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‘Doença elitista’, burnout afeta principalmente trabalhadores das periferias, diz especialista

Por: Jacqueline Maria da Silva

Atender telefonemas, preencher planilhas de dados e participar de reuniões. Essas são atividades rotineiras para a consultora de vendas Thayse Cavalcante, 32, que aos poucos se tornaram gatilhos de esgotamento psíquico, em uma crise que ela classifica como “pane” “peso” e “anestesiamento”.

De uma pessoa comunicativa e extrovertida, ela passou a não querer mais interagir com os colegas, nem gostar de ir presencialmente ao trabalho. Mais que isso: viu aumentar a irritabilidade, a ansiedade, a perda de memória e a falta de concentração.

“Não estava dando conta de tarefas simples, como clicar no botão para passar as letras de uma música, de recados ou de vídeos da igreja”, conta a moradora de Parelheiros, zona sul da capital paulista.

Não deu outra: encaminhada ao psiquiatra por sua psicóloga, Thayse recebeu o diagnóstico que tem ganhado cada vez mais espaço na mídia, nas redes sociais e nas conversas entre amigos, o burnout, uma doença ocupacional conhecida como Esgotamento Profissional. Ela é causada pelo excesso de trabalho, desgaste e pressão, segundo o Ministério da Saúde.

Doença laboral

Em Janeiro de 2022, o burnout foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como uma doença ocupacional, ou seja, relacionada ao trabalho. Em novembro deste ano, o Ministério da Saúde incluiu esse diagnóstico no CID (Classificação Internacional de Doenças), por meio de uma resolução que incluiu outras 168.

Do ponto de vista jurídico, essa mudança é importante para garantir direitos trabalhistas às pessoas com burnout, como licença, afastamento e estabilidade, que valem sobretudo para trabalhadores em regime CLT.

Mas como é possível adoecer fazendo algo que se gosta, como no caso de Thayse? Para a psicóloga Mônica Gurjão, a paixão pelo trabalho costuma ser justamente a porta de entrada para o burnout. “Começa com aquele sentimento de dar o máximo de si e a pessoa não vê limites. O trabalho invade a vida pessoal”, explica a especialista, que é doutoranda em psicologia social do trabalho.

Ela aponta que é preciso olhar o burnout por diversas perspectivas, já que vivemos em uma sociedade em que o trabalho ocupa outras esferas da vida, trazendo impactos para saúde física, mental e social do indivíduo. “O descanso passa a ser algo que eu faço para voltar e trabalhar mais”, exemplifica.

‘O burnout não escolhe a classe social, mas infelizmente é uma doença elitizada’ @Arquivo pessoal

Jovens periféricos, mercado de trabalho e burnout

Com apoio psicológico, Thayse teve segurança para trancar o último semestre da faculdade e dar um tempo nas atividades que assumia na igreja sem tanta culpa. O apoio da família, dos amigos e dos colegas de trabalho também foi importante na remissão da doença – que segundo especialistas não tem cura, mas pode ser controlada.

Contudo, ela admite que o apoio dos gestores e o fato de ser contratada em regime CLT fizeram toda a diferença, já que muitas pessoas de seu ciclo social nas periferias são submetidas a péssimas condições de trabalho, com salários baixos e sem apoio para o tratamento.

Linha de frente

Entre as profissões mais expostas ao burnout estão profissionais da saúde, professores, policiais e jornalistas, segundo o Ministério da Saúde.

Para piorar, muitos dos trabalhadores das periferias não têm garantias previstas em lei para tratar o burnout e não raro encontram dificuldades de acessar o sistema de saúde para diagnóstico e tratamento.

“A doença não escolhe a classe social, mas infelizmente é uma doença elitizada. Se eu não tivesse um convênio médico de qualidade e se eu não fosse acompanhada por diversos profissionais, eu jamais teria esse diagnóstico”, pontua Thayse.

Nos atendimentos em uma clínica popular da zona leste de São Paulo, a psicóloga Mônica observa que a dificuldade de acesso a direitos, a desigualdade social e a insegurança impactam diretamente nas possibilidades de cuidados em saúde da população periférica.

Algumas pessoas não aceitam o afastamento por medo de serem mandadas embora ou de não terem como se manter

Mônica Gurjão, doutoranda em psicologia social do trabalho

Ela explica que a inclusão de doenças ocupacionais no CID é um avanço, mas que não atinge a todos. “No Brasil, grande parte do trabalho nas periferias é chamado ‘viração: hoje você é ambulante, amanhã faz faxina, a mãe está vendendo doce… Muitas vezes essas pessoas não são tratadas como trabalhadores, e não se percebe a possibilidade de elas estarem adoencendo”, acrescenta.

Uma das situações mais problemáticas, segundo a especialista, é a precarização do mercado de trabalho, em especial com a reforma trabalhista de 2017, quando muitos trabalhadores passaram a ser responsáveis por buscar renda sem nenhuma garantia ou condições de trabalho.

“A precarização do trabalho e a pejotização pautada no discurso do empreendedorismo jogam na pessoa a responsabilidade de tudo. As coisas passam a depender muito dela e essa auto cobrança interna vai levando à falta de limite e à exaustão”, aponta.

Jovens no mercado de trabalho

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Um em cada cinco jovens entre 15 e 29 ano não estudava e nem trabalhava em 2022 (10,9 milhões);

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Destes, quase a metade (43,3%) eram mulheres pretas e pardas;

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Ao todo, 61,2% dos jovens que não estudavam nem trabalhavam eram pobres

Fonte: Agência de Notícias IBGE

Burnout e desigualdade social

Os jovens das periferias acabam sendo especialmente impactados pelo burnout porque na maioria das vezes eles têm o trabalho informal como a única chance de inserção no mercado. Mas não só eles: pessoas negras e mulheres podem estar mais expostas ao burnout e com menos possibilidades de tratamento.

“O burnout é uma doença que denuncia problemas sociais, mas a discussão da doença ainda é elitista. A gente precisa discutir o burnout da trabalhadora doméstica, do flanelinha, do ambulante, do entregador e da mãe

Mônica Gurjão, doutoranda em psicologia social do trabalho

O enfrentamento das doenças ocupacionais deve ser feito a partir do trabalho conjunto de diversas áreas e não apenas da saúde, incluindo por exemplo a previdência social e as secretarias de trabalho e economia.

É fundamental também não culpabilizar os indivíduos pelo seu adoecimento: “não se trata apenas de uma doença mental, mas de uma doença social, que exige políticas públicas específicas”.

Dicas importantes

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Como identificar que estou em sofrimento?  

Alguns sinais e sintomas podem passar despercebidos, porque a pessoa costuma “segurar o rojão”. Por isso é importante ir ao médico, em especial se sentir ansiedade e aquele sentimento de estar sempre alerta e não desligar nunca.

Entre os sintomas físicos estão: aceleração do coração; falta ou excesso de apetite; queda de cabelo; doenças na pele; excesso ou falta de sono; esquecimentos e apagões de memória; e mal estar súbito, como fraqueza ou falta de energia.

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Quando ficar alerta?

Para diagnóstico, o burnout necessariamente está associado a uma atividade de trabalho, mesmo que não remunerada. A doença se manifesta a partir de mais de um sintoma que persistem por no mínimo seis meses. Atenção para:

  1. Exaustão – não apenas o cansaço após um dia de trabalho puxado, mas a impossibilidade física e mental de realizar atividades que antes eram prazerosas;
  2. Despersonalização – a exaustão é tanta que a pessoa passa a ignorar valores, atividades e assuntos que antes eram importantes para ela;
  3. Negativismo – é como se a pessoa ficasse dormente, anestesiada e a vida ficasse mais cinza. Ela não se importa com nada ou não sente o que ocorre ao seu redor;

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Busque ajuda

Sentiu algum  sinal ou sintoma? Procure a Unidade Básica de Saúde do seu bairro. Outra opção são as clínicas populares, universidades e Centro de Atenção Psicossocial (Caps)

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Outras ferramentas de autocuidado

Praticar atividade física, fazer atividades prazerosas e aproveitar espaços de lazer ajudam no autocuidado e prevenção do burnout. Estar atento ao excesso de cobrança e acolher esse sentimento também é um caminho. “O problema não é só seu. Às vezes a gente se culpa e se cobra muito e isso acelera o adoecimento”, diz Mônica

Esta reportagem foi produzida com apoio daReport For The World

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