Desde março de 2020, a Usina de Triagem de São Francisco, encarregada de separar os lixos recicláveis e comuns de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, está paralisada.
Sem o processo de triagem, parte da reciclagem da cidade passou a depender da entrega voluntária dos moradores e de iniciativas de ONGs (organizações não governamentais).
A professora Erika de Cassia Capella, 50, moradora do bairro Cézar de Souza, é uma das pessoas que levam os lixos até o ecoponto, local destinado para o descarte, e realiza classificação dos materiais.
Da residência onde Erika mora até o ecoponto mais próximo, no bairro Jardim Armênia, é necessário percorrer um trajeto de 4 quilômetros. Apesar da distância, ela diz não se importar com o trabalho.
“Não vejo como algo trabalhoso. Eu separo o lixo seco do molhado e vou de carro até o ecoponto. Me sinto bem fazendo isso”, afirma.
A cidade conta com três ecopontos (no distrito de Jundiapeba e nos bairros Parque Olímpico e Jardim Armênia) para atender uma população de 455.587 pessoas — o que representa menos de um ecoponto a cada 100 mil habitantes.
A Usina de Triagem de São Francisco havia encerrado as atividades por conta dos riscos de contaminação devido à pandemia.
Em seguida, a Prefeitura de Mogi das Cruzes abriu uma licitação pública com investimento de R$ 318 mil para reformar o local. Até a conclusão da obra, prevista para outubro deste ano, a usina permanecerá fechada.
Do início da paralisação até o momento, soma-se um ano e seis meses. Nesse período, os lixos reaproveitáveis estão sendo enterrados junto com os resíduos comuns em um aterro sanitário em Jambeiro, município do estado de São Paulo.
Erika, que é professora e ensina aos alunos a importância de preservar o meio ambiente, se preocupa com a atual situação em Mogi.
“Uma professora da escola que dou aula fez uma campanha para separação de lixo. É muito revoltante, você enquanto professor, fazer um processo de educação com os alunos e esse processo vai por água abaixo”, desabafa.
De acordo com a Secretaria do Verde e Meio Ambiente, Mogi das Cruzes produz em média 330 toneladas de lixo por dia. Desse total, cerca de 5% são reciclados, sendo 2,5% em média na área urbana.
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Além da entrega voluntária dos moradores, parte dos serviços de reciclagem é realizada pelos catadores e ferro-velhos.
Ricardo Nogueira, 49, trabalha com sucata há cerca de 15 anos. Ele começou com reciclagem e hoje tem dois depósitos de compra de materiais reaproveitáveis em Jundiapeba.
“A gente compra os recicláveis dos catadores que tem carroça na rua, das pessoas que levam até a gente, dos comércios e indústrias”, diz.
Para o comerciante, a pandemia fez com que os moradores de Mogi reciclassem mais, de forma consciente e também para ajudar no orçamento.
INICIATIVAS INSPIRADORAS
A autônoma Élin Ariane Goulart da Silva Ramos, 33, moradora do bairro Parque Santana, é uma das pessoas que começaram a reciclar na pandemia.
Ela é a criadora da ONG Gatil São Francisco. A entidade funciona como um abrigo para gatos e cachorros e utiliza a renda vinda da reciclagem para comprar ração e mantimentos para os animais.
Élin e o marido possuem um “taxi dog” (serviço de transporte de animais de estimação), porém com o início da pandemia o faturamento foi comprometido e a solução encontrada por eles foi o comércio de resíduos reaproveitáveis.
“Com a pandemia, tivemos que tomar uma medida para manter esse abrigo, e aí surgiu a ideia de ajudar o meio ambiente, nos ajudar e ajudar os animais também.”
O casal deu o nome ao projeto de “Gatil na Reciclagem”, criado há nove meses. Com a ajuda da família e de moradores da cidade, eles arrecadam todo tipo de lixo seco: papelão, tampinhas, garrafas PET, embalagens de xampu e deixam guardado em casa até alcançar uma boa quantidade que possa ser vendida ao ferro-velho.
De acordo com Élin, o dinheiro varia de acordo com a quantidade arrecadada e é convertido tanto em ração, como também em despesas médicas para os animais.
O projeto foi crescendo e Élin busca os resíduos recicláveis regularmente em alguns bairros.
“Com a crise, o preço da ração subiu, tudo subiu. As pessoas tiveram que se virar. No meu caso, a despesa ficou muito alta e a gente precisava dar o que comer para essas crianças [se referindo aos gatos]”, diz.
Outro morador de Mogi das Cruzes que contribui com ações de reciclagem é o agricultor aposentado Kinshiro Ono, 78. Ele mora na Estrada do Barroso, bairro da região rural do município.
Cansado de ver os motoristas jogando lixos pela janela na Rodovia Engenheiro Cândido do Rego Chaves, Kinshiro construiu uma lixeira coletiva à margem da estrada.
“Moro aqui perto e cansei de ver pessoas sujando a via. Então há dois anos eu construí essa lixeira”, afirma.
Mesmo com a estrutura erguida pelo aposentado, alguns motoristas insistem em jogar os detritos no chão. Para manter o lugar limpo, Kinshiro vai uma vez por semana recolher os detritos espalhados pelo local.
“Ano passado alguém roubou as madeiras da lixeira, alguns cachorros também subiam e espalham o lixo. Por isso, sempre tenho que fazer adaptações”, explica o aposentado.
CUIDAR DO MEIO AMBIENTE
A mogiana Lívia Franco da Costa, 31, é doutora pelo Instituto de Botânica de São Paulo na área de biodiversidade vegetal e meio ambiente. De acordo com ela, a reciclagem é fundamental para a conservação dos recursos naturais da cidade e do planeta.
“A reciclagem diminui a quantidade lixo, a quantidade de resíduos sólidos no nosso ambiente, além da quantidade de emissão de gases do efeito estufa [aumento da temperatura da Terra pela retenção do calor de gases atmosféricos]”, explica.
Quando o lixo não é separado se perde o potencial do material reciclável. “Vamos pensar no papel, por exemplo, se ele é descartado junto com outros alimentos acaba por umedecer, manchar e consequentemente perdendo seu potencial de reciclagem”, exemplifica a bióloga.
Em relação aos aterros sanitários, ela ressalta que eles são importantes para diminuir o impacto do lixo no meio ambiente e que o descarte de lixo reciclável junto com o orgânico acaba prejudicando quem recicla e desmotivando quem separa o material.
Segundo Lívia, é importante repensar a utilização e reutilização no nosso consumo diário.
“Praticar um consumo mais consciente, apostar na reutilização dos produtos e diminuir o volume do lixo que a gente gera são hábitos cada vez mais urgentes”, conclui.
CONDIÇÕES DA USINA
A Secretaria do Verde e Meio Ambiente afirma que fez uma análise nas condições da usina de triagem e entendeu que o local necessitava de reforma e modernização para garantir melhores condições de trabalho aos cooperados.
Por isso, de acordo com a pasta, iniciou a modernização da central com previsão de término para outubro deste ano.
A prefeitura também informou que os catadores que trabalhavam na usina passaram a atuar nos três ecopontos da cidade.
ENDEREÇOS DOS ECOPONTOS DE MOGI
Ecoponto Jardim Armênia
Rua Júlio Perotti, 56
Ecoponto Parque Olímpico
Avenida Prefeito Maurílio de Souza Leite Filho, s/nº (esquina com a Rua Archinides Carlos Muford)
Ecoponto Jundiapeba
Rua Manoel Fernandes, 44 (esquina com a Avenida João de Souza Franco)