O mestre de obras Marcondes Luz, 49, foi um dos candidatos a vereador nas últimas eleições. Morador de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, Marcondes foi o nome de urna da candidatura coletiva Bancada Periférica do Avante.
Na campanha, o discurso dele era “por que votar em candidato de fora, se podemos juntar forças entre nós e elegermos um candidato do gueto? A favela pela favela”. Mas a chapa acabou não sendo eleita. Um dos desafios foi a falta de dinheiro. “Não vi dinheiro do partido”, disse.
Marcondes comenta que a falta de recursos impediu chegar nos eleitores do bairro e executar funções de uma campanha, como locomoção, panfletagem e divulgação nas redes sociais.
A situação foi complicada em uma eleição mais concorrida. Segundo números do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), neste ano, houve aumento de 50% em relação às eleições de 2016, quando 1.315 pessoas solicitaram o registro de candidatura.
Na prática, foram 36 candidatos para cada uma das 55 cadeiras da Câmara Municipal. Há quatro anos, eram pessoas 24 por vaga.
Nas periferias, nomes que até então não tinham se candidatado a cargos públicos despontaram e com eles, os desafios. Entre os problemas, a falta de recursos para campanha foi um deles, como no caso da chapa de Paraisópolis. “A gente está meio perdido e sem dinheiro para fazer acontecer”, disse Marcondes durante a campanha.
Por outro lado, Milton Leite (DEM), com mais de 132 mil votos (o segundo mais votado na cidade, atrás de Eduardo Suplicy (PT), que somou 167.552) serve de exemplo para falar dos recursos, já que teve a candidatura mais cara do país.
Leite foi eleito para o sétimo mandato consecutivo. Na declaração ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aponta receitas de R$ 2,4 milhões, dos quais R$ 1,9 milhão são do fundo eleitoral, verba destinada às campanhas.
Além disso, centenas de moradores foram contratados na zona sul para atuar nas ruas, na entrega de ‘santinhos’, e segurar bandeiras em avenidas da região.
A Agência Mural conversou com a socióloga e indígena Pagu Rodrigues, 35, e com o cientista político Marcos Agostinho, 54, para entender a questão dos recursos e como eles impactam nas eleições de candidaturas vindas das periferias e com menos dinheiro.
Pagu conhece na prática as dificuldades, pois também disputou o cargo de vereadora este ano. Segundo ela, em tese, a divisão do fundo partidário eleitoral no país é justa, pois é feita a partir da proporção das bancadas eleitas no Congresso Nacional.
Os valores que vão para os partidos é proporcional a cada deputado federal que a legenda tem, algo que garante a representatividade financeira nas eleições.
O problema vem depois, segundo ela, quando quando o dinheiro é dividido dentro das legendas. “Os critérios de distribuição deste fundo não são definidos previamente, mas criados pelas próprias legendas”, aponta. “Os partidos definem esses recursos como métodos próprios e essa distribuição não é justa, na maioria das vezes”.
Nestas eleições, a regra geral de que 30% do fundo deveria ser destinado para mulheres foi uma ajuda neste sentido, mas não o suficiente, segundo a especialista. “É uma regra que todos precisam seguir, mas, mesmo assim, os critérios internos de cada legenda são diferentes de uma para outra. Uma chapa que tem o número maior de candidaturas femininas não necessariamente todas vão receber igualmente o valor”.
A socióloga comenta que falta uma regra que define recursos para candidaturas etnico-raciais, indígenas e LGBTQIA+ — populações que, geralmente, acabam marginalizadas na divisão dos recursos.
Para ela, na maioria das vezes, os partidos priorizam quem busca a reeleição ao invés de apostar em novos candidatos, o que impede que as minorias políticas ocupem espaço. Na comparação com as eleições passadas, houve mais recursos para novas pessoas, já que o eleitorado mostrou interesse em votar em mais negros, mulheres e fíguras mais combativas.
Garantir a implantação de cotas para minorias e limitar o valor que o candidato pode colocar na própria campanha são algumas políticas que devem ser feitas nas próximas eleições, segundo Pagu.
Na mesma linha da socióloga, Marcos Agostinho, 54, comenta que os partidos tentam driblar as regras definidas quando o assunto é recurso para campanha. “De maneira geral, sempre tentam alternativas, tanto que foram criadas as ‘laranjas de saia’, mulheres que se candidatam só para abastecer campanhas masculinas dentro das legendas”, cita.
Marcos diz que campanha eleitoral é cara por si só, pois demanda serviços de profissionais competentes de várias áreas, como jornalistas, designers, motoristas, produtores e outras funções que viabilizam as campanhas. Por conta disso, quanto menor o investimento em determinados nomes, menos chances de eleição.
“Há uma série de ferramentas modernas no processo eleitoral, com o objetivo de conquistar o voto do eleitor. Uma coisa que não muda é a busca incessante pelo voto e o eleitor precisa ser atingido de várias formas, inclusive as redes sociais. Quanto mais recurso você possui, maiores condições você tem de atingir o eleitorado. Quando se trata de uma candidatura que já ocupa o cargo, isso ainda fica mais desproporcional”, completa.
O especialista cita que as relações de poder em torno de Milton Leite, por exemplo, justificam o sucesso nas urnas. Os filhos do parlamentar ocupam cadeiras nos poderes estadual e federal, além de outros aliados. De alguma forma, antes mesmo da eleição, a máquina pública já trabalha para a reeleição, indica Marcos.
De acordo com Marcos, uma tendência de mudança para as próximas disputas é que os partidos terão que dividir igualmente os recursos financeiros, pois há interesse do eleitorado em nomes vindos das minorias políticas e de movimentos sociais.
Um exemplo é Emerson Osasco, diretor da Gaviões da Fiel, que virou símbolo de protestos realizados pelas torcidas organizadas contra o presidente Jair Bolsonaro, foi eleito vereador em Osasco. Filiado à Rede Sustentabilidade, obteve 2.129 votos.