário, filme independente, autoral, blockbuster”, comenta.

Leia mais: Há anos a ausência de centros culturais afeta os moradores de Guaianazes

Ela explica que o funcionamento é semelhante aos das salas de cinema comerciais, com direito a programação regular, equipamentos de projeção digital e bilheteria, embora as sessões nos CEUs sejam gratuitas e nos centros culturais, pagas.

Sobre a formulação do projeto, a coordenadora diz que a Spcine mapeou equipamentos públicos que fossem estruturalmente aptos a virar espaços de fruição cinematográfica, com as características de salas comerciais de cinema. A partir desse mapeamento, a instituição chegou aos CEUs e aos centros culturais que hoje integram as 20 salas do circuito.

Para o futuro, Letícia afirma: “A Spcine vem estudando a ampliação da rede até porque, assim como estes ambientes, há outros espalhados pela cidade com o mesmo potencial”.

Sair da versão mobile