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Como moradores das periferias vivem os dilemas do transporte público na pandemia?

Por: Eduardo Silva e Ira Romão

O assistente financeiro Rafael Borges, 30, mora na Brasilândia, na periferia da zona norte de São Paulo. De segunda a sexta, ele se desloca até o trabalho em Itaquera, na zona leste, utilizando dois ônibus e dois trens. O percurso dura aproximadamente 3 horas e 20 minutos, considerando ida e volta.

A rotina não mudou por causa da pandemia, iniciada em março de 2020. “Entre março e abril do ano passado, houve uma conversa sobre home office por conta de seis ou sete pessoas terem pegado Covid-19”, relembra. “Fizeram isso para tentar conter a contaminação, mas meu setor não foi contemplado por ter de trabalhar com pagamentos.”

Borges foi um dos funcionários que ficaram doentes na época e viveu uma situação que boa parte dos moradores das periferias sentiu: não teve a opção de trabalhar em casa para se proteger do vírus.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha, 4 em cada 10 moradores da classe C (44%) tomaram cuidados contra a Covid-19, mas tiveram de sair de casa para trabalhar por conta da pandemia. Esse número subiu para 46% em 2021. Trabalhar em casa foi opção para 7%.

Os dados foram coletados durante o mês de maio de 2021, a pedido da 99, aplicativo de mobilidade urbana. Foram entrevistados 1.542 moradores das regiões metropolitanas de seis estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Bahia e Amazonas.

Lotação no transporte foi um dos receios na pandemia @Ira Romão/Agência Mural

Em São Paulo, a situação reflete as dificuldades de se proteger em mais de um ano de pandemia. Impraticável dentro do transporte público, o distanciamento de dois metros entre uma pessoa e outra nunca foi uma opção para alguns moradores das periferias se protegerem da Covid-19.

O perigo soma-se à ventilação insuficiente e ao tempo de exposição em longos trajetos até o local de trabalho.

Uma das alternativas para moradores foi o transporte por aplicativo. Ainda de acordo com a pesquisa, 31% dos entrevistados da classe C começaram a utilizar esse meio durante a pandemia.

Morador da Parada de Taipas, na região noroeste de São Paulo, o operador logístico Aécio do Nascimento, 33, passou seis meses – de abril a setembro de 2020 – utilizando carros por App para ir ao trabalho em Guarulhos, na Grande São Paulo.

As corridas foram pagas pela empresa do ramo farmacêutico em que trabalha. Quando as atividades presenciais foram retomadas, o Estado de São Paulo estava na fase amarela do Plano São Paulo, o que indicava a diminuição de casos de infecção por Covid-19.

“A empresa acabou suspendendo o benefício [de uso de carros por aplicativo]. Para não me expor, nem expor minha mulher e minha filha, optei por ir trabalhar de moto para evitar o transporte público”, conta Aécio.

O operador afirma que tem receio de pegar as lotações em meio à pandemia e dividir o espaço com outras pessoas. “São milhares que utilizam o transporte coletivo e nem todas têm o mesmo cuidado. Indo de transporte particular me sinto bem mais seguro.”

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Moradora da Brasilândia, a coordenadora pedagógica Aline Salles Oliveira, 33, trabalhou em casa durante o ano de 2020. Em 2021, ela retornou às atividades de modo presencial, indo até o trabalho na Vila Guarani, na zona sul da capital.

Para chegar até o trabalho, ela precisa embarcar em uma lotação, o Metrô e mais dois ônibus.“Para mim foi bem difícil retornar e utilizar o transporte público. Por isso dei preferência, no início, por utilizar carros de aplicativo”, conta Aline, que tinha receio de ser contaminada e levar o vírus para o marido e a filha de quatro anos.

Apesar de reduzir o risco de contaminação no deslocamento, a estratégia de usar diariamente impactou o orçamento familiar da pedagoga.

“As corridas ficam em torno de R$ 45. Multiplicado nos dias da semana, [o valor] impactou bastante, tivemos que conter alguns gastos para que eu pudesse, pelo menos, usar no retorno à minha residência, evitando o horário de pico”, explica Aline.

Ela reforça que, devido ao horário de trabalho, não consegue evitar os horários em que o transporte costuma estar mais cheio. “Levo duas horas para chegar até o trabalho. Saio às 4h da manhã e chego lá por volta das 6h. Na volta, é a mesma coisa: saio às 16h e chego às 18h.”

Na classe C, apenas 7% afirma ter trabalhado em casa @Ira Romão/Agência Mural

O medo de contaminação também é algo que tem deixado a assistente administrativa Fabiana Oliveira, 29, em estado de alerta. Por trabalhar presencialmente na área de compras de um hospital oncológico, no centro de São Paulo, ela já recebeu as duas doses da vacina contra a Covid-19. Mas o medo agora está em transmitir o vírus para a mãe, de 60 anos, ou para a irmã, de 35, que ainda não estão imunizadas.

“Meu trajeto é feito em ônibus, trem e Metrô, e levo em média duas horas nesse itinerário. Porém, durante a pandemia, optei por não utilizar o ônibus aqui na cidade onde moro, pois demorava para sair do ponto e acabava por ficar cheio, acarretando em momentos de aglomerações”, diz Fabiana, que mora em Francisco Morato, município da Grande São Paulo.

Para minimizar a exposição, ao menos dentro do ônibus, Fabiana começou a ir de carro até a estação de Francisco Morato, da CPTM. O pai dela, que também já está imunizado com as duas doses da vacina, se prontificou a lhe dar carona neste percurso.

“Após tomar a vacina, os cuidados redobraram porque posso não pegar [a doença] de forma agressiva, mas posso ser assintomática e transmitir e essa pessoa ter os sintomas de forma fatal”, conta a assistente administrativa.

“Tento ao máximo seguir as recomendações de segurança. Acho que segui-las foi de extrema importância para ter evitado ser contaminada pelo coronavírus e arriscar infectar meus familiares”, complementa.

Segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde, apenas 18% da população no estado de São Paulo está vacinada com as duas doses da vacina contra o coronavírus.

Mesmo para aqueles que já estão vacinados, especialistas recomendam que as medidas de proteção, como o uso correto de máscaras e de álcool em gel para higienização das mãos, continuem sendo seguidas.

Ira Romão/Agência Mural

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Ira Romão/Agência Mural
Ira Romão/Agência Mural

Procurada, a STM (Secretaria dos Transportes Metropolitanos) afirma que a demanda de passageiros nos primeiros meses da pandemia chegou ao patamar de 20% do normal e hoje está em torno de 48% do total da demanda no Metrô, na CPTM e na EMTU. Em média, as três empresas transportavam cerca de 10 milhões de passageiros por dia antes da quarentena.

A STM afirma também que disponibiliza mais trens nos horários de pico. “A oferta chega a 100% da frota quando a demanda se faz necessária, mesmo com a queda expressiva no número de passageiros”, explica em nota.

De acordo com a SPTrans, responsável pelos ônibus na cidade de São Paulo, cerca de 88% da frota operacional (em relação aos dias úteis pré-quarentena) circula pelas ruas da capital. No dia 15 de junho, 1,91 milhão de pessoas foram transportadas em 11.312 ônibus municipais.

A empresa informa que tem adotado uma série de medidas preventivas em relação à Covid-19, como reforço na higienização dos veículos e nos terminais.

“Além da limpeza mais pesada já realizada diariamente nas garagens em todos os ônibus, a higienização dos veículos é reforçada entre as viagens, nos terminais municipais, principalmente nos locais onde há contato mais frequente dos passageiros, como balaústres, corrimãos e assentos.”