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Cacique do Parque dribla dificuldades e faz samba sobre os desejos da humanidade

Por: Daniel Santana

A concepção de um desfile de Carnaval é uma tarefa desafiadora, independentemente da divisão. Para as escolas dos grupos inferiores dos festejos de São Paulo, as dificuldades são ainda maiores. Sobreviver e lidar com a incerteza de continuar ou não é uma constante no dia a dia das agremiações.

Para José Antônio Junqueira, conhecido como Tonhão, 58, o que mobiliza a luta é o amor pelo samba. O popular Tonhão é um dos fundadores do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Cacique do Parque, na zona sul de São Paulo, razão pela qual vem dedicando os últimos 13 anos.

“Sentir que o trabalho de uma escola de samba de bairro, como a nossa, dá certo e coloca um sorriso no rosto de um vizinho, um amigo, é o que nos move.”

Tonhão, presidente e fundador do Cacique do Parque @Daniel Santana/Agência Mural

Em 2024, com o enredo “O que que a Bahia tem? Vem, o Cacique vai te mostrar”, a Tribo do Samba conquistou o primeiro título da história, após somar 179,7 pontos na classificação e vencer o Grupo de Acesso 3 de Bairros da UESP (União das Escolas de Samba Paulistanas), assim subindo para a divisão 2.

Apesar da conquista recente, a paixão de Tonhão pelo Carnaval nasceu nos anos 1980 ao conhecer escolas e participar de blocos da região da zona sul. Segundo ele, mesmo com todas as dificuldades dos bairros, a batucada reunia os moradores para festejar.

Integrantes do Cacique com o troféu de campeã do Acesso III de Bairros em 2024 @UESP/Divulgação

Mais tarde, por meio do time de futebol União Favela Irmãos Madrugada, fundado em 2008, ele e outros integrantes criaram uma bateria de jovens que marcava presença em diversas escolas e blocos. Após uma apresentação do grupo no Bloco Boêmios da Vila, um garoto sugeriu a Tonhão que ele criasse uma escola de samba voltada para a população do bairro.

“A gente sai pra ajudar tantas pessoas, por que não construímos a nossa escola de samba?”. questionou o garoto. “Até que um dia, numa festa, anunciei a criação do Cacique do Parque.”

A agremiação fica localizada entre o Parque Santo Antônio e o Jardim São Luís, e em 13 anos acumula histórias para contar. A escola já desfilou na Estação da Luz, no Butantã, na Vila Esperança e já levou para a avenida grandes histórias, como a vida do poeta Sérgio Vaz.

O carnavalesco Gerard Paes e Aline Perla ajustando uma adereço de cabeça @Daniel Santana/Agência Mural

Um dos autores do enredo campeão foi o carnavalesco Gerard Paes, 48, que também assina o Carnaval deste ano. Com o tema “Mata Minha Sede?”, a escola irá apresentar tudo o que move a humanidade na busca por realizar desejos.

O tema, segundo o idealizador, aborda sonhos e objetivos da vida: “No enredo, a gente vai explorar as coisas mais buscadas pelas pessoas: a fé, o conhecimento, o amor, o dinheiro. São elementos do cotidiano, mas sempre com uma perspectiva positiva.”

Para o desfile deste ano, a escola contará com 12 alas, cada uma representando diferentes desejos, e aproximadamente 350 componentes. Todas as fantasias são gratuitas para os brincantes e, grande parte dos materiais usados na produção, são reutilizados de carnavais anteriores, como plumas, pedras, costeiros e outros adereços.

O Cacique do Parque será a 5ª agremiação a se apresentar na noite de sábado, dia 1° de março, na Rua Alvinópolis, bairro de Vila Esperança.

CARNAVAL DE BAIRROS

Atualmente há quatro divisões do Carnaval de Bairro, organizado pela UESP (União das Escolas de Sambas Paulista).

  • No dia 1º de março, no Butantã, será realizado o desfile do grupo de Acesso 3.
  • Os grupos de Acesso de Bairros 1 e 2 terão desfiles na Vila Esperança, nos dias 1 e 2 de março.
  • Por fim, o grupo Especial de Bairros terá os desfiles dia 2 de março na Eliseu de Almeida, no Butantã.
  • Os melhores do grupo Especial sobem para disputar o Carnaval do Anhembi, no grupo de Acesso 2, e passam a fazer parte da Liga SP.

 

Perda da sede

Há alguns anos, a escola sofreu um duro revés com a perda do Sacolão das Artes, espaço no Parque Santo Antônio onde eram feitas as fantasias e realizados os ensaios, que passou a ser administrado por uma nova gestora. Com união e ajuda de amigos e componentes, a escola conseguiu se reorganizar.

Atualmente, o Cacique conta com um espaço cedido pela Fábrica de Cultura do Jardim São Luís, que fica a cerca de dois minutos da antiga sede da escola.

“Nós achamos que a escola não iria conseguir desfilar mais. Mas não desistimos, pois sempre lembramos das pessoas do passado que nos ajudaram. Alguns amigos guardaram fantasias e esculturas em suas casas. E dentro das dificuldades, aprendemos a crescer”, destaca Tonhão.

Comissão de Frente que desfilará neste carnaval @Daniel Santana/ Agência Mural

Aline Perla, 35, também faz parte da concepção do desfile e da história do Cacique. Já fez de tudo na escola: chefe de barracão, aderecista, rainha da bateria, passista. Só não tocou na bateria, como ela mesma ressalta. “Gosto demais do Cacique. Tenho amor pela escola, pelo pavilhão. Diria que é um dos grandes prazeres da minha vida.”

Ela encara de peito aberto qualquer desafio pela agremiação: “Sempre que o pessoal precisa de alguma coisa, estou presente. ‘Perla, vai na 25 buscar um galão’, eu vou. ‘Precisamos alugar uma casa, vai atrás’, eu vou.”

Aline Perla, componente e passista faz de tudo um pouco na escola @Daniel Santana/Agência Mural

Os guardiões do pavilhão, Arthur Martins, 15, e Naiomy Pires, 29, casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira da escola, entendem desde pequenos o que é o carnaval em suas vidas.

‘É uma responsabilidade muito grande. Mas a gente também faz pelo bel prazer. Somos crias do samba, a gente tem paixão por isso. E aqui conseguimos unir as duas coisas: O amor pela dança e pelo samba’

Naiomy, Porta- Bandeira

Ela é cria do Camisa Verde e Branco e participa do carnaval desde os quatro anos de idade. Já ele, também é do samba desde os quatro anos e saiu da comunidade da Imperador do Ipiranga.

Arthur e Naiomy, casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira do Cacique do Parque @Daniel Santana/Agência Mural

Ambos são crias de comunidades engajadas no samba e já participaram de projetos conhecidos no mundo do Carnaval, como o Cisne do Amanhã e as atividades da AMESPBEESP (Associação de Mestres-Sala, Porta-Bandeiras e Porta-Estandarte de São Paulo), onde aprimoraram ainda mais o bailado.

Por conviverem desde sempre com essa realidade, eles ficam felizes em ver a evolução do Cacique, mas também lamentam que atualmente diversas escolas estejam tão distantes dos próprios territórios. Segundo Arthur, essa falta de alcance do povo prejudica a continuidade e sobrevivência das escolas de bairros.

“É doloroso saber que comunidades não estão tão envolvidas com as escolas de sambas. O Carnaval não é tão valorizado como antigamente. Muitas Escolas de samba acabam até perdendo as suas quadras”, comenta o jovem.

Para Naiomy, é necessário exaltar o esforço do Cacique, que consegue levar pessoas ao espaço, trazendo a comunidade para os eventos. Mesmo que aos poucos, já é algo fundamental.

Pilotos de algumas fantasias do desfile de 2025 @Daniel Santana/Agência Mural

Ela destaca que a valorização da escola de samba é importante, pois enxerga as instituições um instrumento de crescimento social, no qual diversos aprendizados e talentos saem das periferias para o Carnaval e para o mundo.

“A gente não aprende só samba. Tem a parte de alegoria, que gera empregos. A parte de harmonia com palestras para aprender sobre o quesito, tem o Departamento Jovem, tem muita coisa”.

Para o Cacique, unir a população periférica da região em prol do Carnaval motiva a escola a alçar voos ainda maiores. Afinal, ser escola de samba é estar em comunidade e coletividade.

“Você vê o seu vizinho sorrindo na avenida, vestindo a fantasia e falando: ‘Hoje, eu sou o rei, eu sou a folia’. É um grande prazer para todos nós da escola”, reflete Tonhão.

Escola de Samba Cacique do Parque

Rua Antônio Ramos Rosa, 651, Jardim São Luís:

Ensaios: aos sábados a tarde na Fábrica de Cultura – Jardim São Luís:

Desfile: 5ª Escola a desfilar no dia 1º de março na Rua Alvinópolis, Vila Esperança (Próximo a Estação Vila Matilde):

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