Salete da Silva Batista, 53, atua como catadora de recicláveis há sete anos. Para ela, esse trabalho vai além de uma profissão: é uma forma de cuidar do próximo e do meio ambiente.
Empurrando o carrinho de mão, que chama carinhosamente de “limusine”, Salete sai para o trabalho todos os dias pelo Grajaú, na zona sul de São Paulo, onde mora. A jornada de trabalho começa às 9h e termina pela tarde.
Os materiais coletados por ela vão desde latinhas até outros utensílios de ferro mais pesados. Após a coleta, encaminha o material para um ferro velho no bairro vizinho. No carrinho, ela também carrega uma caixa de som que toca músicas gospel, cujo ritmo animado a faz cantar pelas ruas.
“Se focar nas dificuldades que eu passo e das outras pessoas, não tem outro caminho a não ser se destruir”, conta. Apesar dos percalços, ela dá um jeito de contribuir com a melhora da vida no bairro, ao realizar ações sociais para ajudar pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social.
Após perder a mãe, aos 23 anos, Salete se mudou da Paraíba – onde nasceu – para São Paulo. Na época, trabalhou como babá, garçonete e auxiliar de limpeza. Ela relata que em todas as profissões que teve enfrentou preconceito por ser uma mulher negra e nordestina.
As pessoas me humilhavam, mas o meu foco era crescer na vida e fazer o bem para as pessoas. Não deixei me abalar, mesmo que não me valorizassem por conta da cor da pele”, diz.
A profissão de catadora chegou a ela durante um momento delicado, quando estava passando por dificuldades financeiras. No entanto, hoje enxerga que seu trabalho é de extrema importância e de utilidade pública na cidade.
Dados do relatório “Situação Social das Catadoras e dos Catadores de Material Reciclável e Reutilizável”, divulgado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2013, apontam que os catadores são responsáveis por quase 90% do lixo reciclado no Brasil.
Salete conta que, no início do trabalho, uma das maiores dificuldades para se adaptar foi a separação do lixo, que não ocorre com frequência no Grajaú.
“Os desafios são muitos, pois a gente está colocando a mão diretamente no lixo. Se as pessoas separassem e fizessem a reciclagem, seria mais fácil”
Salete da Silva Batista, 53, catadora de recicláveis
É o que refletem os dados do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem). O Brasil recicla apenas 13% do total de resíduos sólidos que produz. Cerca de 85% dos brasileiros não têm coleta seletiva, sendo que apenas 31 milhões de pessoas têm acesso a esse direito.
Segundo a pesquisa “Viver em São Paulo: Meio Ambiente”, de 2019, divulgada pela Rede Nossa São Paulo e Ibope Inteligência, chega a 61% o número dos paulistanos que afirmam separar o lixo reciclável do não reciclável. Mas a maior proporção ainda é na região central da capital.
Ações sociais durante a pandemia
Com o passar dos anos, Salete passou a conhecer mais sobre a vida e a rotina dos vizinhos. Um deles, chamado Lucas Luiz dos Santos, 37, perdeu a mãe aos 58 anos para a Covid-19 em 2021. A mulher costumava adotar animais em situação de rua e os colocava no quintal de casa. Com a morte dela, o filho teve que cuidar sozinho de 30 cachorros e 28 gatos.
“Conheci o Lucas na feira e ele me ofereceu uma televisão que não precisava mais. Ao chegar no portão da casa, vi vários animais lá. Foi na hora que eu me compadeci e abri a campanha”, narra.
Salete criou a campanha Quilo Pet, onde pedia aos vizinhos e donos de estabelecimentos do bairro a doação de 1 kg de ração para os animais.
A campanha resultou em 140 kg de ração e mais de R$ 200 em dinheiro. Atualmente, Lucas doou os 28 gatos para uma instituição que cuida de animais, mas continua abrigando 30 cachorros. “A gente tem que sempre estar ajudando, porque são muitos animais”, diz Salete.
Em outras andanças, ela conheceu a mãe de três crianças pequenas. O marido da mulher perdeu o emprego durante a pandemia e ela também cuidava da mãe aposentada e acamada. Sem emprego fixo, o dinheiro da aposentadoria e do auxílio emergencial não foi o suficiente para ajudar a família, por conta dos preços altos do aluguel e das contas de água e luz.
Foi quando Salete decidiu se mobilizar para ajudá-los. “Comecei a fazer a arrecadação de fraldas da mesma maneira que tinha feito na campanha anterior”, afirma.
“A gente não tem muito, mas com o pouco que temos podemos fazer a diferença na vida das pessoas próximas”
Atualmente, a catadora garante o sustenta da própria família, o marido Alexandre Haroldo, 62, e a filha Natasha Brigida, 24, com o salário e o auxílio emergencial do governo federal. Com o objetivo de aumentar a renda, em dezembro de 2021, Salete criou velas artesanais para vender na região.
Uma artista em busca de um sonho
O que Salete recebe de seu trabalho também é para investir no sonho da filha. A jovem, que começou a desenhar por hobby aos seis anos, logo também se apaixonou pela música e não se enxerga sendo outra coisa a não ser uma artista.
Aos 14 anos se profissionalizou nos desenhos realistas, onde utiliza a técnica de sombra e luz, lápis, grafite e algodão. A técnica busca reproduzir uma fotografia no papel para que fique parecida ao máximo com a realidade.
Cada desenho demora uma semana para ser produzido e custa R$ 150. Entre as celebridades que já foram retratadas por Natasha estão Michael Jackson, Angelina Jolie, Elvis Presley, Supla e Fátima Bernardes.
Natasha é autodidata e aprendeu a tocar violão, baixo, guitarra e teclado. Logo, também passou a compor músicas no estilo grunge, rock, metal e eletrônica.
“A maior dificuldade que eu enfrento como artista é que o dinheiro que ganho com a arte ainda é pouco. Não dá pra ficar rico, é só pra sobreviver mesmo. E ainda pelo fato de eu ser uma artista anônima e periférica, meio que as pessoas não dão muito valor no meu trabalho, ainda é muito desvalorizado”, desabafa.
Para o futuro, ela afirma que continuará investindo no sonho e busca por mais visibilidade através das redes sociais. E com todo o apoio da mãe. “Apesar das dificuldades, a gente segue lutando e com esperança de dias melhores para a nossa família”, conclui Salete.