O bairro Jardim Record em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, começou a ser construído em meados da década de 1970. O local ainda era formado por fazendas e terrenos baldios quando, pouco a pouco, foi ganhando vida com a chegada dos primeiros moradores. A prefeitura apostava na expansão da cidade e iniciou, naquela época, a construção do primeiro e até hoje único Pronto Socorro Municipal: o PS Antena, como ficou popularmente conhecido.
Mas por que Antena? Por trás desse nome incomum para um prédio público está uma história que envolve uma emissora de rádio, o fim de um lixão e uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que movimentou a população do município.
Em 1981, a cidade vivia um momento de grande expansão com a abertura de comércios, escolas, a construção de casas por todo o lado e a chegada de empresas e indústrias. Com espaços à disposição na cidade, houve o interesse por parte da Rádio Capital de instalar os equipamentos transmissores no município.
O prefeito à época, Armando Andrade (PTB), estimulado pela oportunidade de um acordo comercial com a rádio, publicou naquele ano a Lei nº 626/81 que autorizava o uso de uma área pública por um período de 60 anos.
A vinda interessava para a prefeitura, dado que a Capital tinha grande audiência em todo o estado. A emissora foi vice-lider por anos consecutivos, graças aos programas populares comandados pelos radialistas Hélio Ribeiro e Eli Corrêa.
O terreno escolhido para alocar as antenas possui 45 mil metros quadrados e fica a poucos metros à frente do Pronto Socorro – veio desse momento a referência para o nome da unidade.
Antes disso, esse mesmo terreno abrigava um lixão a céu aberto alvo de disputas políticas e insatisfação dos moradores do entorno.
“A lembrança mais antiga que tenho é dos meus 8 anos de idade. Lembro de ver, pelo vidro do ônibus, as máquinas revirando e queimando todo aquele lixo”, relembra Maria Edna Barbosa, 55.
Maria mora na mesma casa há 40 anos e viu toda essa transformação de perto. Ela lembra orgulhosa que o filho mais velho, Rogério, foi um dos primeiros pacientes atendidos no Pronto Socorro. Na época, o ainda menino sofria com crises de bronquiolite.
“Ter um hospital pertinho de casa foi muito bom. Ninguém mais precisava ir para Itapecerica [da Serra, município vizinho] para conseguir passar com um médico”, relata a moradora.
Ocupações
A moradora conta que durante os 15 anos em que as antenas permaneceram instaladas na região, os funcionários contratados pela rádio para fazer a manutenção permitiam que os moradores utilizassem água e energia do terreno, uma vez que não havia saneamento básico, asfalto ou energia elétrica no entorno da vila ocupada.
“Foi uma época difícil, mas muito boa. Se temos essas casas até hoje é porque aqueles funcionários nos ajudaram a manter a vida aqui”
“As antenas só atrapalhavam o sinal de telefone (para quem tinha um) e também o sinal da TV que ficava prejudicado por conta das ondas do rádio”, completa Maria.
Na década seguinte, houve o crescimento de ocupações próximas ao terreno. Em 1991, os donos da Rádio Capital se preocupavam com a possibilidade de riscos de mortes e acidentes no local – os equipamentos tinham 150 metros de altura cada um, eram alimentados com corrente elétrica de alta tensão em torno de 80 mil volts e ficavam fixos no fundo do vale.
Segundo uma reportagem publicada no jornal “O Cidadão” daquela época, “mais de 20 famílias construíram barracos de alvenaria e de madeira nos barrancos em torno do lugar”.
“Nossa preocupação é que, com a infiltração das águas de chuva e dos esgotos que correm a céu aberto, desmoronem os barrancos com o passar do tempo”, afirmou o diretor da emissora, Antonio Aggio, em entrevista ao jornal.
Aggio chegou a conversar com os moradores para explicar os riscos: “Dá pena daquela gente, principalmente das crianças, mas eles alegam que não têm para onde ir, por isso não saem”.
O jornal também ouviu alguns moradores da ocupação, que pediram apoio para conseguir uma alternativa. “Tenho medo é do aluguel, o prefeito poderia lotear uma área e vender para nós”, disse Benedito Gomes da Silva. Já o vizinho, Gustavo Ribeiro Silva, pai de oito filhos, sentenciou: “Quem tem medo de morrer, não deve nascer”.
Maria Edna conta que, de tanto falarem dos perigos, o medo se instalou entre os moradores. “Tinha muita criança que vivia aqui e os pais começaram a inventar histórias para que eles não chegassem perto do terreno. Tinham várias lendas, de cobras, de gente que aparecia à noite e levava as crianças embora. Tinha de tudo”, conta.
A CPI
Por conta desses problemas, a concessão dos direitos de exploração do local por parte da Rádio Capital virou o assunto do momento entre a classe política, sobretudo da oposição ao governo, ainda sob gestão de Armando Andrade.
Os vereadores pediram a abertura de uma investigação para avaliar de que forma os direitos de exploração do terreno foram cedidos, uma vez que a Rede Capital de Comunicações, ao instalar as antenas no local, avançou 2.700 m² em uma área que era considerada via pública.
Durante a investigação foram ouvidas diversas autoridades e a Câmara Municipal estabeleceu sanções que dificultaram a permanência do veículo de comunicação na área.
Com o contrato anulado, a antena de rádio que virou buxixo na cidade foi retirada e levada para uma região entre as cidades de Juquitiba e São Lourenço da Serra, também na Grande São Paulo. Atualmente os transmissores da rádio estão no bairro Eldorado, em Diadema.
O terreno alvo de tanta polêmica ficou sem uso até 2017. Naquele ano a prefeitura construiu no local a Arena Multiuso, espaço reservado para shows e eventos esportivos da região.
Apesar disso, a passagem da Rádio Capital pela cidade deixou uma marca: a antena da emissora virou o nome do único Pronto-Socorro adulto da cidade. Antena que fica em um bairro que também ganhou nome de emissora, desta vez de televisão: o Jardim Record, onde permanecem os antigos moradores que relatam com nostalgia a época em que tudo ali era mato.