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Como o marco do saneamento afeta as periferias e o esgoto a céu aberto

Por: Lucas Veloso e Carolina Franca

Na zona leste de São Paulo, centenas de famílias lidam todos os dias com o córrego Mongaguá. O lugar é uma marca negativa da Avenida Paranaguá, em Ermelino Matarazzo, pelo descaso e falta de esgoto.

Por ali, moradores convivem com o mau cheiro, exposição à urina de ratos, baratas e doenças que se desenvolvem na sujeira, como diarreias, sejam bacterianas ou virais, leptospirose, esquistossomose ou a dengue.

Mãe de dois filhos, Andreia da Silva, 22, conta que chegou a adotar um gato para tentar afastar alguns animais. A realidade dela é vivida por muitas famílias nas periferias da capital, onde 35% do esgoto não é tratado, segundo os últimos dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento), levantados pelo Instituto Trata Brasil.

O saneamento básico é um direito assegurado pela Constituição Brasileira. No entanto, essa não é a realidade em parte das periferias do país. Sob a alegação de mudar esse cenário, o Governo Federal aprovou recentemente o Novo Marco Legal do Saneamento.

A Lei 14.026/2020 divide opiniões de especialistas quanto a sua efetividade e pelo fato de privatizar um bem público, o que pode levar a taxação da água. Por outro lado, a legislação facilita o investimento de empresas no setor do saneamento.

“A iniciativa privada vai ter mais acesso e segurança para investir, e os benefícios que isso trará são sistemas mais eficientes e uma mudança significativa nos índices de atendimento”, diz Tiago Suckow, engenheiro sanitarista ambiental.

O Marco Legal do Saneamento prevê que todos tenham o abastecimento de água e tratamento de esgoto até 2033 por meio de agrupamentos (a união) entre municípios que ficarão sob a responsabilidade da empresa. As cidades não precisam ser próximas para fazer parte de um grupo.

“Para o meio ambiente isso é péssimo, saneamento tem a ver com a parte hidrográfica, tem que estar associada ao município geograficamente, não de acordo com questões financeiras”, defende Estela Alves, pesquisadora do Instituto de Energia e Ambiente da USP.

Favela Piracuama em 2018, no distrito do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo @Léu Britto/Agência Mural

Uma das principais preocupações com a falta de saneamento são as crianças. O Painel Saneamento Brasil indica que em 2017, cerca de 4.000 internações foram registradas na cidade por consequência da falta de tratamento dos esgotos. Dessas milhares, 1.708 eram crianças até 4 anos.

Além disso, segundo o Raio-x dos Municípios, um em cada dez moradores vivia em residências sem coleta nenhuma de esgoto na cidade de São Paulo até 2013, último ano levantado pelo Snirh (Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos).

O tema é uma das demandas da capital nas eleições municipais deste ano, tendo em vista que os exemplos de problemas existem pelos bairros de norte a sul da cidade.

Em Parelheiros, no extremo sul da capital, uma página no Facebook foi o espaço em que a moradora Meire Brito conseguiu para denunciar a situação da falta de saneamento no bairro.

Nas imagens é possível ver esgoto a céu aberto enquanto Meire relata a situação que não mudou, apesar da pandemia de Covid-19.

“É criançada respirando esse ar. Está complicado, em plena pandemia. Pessoas de idade, com deficiência”, conta sobre a região entre a Travessa Hermógenes (Avenida Professor Hermógenes de Freitas Leitão Filho) e as ruas do Canal e Gustavo Campa. “A situação está gravíssima e a gente não pode viver uma situação dessa”.

Fazenda da Juta, em Sapopemba, na zona leste da capital, em 2016 @Léu Britto/Agência Mural

TARIFAÇÃO

Quanto aos impactos para os bairros mais distantes do centro, a tarifação mais alta está entre as principais consequências da privatização. “O valor da taxa para o consumidor final vai aumentar, porque a empresa só vai investir e aumentar as estruturas porque ela quer ganhar lucro. Então, alguém vai ter que pagar”, afirma Estela.

Apesar do possível aumento na conta de água e esgoto, Tiago afirma que isso garante que a água que vai chegar à população atenda os critérios e qualidade requerida pelo ministério da saúde. “Vale a pena você não pagar pela água, mas também não ser uma água de qualidade?”

Atualmente, residências unifamiliares, desempregados, habitações coletivas ou remoção de área de risco têm a possibilidade de solicitar a Tarifa Social de Conta de Água que garante desconto na cobrança, o que não pode alterar a qualidade da água.

A preocupação com o saneamento básico nas periferias abrange ainda as ocupações. Essas áreas, consideradas irregulares, não podem ser atendidas pelas empresas de saneamento por uma questão legal. É preciso que o município regularize o local, faça um plano habitacional e transforme em bairro.

No Estado de São Paulo há 1 milhão de domicílios em aglomerados irregulares de acordo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)*. Parte deles estão às margens de córregos, rios ou lagos que inicialmente possuem água relativamente potável, mas passam a ser local de despejo de esgoto sanitário.

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