O estudante Luan de Oliveira, 16, estava se sentindo importante no sábado (7). Ele era um dos jovens que estava recepcionando as cerca de 200 pessoas que foram prestigiar a inauguração da Casa Poética, em Ermelino Matarazzo, zona leste de São Paulo.
“Eu estou feliz por ter mais um espaço desse na quebrada, que não precisa pagar entrada e tem atividade de graça”, explica.
Há um ano, Luan integra o coletivo artístico e cultural ‘Mesquiteiros’, que é formado por jovens da região e que surgiu em 2009, na Escola Estadual Jornalista Francisco Mesquita, a partir da iniciativa do educador e escritor Rodrigo Ciríaco, 38.
Depois de uma década realizando oficinas de literatura e de teatro, além de eventos literários, o grupo agora têm sua própria sede, na Rua Miguel Rachid, na Vila Paranaguá.
A Casa Poética pretende ser um centro de referência para a literatura, com cursos, saraus, slams e encontros literários, além de disponibilizar livros para empréstimos.
“Quero colocar uma placa neste espaço com a frase ‘tudo isso aqui já foi um sonho’, porque quando achei a casa fiquei imaginando tudo: o que gostaria que tivesse na parede, o espaço infantil, a sala de vivências, a garagem artística, o jardim, a horta”, conta Ciriaco.
“Estou muito emocionada”, diz a estudante de Relações Internacionais Jackeline Pires Linhares, 18. Ela mora perto da Casa Poética e é uma mesquiteira (como é chamado quem faz parte do coletivo) desde 2013, quando o projeto ainda funcionava apenas na escola.
Inicialmente, ela se interessou pela parte mais performática e teatral, mas foi se apaixonando pela poesia.
“Queremos colocar a literatura em contato com as pessoas, porque livros na estante são só enfeites. O livro com as pessoas é a poesia sendo transformada em ação”, afirma Jackeline Pires, 18
Foi essa realização que fez com que a estudante Mirela Caroline, 16, decidisse continuar participando do grupo. “Quando a casa foi alugada eu vim aqui visitar pensando em sair do coletivo, mas decidi ficar ao ver onde os Mesquiteiros estão chegando, depois de tantos anos sonhando”, conta.
Ela observa que a maioria dos eventos culturais são voltados para adultos. Opinião compartilhada pela estudante Vitória Alves Cardoso Coutinho, 16, que enxerga a Casa Poética como um lugar para acessar cultura ainda em falta.
“São poucos os lugares como esse e está tudo tão lindo. Creio que preciso desse espaço para ser uma pessoa intelectualmente melhor e para poder levar o que tenho para outras pessoas”, diz Vitória.
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REFERÊNCIA E INSPIRAÇÃO
Conversando com cada um desses jovens, a Mural perguntou o que gostavam de ler. Foram citados nomes como Binho, Ferréz, Andrio Candido, Mariana Félix, entre outros autores das periferias de São Paulo. Todos estes estavam em carne e osso passeando pela casa.
Para homenagear alguns deles e também produtores literários, os cômodos da residência ganharam nomes especiais. Três deles fazem referência a ancestrais que abriram caminhos para a literatura periférica: Espaço de Leitura Carolina Maria de Jesus; a Biqueira Literária Plínio Marcos; e o Quintal das Artes Solano Trindade.
Os outros ambientes são o Espaço Infantil Amanhecer Esmeralda Ferréz; Sala de Vivências Postesias Suzi e Binho; Copa Colecionador de Pedras Sérgio Vaz; Jardim Olhos d’Água Conceição Evaristo; Espaço Balada Literária Marcelino Freire; e Horta e Produtividade Colaborativa Bel Santos Mayer, José Castilho e Márcio Black.
“São pequenas homenagens simbólicas porque há admiração por essas pessoas e pelo trabalho delas, que são referências. Se tem uma ‘molecada’ caminhando comigo é porque eles e elas vieram antes”, explica Ciríaco.
Parte das pessoas homenageadas participaram de um bate-papo durante o evento para discutir a literatura. “Um monte de gente profetizou que ia acabar o livro. Mas aí um monte de gente cruza a cidade para participar do lançamento de uma casa poética”, observa a pedagoga Bel Santos Mayer, 52.
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“A literatura tem sido casa para muitos de nós. A gente sabe transformar o lugar de morte em lugar de vida e literatura é vida. Que bom que a gente tem mais um espaço para fazer isso tudo acontecer”, celebra.
AGENTE LITERÁRIO
Há cinco anos, Rodrigo participou do Salão do Livro de Paris, na França, e percebeu que seu livro era o único que não estava disponível na feira. “Percebi o quanto que a gente estava desfalcado dessa figura [de um agente literário] para fazer um trabalho mais profissional e comercial”, explica.
Por isso, também foi lançada a Agência Literária Casa Poética, a primeira agência do segmento que visa auxiliar autores periféricos e independentes. Ela já conta com um grupo de 16 autores, que receberão apoio para fortalecer a divulgação de trabalhos no mercado literário.
“Tenho visto muitos atores da área da cultura adoecendo, com problemas de depressão. A gente precisa estender a mão para essas pessoas, principalmente os artistas que tem que cuidar da sua própria produção”, afirma Suzi Soares, 53,produtora do Sarau do Binho e da Felizs (Feira Literária da Zona Sul).
Ela diz acreditar que a agência é uma forma de estender a mão para escritores. “É difícil o artista ser seu próprio agente. Como é que ele ou ela vai vender seu trabalho, por preço no seu trabalho e fazer documentação de tudo?”, questiona. “É cansativo”.
A Casa Poética não tem nenhum apoio institucional e está com financiamento coletivo recorrente aberto, para arrecadar fundos para manutenção do espaço e suas atividades.
Aos sábados, das 9h às 19h, a casa estará aberta, com programação gratuita. Durante a semana, será possível agendar visitas e participar de eventos pontuais, a serem divulgados nas redes sociais.