Um quartinho nos fundos da casa do afroempreendedor Daniel Faria, 43, no Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo, foi o espaço inicial da Orpas (Obras Recreativas Profissionais Artísticas e Sociais), ONG fundada por ele em 2005.
“Quando fui iniciar as atividades no quintal, falei pra minha mãe: ‘quiçá seja uma ideia tão poderosa pra chegar nesses quatro cantos do mundo, começando por mim pela nossa família’”, relembra.
Em quase 20 anos de atuação no bairro, ele contabiliza ter impactado mais de 10 mil pessoas. Atualmente, há 400 famílias cadastradas em programas que oferecem consultas gratuitas em diversos serviços de saúde.
O cômodo onde a mãe de Daniel passava as roupas virou o espaço para o primeiro curso de música da organização, com 55 alunos interessados nas aulas de teclado, violão e bateria.
Logo, o desejo de expandir as oficinas e atender mais pessoas transformou a residência em um local repleto de crianças, homens e mulheres, atraídos pela oportunidade de aprender a cozinhar, assentar azulejos, costurar, tornar-se manicure, entre outras atividades.
“No início, a gente não tinha quase nada. Eu vendia o vale-refeição pra poder pagar o professor e a reforma do espaço. Meu pai ia me ajudando. Não tinha banheiro, as cadeiras eram da cozinha da minha mãe”, relembra Daniel.
Atento à intensa situação de vulnerabilidade do bairro nos anos 1990, somada aos elevados índices de violência na região, Daniel quis introduzir uma nova opção cultural e romper com o estigma de que apenas aspectos negativos estão presentes nas periferias.
Ao longo dos anos, além das atividades culturais, a Orpas passou a prestar diversos serviços à população do bairro, como a distribuição de quatro toneladas de cestas básicas por mês e a oferta de atendimentos gratuitos na área da saúde.
O programa “Atendimento Para Todos” inclui consultas pediátricas, ginecológicas e clínicas gerais, já o programa “Aguenta Firme” promove terapias em grupo para adolescentes, mulheres, crianças e idosos.
‘Em um ano, realizamos mais de 2 mil atendimentos diretos pras pessoas que estão precisando. Contamos com psicólogos, psicanalistas, nutricionistas que atendem gratuitamente a comunidade’
Para viabilizar essas consultas, as 400 famílias cadastradas pela Orpas recebem identificação por meio de carteirinha e contam com uma organização em um canal de WhatsApp. Dessa forma, os moradores podem agendar as consultas ou outros atendimentos presencialmente nas unidades da Orpas ou por meio das redes sociais.
Somando projetos e parceiros
Com o crescimento da instituição, surgiram outros projetos atuantes na comunidade que destinam recursos à Orpas, como o Sonegô Bistrô, que também oferece aulas de gastronomia, e a consultoria Árvore Preta. Ambos os negócios têm seus lucros revertidos em ações para a ONG.
“A gente faz a manutenção dos projetos com os nossos negócios sociais. Com a receita, a gente faz a manutenção dos projetos, além de contar com a doação de pessoas que também contribuem”.
Daniel ressalta que para manter os projetos não se pode andar sozinho. Ele destaca a atuação de dois importantes voluntários na caminhada da Orpas: sua mãe, a primeira grande investidora do projeto, e Giovanni, um amigo pessoal, já falecido, que investiu em um dos projetos de saúde da organização.
“Pessoas como ele acabam também sendo anjos na nossa vida e pra gente poder alcançar mais gente”, diz.
Uma dessas pessoas impactadas é a arquiteta Larissa Santana, 29, que, após ser voluntária, trabalha atualmente na direção de projetos da Orpas.
“Descobri que aqui poderia também ser uma realização profissional. Juntou o meu interesse e motivações de mudar o mundo, assim como fui mudada por meio da educação em vários projetos que vivenciei”, diz Larissa.
Ela acrescenta que é gratificante desenvolver ações que provocam mudanças na vida de uma pessoa, de uma família, com os projetos da ONG.
Essa visão de proporcionar mudanças na vida dos moradores, segundo Daniel, passa por oferecer mais cultura e educação aos participantes de seus projetos e de outras iniciativas importantes na periferia do Jardim São Luís e do Jardim Ibirapuera.
“Criar a ONG foi uma forma da gente também não se submeter ao sistema que está aí e que massacra. A gente não pode se limitar ao pouco que nos oferecem, temos que ocupar outros espaços também”
No último dia 24 de fevereiro, a Orpas inaugurou um novo espaço para ampliar os atendimentos e realizar novos projetos culturais. Daniel conclui que levar cultura às periferias e apresentar talentos diretamente da comunidade é o grande legado que ele e suas iniciativas podem deixar.
“Isso é compartilhar o conhecimento com meus irmãos para que eles acessem outros espaços e ganhem destaque naquilo que fazem. Se você olhar aqui, a predominância é afro, de mulheres. Quase todos são aqui da quebrada. Seguiremos empoderando as periferias, os negros, as negras, através desse pertencimento”, finaliza.