Os recentes bloqueios orçamentários realizados pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) causaram impactos diretos na área da educação. No dia 5 de dezembro, por exemplo, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), órgão vinculado ao MEC (Ministério da Educação), divulgou que tinha ficado sem dinheiro para arcar com as contas do mês de dezembro.
A verba é necessária para pagar 14 mil médicos residentes de hospitais federais e mais de 100 mil estudantes e pesquisadores bolsistas da Capes. Após pressão e mobilização de estudantes em todo o país, na semana passada o MEC anunciou o desbloqueio de cerca de R$ 160 milhões. E o valor será destinado aos estudantes e universidades até esta terça-feira (13).
Uma das estudantes que aguarda esse pagamento é a mestranda Eloiza de Oliveira Silva, 36. Ela estuda os benefícios do exercício físico no tratamento de doenças renais na Escola de Enfermagem da USP (Universidade de São Paulo).
Moradora de Ponte Rasa, distrito na zona leste da capital, Eloiza está no último mês do curso do mestrado e conta que, ao saber da notícia de que não receberia a bolsa no mês de dezembro, já começou a repensar todas as contas da casa.
“Tenho um filho, e tem as questões financeiras, temos que nos alimentar, pagar as nossas contas”, diz a pesquisadora. Felizmente, ela ainda pode contar com o marido, que também é enfermeiro, para dividir as despesas.
“O problema maior é que a gente não pode trabalhar. A brecha que a gente tem para fazer alguma coisa paralela é muito estreita e a bolsa é bem baixa”
Eloiza de Oliveira Silva, 36, mestranda
Eloiza concluiu a graduação em enfermagem em 2020, e logo depois conseguiu uma vaga no mestrado.
Ela e outros mestrandos e doutorandos sobrevivem com R$ 1.500 e R$ 2.200 por mês, respectivamente. E não são acrescentados ao bolsista benefícios como décimo terceiro, vale alimentação, vale transporte e férias remuneradas. Esses valores não têm reajuste desde 2013.
“A gente estuda de maneira exclusiva a pesquisa, vivemos isso 24 horas por dia, sem acesso ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), não temos um plano de saúde, um plano odontológico nem direitos trabalhistas, só que a gente tem todas as características de um trabalhador”, protesta Kléber Ramos, 28, doutorando em neurociência no Instituto de Ciências Biomédicas da USP.
Nascido em Recife (PE), Kléber veio para São Paulo com o sonho de estudar para dar uma vida melhor para os pais. Mas o objetivo logo foi confrontado pelas dificuldades financeiras de se viver na capital paulista com uma bolsa que garantiria somente o mínimo do mínimo.
Morador de Rio Pequeno, distrito na zona oeste, ele conseguiu concluir o mestrado como bolsista, mas o pior veio a seguir durante o início do doutorado, já na pandemia de Covid-19.
“Tive problemas psicológicos sérios, depressão, ansiedade e tudo isso durante o processo de pandemia. E a exigência da pós-graduação e o contexto em que o mundo estava, tudo corroborou para gatilhos que então nunca tinham despertado em mim.”
Além disso, Kléber conta que ao longo da pós-graduação ele já havia sofrido com a possibilidade de corte de verbas para pesquisa, mas nunca havia acontecido de fato. No primeiro momento, a única reação foi tentar conceber como iria pagar as contas e sobreviver durante o mês.
“Um dos remédios que preciso tomar custa quase R$ 300, isso é para 30 dias e o SUS (Sistema Único de Saúde) não subsidia de alguma forma mais barata. Genérico não existe”, desabafa o doutorando.
Sem dinheiro e sem valorização
Guilherme Giovanini, 37, que mora no distrito da Penha, na zona leste, é mais um dos pesquisadores preocupados com os bloqueios das bolsas da Capes.
Doutorando em oncologia na Faculdade de Medicina na USP, ele utiliza de sistemas matemáticos para criar possibilidades de tratamentos para o câncer. O físico de formação desabafa que “o país sofre uma fuga de pessoas que têm grande capacidade e poderiam estar atuando para o desenvolvimento direto da ciência e tecnologia”.
Além do fenômeno da fuga de cérebros – quando um pesquisador brasileiro capacitado opta por fazer a pesquisa em outro país, pois não possui oportunidades no Brasil –, Guilherme diz que no mercado de trabalho convencional muitos estagiários ganham mais que um pesquisador experiente. E essa subvalorização do trabalho da pesquisa é desanimador, afirma ele.
Criada em 1951, a Capes é responsável por avaliar os cursos de pós-graduação stricto sensu no Brasil (mestrado, doutorado e pós-doutorado). O órgão também repassa recursos para o fomento de pesquisa em todo o país no âmbito federal, tanto para universidades públicas quanto privadas.
Aumento do valor das bolsas
O grupo de educação da transição do governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê um aumento de pelo menos 40% nas bolsas de pós-graduação, o que faria o valor saltar para R$ 2.100 e R$ 3.080, para mestrado e doutorado.
A mestranda Eloiza comenta que a situação dos pesquisadores pode melhorar e aguarda por isso. No entanto, ainda não tem certeza se vai continuar com a pesquisa no doutorado.
Kléber acrescenta que, além de ver uma esperança no fim do túnel, também tem o desejo de que a sociedade comece a olhar com outros olhos para os pesquisadores, que trabalham em prol da ciência do país. Para ele, é também dever dos cientistas e das universidades expandirem a divulgação científica e se conectar com a sociedade. “Os pesquisadores precisam ser mais valorizados”, afirma.
“Temos uma boa perspectiva para os próximos meses, mas é claro que o Brasil tem muitas outras urgências além dessa”, conclui Guilherme.