Conhecida como a “capital do cachorro-quente”, a região central de Osasco, na Grande São Paulo, concentra dezenas de vendedores do lanche. Ao longo do calçadão da rua Antônio Agú, mais conhecido como Calçadão de Osasco, estão distribuídos 40 carrinhos de hot dog.
Segundo a Prefeitura, são 80 carrinhos cadastrados que se revezam. Para garantir igualdade, no primeiro dia de cada mês é feito um rodízio de local, já que alguns pontos atraem mais público.
A estimativa é que cada carrinho venda de 25 a 60 lanches por dia no centro e entre 15 e 35 nos bairros. Só no Calçadão a média passa dos mil hot dogs diariamente. Os números variam conforme o clima e a movimentação do comércio.
Preços dos lanches variam de R$ 8 a R$ 15 no Calçadão @Léu Britto/Agência Mural
Os preços variam de R$ 8 a R$ 15. As opções vão do lanche simples — com pão francês ou de banha, salsicha, purê, batata-palha e molhos tradicionais — até versões mais elaboradas com duas salsichas, vinagrete, milho, cheddar e catupiry.
A atividade é regulamentada pela Lei Complementar 313/2016. Antes dela, os carrinhos eram autorizados e exibiam uma credencial. A mudança mais recente relacionada à regulamentação ocorreu em 2023, por meio da Lei Complementar nº 406/2023, que dispõe sobre a documentação necessária para conseguir a licença.
A concessão dá preferência a PCDs (pessoas com deficiência), idosos acima de 60 anos, desempregados e famílias numerosas, desde que a renda seja inexistente ou inferior a dois salários mínimos.
Para facilitar o controle, a Prefeitura de Osasco dividiu o Calçadão em dois setores: um voltado a vendedores PCDs e idosos e outro para desempregados e famílias numerosas.
Um veterano do Calçadão
Um dos vendedores mais antigos do Calçadão, Cláudio Benício de Sá, 52, tem licença desde 2006, mas sua história com o sanduiche começou bem antes.
Em abril de 1989, soube por meio de um amigo que a prefeitura estava concedendo licenças para pessoas com deficiência, e conseguiu uma para atuar próximo da escola municipal Marechal Bittencourt, localizada na região central de Osasco.
Cláudio tem clientes de cidades como Maceió, Brasília, Curitiba e também de cidades de São Paulo @Arquivo pessoal
Em 1990, passou a atuar no Calçadão, onde lembra que havia apenas sete carrinhos. “Trabalhava todos os dias. O tempo foi passando e cresceu o número de pessoas com deficiências e idosos na cidade e hoje tem muita concorrência”, avalia.
Morador do Baronesa, na zona norte do município, Cláudio trabalha em esquema de revezamento com uma funcionária. Um dia antes do expediente, higieniza o carrinho e faz as compras. No dia de trabalho, que vai das 7h às 22h, prepara insumos como purê e pães. O purê é feito em casa, mas quando acaba ele recorre a locais que revendem o produto.
Cláudio conta que no final do ano o horário é estendido até meia-noite e de outubro a janeiro é o período em que mais se vende. Para ele, os principais desafios são o clima, notas falsas, trocas de governo e a segurança.
Ele aponta que os melhores pontos estão mais próximos da estação de trem de Osasco. Como pessoa com deficiência, também cobra mais acessibilidade. Desde os 15 anos vendendo cachorro-quente, Cláudio afirma que nunca pensou em mudar de profissão.
‘Amo o que faço. Meus pais e meu irmão me ajudaram no começo fazendo os insumos e trabalhando no carrinho. Depois me casei, constituí família e criei meus cinco filhos, tudo a partir do cachorro-quente’
Cláudio Benício de Sá
O vendedor diz ter clientes fiéis vindos de diferentes cidades brasileiras e conta com o segredo de sua receita. “A técnica é fazer um lanche para os clientes como se fosse para mim. Se quero comer um lanche bom e saboroso, meus clientes também merecem. Eles estão em primeiro lugar”, diz.
Hot dog da Laura em Osasco. Lanches variam nos ingredientes com base na criatividade dos vendedores
Uma pantera cor-de-rosa no caminho
Com o fechamento do comércio na pandemia de Covid-19, Cláudio e outros vendedores recorreram ao delivery. Foi nesse período que Fábio de Jesus Ladeira, 43, repensou a carreira. Técnico de enfermagem, trabalhou dez anos na área, inclusive em hospitais de referência na Covid-19. Após a morte do pai em 2021, conta ter ficado transtornado e decidiu largar a profissão.
A ideia de vender cachorro-quente no Calçadão de Osasco veio da mãe Tina. Ela trabalha com um carrinho na região e Fábio a ajudava enquanto estudava para ser técnico.
Fábio diz vender mais de 100 lanches por dia, os preços variam de R$ 9 a R$ 20 @Cleber Arruda/Agência Mural
“Minha mãe falou: ‘vai tirar sua licença’. Foi uma luta, mas consegui. Hoje tenho 4 anos de hot dog. O maior desafio no início é dinheiro, comecei com o carrinho da minha mãe e depois parcelei a compra de um. Depois, graças a Deus e sua infinita misericórdia, consegui clientela e fiz um novo carrinho”, recorda.
O carrinho de cor-de-rosa chama atenção com uma decoração personalizada e a pelúcia da Pantera Cor-de-Rosa, presente dado por uma cliente.
“Por ser um homem gay, eu achava que não iria conseguir clientes e tive que bolar uma ideia para fazer algo diferente. Comprei os adesivos cor-de-rosa e personalizei o carrinho. Ganhei o urso da pantera e pendurei aí ficou ‘Hot Dog Pantera’”, conta.
Pantera Cor-de-Rosa de pelúcia é mascote da barraca @Cleber Arruda/Agência Mural
A ideia foi bem recebida pelos frequentadores do Calçadão e, segundo o vendedor, atraiu pessoas de outras cidades, influenciadores e programas de televisão interessados em provar o lanche do carrinho colorido. Além da estética, ele aposta em um cardápio personalizado com opções que incluem calabresa com bacon, alho frito e cebola crispy.
Herança familiar
Débora Santos, 38, está no ramo há três anos. A ideia surgiu a partir da mãe dela, Lúcia. “Nos anos 1990, ela vendia cachorro-quente na [Avenida] Maria Campos pois tinha uma casa de show chamada Rhapsody, bem famosa na época”, diz sobre a avenida que ainda é um outro ponto forte para vendedores de hot dog.
Débora foi inspirada pela mãe, que também vendia cachorro-quente na cidade @Arquivo pessoal
Hoje, ela atua no calçadão e a rotina de trabalho começa às 7h30 da manhã, com o preparo do molho da salsicha, purê, saladas, recebe os pães enviados pela padaria durante a manhã e encerra o expediente às 20h. O preço do lanche tem uma média de R$ 9 a R$18 e ela oferece a opção de incluir bacon e molho verde.
“Ao atender um cliente sou muito simpática, sempre com o sorriso no rosto. Meus produtos são de qualidade e isso faz toda diferença na fidelização do cliente”, conta Débora que considera o “boca a boca” como o melhor marketing.
Das ruas às redes
Moradora do Padroeira, na zona sul de Osasco, Gisele Marinho Rabelo, 33, trabalhou durante oito anos com a venda de cachorro-quente. Trabalhou em dois carrinhos até metade de 2024.
Em junho, a filha Gabriele nasceu de forma prematura. Gisele dedicou-se ao cuidado da criança e em janeiro quando pretendia retornar ao trabalho recebeu o diagnóstico de hidrocefalia de sua filha e se afastou do trabalho.
Gisele incentivou outros ambulantes a usar as redes sociais @Arquivo pessoal
Atualmente, ela aplica o conhecimento que adquiriu para vender o lanche em aplicativos de delivery com preços a partir de R$14. “Trabalho com as mesmas mercadorias, o purê e as saladas sou eu mesma que faço. O Calçadão me deu oportunidade, aprendi a fazer o tão famoso hot dog de Osasco, saber atender um cliente e é com isso que estou sustentando minha família”, conta.
Dona do perfil “Hot Dog da Gi”, ela apostou nas redes sociais para conquistar clientes e avisar onde os carrinhos em que trabalhava iriam estar no mês.
“Comecei a postar no Facebook e postei um vídeo no Instagram para avisar sobre onde estava e viralizou. Comecei a ganhar seguidores e ser reconhecida. Muitas pessoas me procuravam e sempre levantei a bandeira para que as pessoas soubessem que no Calçadão tem hot dog bom”, recorda.
Segundo Gisele, a prática incentivou outros vendedores a fazerem o mesmo porque não tinham o hábito de postar e os clientes não sabiam que todo mês os carrinhos mudavam de lugar. Trabalhando com venda online, ela confessa que sente falta das pessoas, da variedade de serviços e da dinâmica da maior rua de comércio da cidade.
Lanche caprichado da barraca do “Pantera” leva cebola crispy, bacon e alho frito @Cleber Arruda/Agência Mural
Preços e avaliações
Entre os desafios apontados pelos vendedores estão as mudanças climáticas, a concorrência, a oscilação no fluxo de clientes, segurança e fidelização. Sobre a reforma do Calçadão, que dividiu opiniões com a retirada dos coqueiros, iniciada em 2020, eles avaliam que a mudança na aparência do espaço não trouxe tantos benefícios.
“O piso ficou bom, mas ainda faltam faixas para PCDs visuais e mais adequações em relação a cidade como um todo. Amo Osasco, mas tem muito a fazer para melhorar a acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência e idosos”, avalia o vendedor Cláudio Benício de Sá.
Com centenas de carrinhos, histórias de superação e sabores que atraem clientes de várias cidades, o Calçadão de Osasco segue confirmando o título de “capital do cachorro-quente”.

