A professora Sarah Cazella, 35, mora desde 1986 entre o Jardim Santa Fé e o Morro Doce, perímetro no distrito da Anhanguera, pertencente à Subprefeitura de Perus, na zona norte da capital paulista. Trinta anos depois, porém, ainda vê o bairro enfrentar escassa infraestrutura.
“Ônibus, água e asfalto… Me lembro bem de ver e participar das primeiras lutas, ainda criança. Nessa época, era geograficamente distante falarmos que éramos parte de Perus. Hoje ainda não é fácil o acesso com o transporte público, mas naquela época era muito menos”, afirma.
Nos dias de hoje, abrir a janela do presente é se defrontar com o distrito de Anhanguera, com 65.859 moradores. O local abriga o maior parque municipal de São Paulo, o Parque Anhanguera. Mais habitado está Perus, com 80 mil habitantes, reconhecido pela Câmara Municipal em 21 de setembro de 1934.
“Tudo o que Perus possui como estrutura em saúde, cultura e também em educação ainda é de difícil acesso para os moradores do lado de cá”, lastima Sarah.
Em Perus estão espalhados 45 bairros e vilas, enquanto em Anhanguera são apenas nove, dos quais se destaca o Morro Doce — referência atribuída às antigas plantações de cana-de-açúcar que se alastravam pelos solos da região e davam vida à produção de cachaça em alambiques.
NOME DE AVE E FÁBRICA DE CIMENTO
Adentrar à história de Perus é descobrir que “Queixadas” foi o nome atribuído aos operários que entraram em greve em 1958 e paralisaram seus trabalhos por 46 dias, o que garantiu um reajuste salarial de 40%. Esse foi o primeiro entre tantos episódios na Fábrica de Cimento, e a mais conhecida mobilização, que perdurou por sete anos, se estendendo durante a Ditadura Militar.
Homenagem à ave? Uma hipótese é que o nome dado à região tenha surgido realmente por conta da existência do animal por essas bandas. Ou uma homenagem à Dona Maria. Famosa por servir refeições a tropeiros que transitavam pela região, a ilustre moradora passou a ser chamada de “Dona Maria dos Perus”.
Tal graça, segundo a lenda, foi inevitável para surgir muitas indicações e referências: “Vou lá onde tem a Dona Maria dos perus”, “Vou onde tem perus”, “vou na fazenda dos perus”, “vou lá em perus”. Ao contrário dessa teoria, na obra “Queixadas, por trás dos sete anos de greve” as autoras Jéssica Moreira e Larissa Gould mostram outra origem. Por estar ao lado Pico do Jaraguá, tal nomenclatura poderia ter surgido por conta do ouro no local.
Na obra, as jornalistas descrevem, sobretudo, um dos ícones do último bairro da zona norte de São Paulo: a Fábrica de Cimento Portland Perus. “As máquinas ainda estão lá. O depósito de pedras continua cheio. As vidraças, mesmo algumas quebradas, resistem à força do tempo”, evidenciam o trecho extraído do posfácio do livro.
CULTURA EM MOVIMENTO
Há décadas, o Movimento pela reapropriação da Fábrica de Cimento de Perus luta para transformar o local em Centro de Lazer e Cultura. Muitas audiências públicas buscaram, inclusive, discutir o impacto habitacional nos arredores da Fábrica.
Entre eles, a criação do parque A Luta dos Queixadas, além de reconhecer como patrimônio outros pontos do bairro, como a Ferrovia Perus-Pirapora, com seu trem maria-fumaça; a Vila ‘fantasma’ Triângulo; o Sindicato Queixada e a estação de trem Perus da CPTM, que data de 1867.
Para Sarah, outro polo de grande potencial cultural seria o Centro Santa Fé, obra da Companhia de Jesus. “Porém, por diversas questões, isso está travado. Me parece que as zonas lestes e sul conseguem se organizar melhor quanto às manifestações culturais”, revela a professora que também já trabalhou com educação popular.
Ao colocarmos uma lupa sobre os aspectos culturais em Perus, tendo com base o Mapa da Desigualdade, vemos que são inexistentes teatros, cinemas ou clubes na região. São apenas dois equipamentos públicos de cultura para 100 mil habitantes, enquanto museus, salas de teatro e cinema contabilizam zero.
Sarah diz ter acompanhado mais de perto no passado o Movimento da Fábrica de Cimento e a iniciativa cultural Quilombaque, em Perus. Na Anhanguera, no entanto, afirma existir, em menor quantidade, outras iniciativas.
“Penso que ainda sou privilegiada de estar deste lado, na Anhanguera, e saber desses movimentos em Perus. Não é a maior parte da população de Anhanguera que conhece. Deste lado, temos algumas pessoas que têm se movimentado em saraus e outros movimentos de cultura, mas não em grande escala”, afirma Sarah.
PERUS EM NÚMEROS
Segundo Observatório Cidadão, o número de atendimentos em creches em Perus saltou de 4.595 para 6.200, de 2014 para 2015. Uma realidade avessa ao Ensino Médio, conforme Sarah.
“Em 1986 tínhamos apenas duas escolas na região. Hoje temos a falta de escolas de ensino médio. Há um verdadeiro funil. Muitas escolas de Ensino Fundamental e pouquíssimas para atender toda a demanda de Ensino Médio”, diz.
Ainda segundo o mesmo levantamento, a quantidade de livros infanto-juvenis disponíveis em acervos de bibliotecas municipais em Perus (para crianças e jovens de 7 a 14 anos), embora esteja na média, com 5.493 em 2014 e 2015, houve uma redução superior a três vezes em relação aos últimos dois anos, quando existiam cerca de 18 mil exemplares.
Já as internações de mulheres de 20 a 59 anos por causas relacionadas a possíveis agressões, por 10 mil habitantes nessa faixa etária, em 2014, foram registrados 153 casos, ante 47 em 2015. Embora a redução tenha sido de mais de três vezes, o índice, no entanto, é um dos quatro piores de São Paulo, ao lado de Capela do Socorro, Parelheiros e Itaim Paulista. Atualmente vivem pouco mais de 50 mil mulheres em Perus.
Outra redução importante foi nos casos de internações de crianças de 0 a 14 anos por causas relacionadas a possíveis agressões. São cinco vezes menos que no ano anterior: de 33 para seis.
Na saúde, Sarah acredita que a Subprefeitura de Perus precisa ampliar e qualificar seu atendimento em saúde. “Temos bons exemplos de funcionamentos pontuais de UBSs, porém sofremos com a falta de atendimento em PS [Pronto Socorro] e de especialidades”, afirma.