Quando o funcionário público Marcelo Araújo, 56, criou o Prazer em Correr há 8 anos, ele não imaginava o alcance que o projeto teria. Conhecido também como “vovô corredor”, ele foi diagnosticado com insuficiência renal crônica discreta nos dois rins e ouviu dos médicos que a saúde estava em risco. A sugestão médica foi clara: ele precisava adotar uma atividade física para sobreviver e ver os netos crescerem.
Decidido a fazer uma mudança radical, Marcelo, morador de Itaquera, na zona leste de São Paulo, começou a experimentar a caminhada e a corrida. Seis meses após começar a se exercitar regularmente, ele havia perdido peso, controlando o colesterol e a triglicérides.
Inspirado pela melhora, o funcionário público começou a convidar amigos, especialmente aqueles que também enfrentavam problemas de saúde, para se juntarem a ele nas corridas.
O que começou com seis amigos e conhecidos agora reúne cerca de 50 pessoas das mais diversas regiões da zona leste. Atualmente, o grupo corre distâncias que variam de 5 a 10 km, às terças e quintas-feiras, entre 19h e 21h, na ciclofaixa que circunda a Radial Leste.
Desde o ponto de encontro junto à estátua “Eu Amo Itaquera”, em frente à entrada do terminal, até as estações de metrô Guilhermina-Esperança e Penha, os corredores compartilham mais do que algumas horas de exercício físico. Juntos, a equipe do Projeto Prazer em Correr tem se auxiliado na luta contra o sedentarismo, utilizando o esporte como meio de fortalecer o corpo, a mente e o senso de comunidade.
“Há pessoas que entraram aqui e eram obesas, tinham pressão alta, não conseguiam andar 500 metros sem ter que parar, e hoje correm 10 km, 15 km. Isso é uma vitória muito grande”, compartilha Marcelo.
Além dos encontros semanais, ele organiza esporadicamente “treinões”, competições de rua que chegam a atrair mais de 200 participantes de Itaquera e bairros vizinhos como Itaim Paulista, Poá, São Miguel e Guaianases.
“O foco do projeto é no social e na melhoria de Itaquera, porque eu sou apaixonado pelo meu bairro, moro aqui desde 1981”, comenta o criador do grupo.
“Temos que dinamizar o nosso bairro e mostrar para as pessoas que aqui tem tanto quanto a região central”
Marcelo Araújo, criador do Projeto Prazer em Correr
A diversidade regional não é a única característica do coletivo. Segundo Marcelo, a faixa etária dos participantes varia: desde crianças que correm com os pais até pessoas como o senhor Benê, um corredor assíduo de 70 anos. Foi essa diversidade que atraiu a manicure Gilmara de Abreu, 39. Moradora de Ferraz de Vasconcelos, ela participa do projeto há 5 anos.
Gilmara começou a correr por iniciativa própria, um ano antes de conhecer o Prazer em Correr. Em 2018, durante uma corrida em sua cidade, ela teve o primeiro encontro com a equipe. Encantada com a união do grupo, Gilmara decidiu se envolver.
“Nunca é só corrida”, diz, “acaba sendo uma terapia, pois o grupo acolhe a todos e incentiva a ter uma vida mais saudável, a sair do sofá.” Correr representou uma vitória pessoal para ela, uma vez que lida com a asma, condição que pode limitar a atividade física.
Assim como Gilmara, a autônoma Janaína Rodrigues Senra, 41, também se encantou com o projeto. Há cerca de um ano, ela corre assiduamente com o grupo. Mesmo com o cansaço do dia a dia, o trabalho e o cuidado com a casa, Janaína não deixa de participar de nenhum treino.
“Eu passo o dia inteiro cansada, e meu marido pergunta: ‘mas você vai correr? Você não disse que estava cansada?’. Mas quando vou lá para correr, acabo descansando, pois é tão gostoso, não é só a corrida”, diz.
Desde que começou a participar, Janaína tem sentido efeitos positivos na saúde física e mental, além de melhora na autoestima.
No entanto, Janaína compartilha as preocupações com a segurança nos locais de treinamento, especialmente à noite. Assaltos e trechos perigosos são uma preocupação constante para os corredores.
Segundo Marcelo, há trechos em que a equipe não consegue correr. “Tem lugares que quando a gente faz o treino, temos que esperar uns pelos outros para chegar naquele ponto. Esses dias, pessoas armadas lá na Penha tentaram nos assaltar.”
A falta de infraestrutura, como banheiros públicos, também é uma limitação. Os corredores, muitas vezes, precisam esperar para chegar a alguma estação de metrô no trajeto para conseguir água ou ir ao banheiro.
Como as práticas são à noite durante a semana, e a maioria dos participantes vem diretamente do trabalho, não há, atualmente, outra localidade apropriada para os treinos. O local mais próximo, o Parque Linear do Córrego do Rio Verde, conta atualmente com uma pista de atletismo de 200 m inaugurada em 2022, incompatível com as distâncias percorridas por treino.
“Quando começamos o projeto há oito anos, o Parque Linear estava bastante abandonado, e aí fizeram essa pista nova. Mas as pessoas, quando correm, têm um pouco de dificuldade em virar ratos de laboratório, ficar correndo em volta de si mesmas”, diz Marcelo.
A distância entre o metrô e o parque também é outro ponto levado em consideração. Os corredores, na maioria das vezes, chegam ao local próximo ao horário de início das atividades. O deslocamento até o parque acrescentaria mais alguns minutos de trajeto e, para alguns, um gasto a mais de passagem.
“Pessoas de outras regiões que não têm equipes de corrida nos seus bairros vêm treinar aqui conosco. Então, seja de onde você vier, o metrô Itaquera é um bom polo atrativo que facilita muito a ida e vinda das pessoas”, analisa Marcelo.
Aos fins de semana, Marcelo busca diversificar seus treinos, saindo da ciclovia e levando sua equipe ao Parque do Carmo. No entanto, ele faz críticas à condição do parque, considerando-o mal mantido e gerenciado.
Ele lamenta que a periferia seja frequentemente negligenciada, com bebedouros danificados, falta de iluminação intermitente e preocupações com segurança, especialmente em áreas mais escuras. “Enquanto o Ibirapuera e o Villa Lobos são muito bem cuidados, iluminados e seguros, infelizmente, não temos essa mesma condição”, desabafa.
Para participar do projeto não há inscrições, basta comparecer ao local de encontro na estátua “Eu Amo Itaquera”, em frente ao terminal de ônibus, às terças e quintas-feiras às 19h29.
O grupo conta com corredores amadores dos mais diversos níveis, entre aqueles que correm pequenas e longas distâncias. Quem nunca correu também pode participar. Segundo Marcelo, aqueles sem experiência são acompanhados por corredores voluntários durante os treinos, para dúvidas e ajuda.